Capítulo XXII | As luzes de Dongji

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Um longo dia de preparações havia mantido todos em Dongji ocupados, exceto os três viajantes que, na noite anterior, livraram o vilarejo da terrível ameaça dos cadáveres sugadores de vida. Recebendo uma solicitação para que ficassem o tempo todo no interior da casa de Mei, o trio gastou horas e horas subindo e descendo as escadas, tirando cochilos e mantendo conversas aleatórias enquanto, vindos do lado de fora, os sons do trabalho de montagem do festival vazavam pelas janelas. Com a aproximação da noite, ainda, luzes vibrantes podiam ser vistas através das vidraças, denunciando que uma decoração especial havia sido preparada para iluminar o evento improvisado.

—Eu acho que nunca passei tantas horas seguidas dentro de uma casa, nem sequer na minha própria– disse George, retomando o humor resmungão que chegava junto do frio noturno. – Espero que esse festival compense o dia todo de tédio que estamos tendo.

—E eu espero que tenham preparado algo além de broto de bambu – Romani completou, lembrando-se da refeição consumida no dia anterior e também no que se encontrava. – Não aguento mais!

—Vocês parecem dois velhos ranzinzas – foi a vez de Jullian falar, encolhido no sofá para proteger-se do frio.

—Não somos nós que reclamamos demais, padre – George voltou a falar. – É o senhor quem reclama de menos. Parece que nada neste mundo é capaz de incomodá-lo.

—Ora, foi assim que Deus me fez. Serenidade é uma virtude, no fim das contas, não acha? Além disso, estão preparando um festival em nossa homenagem com toda boa vontade do mundo. Não tenho do que reclamar.

Bufando ainda em reclamação, George continuou estendido no chão ao lado da lareira, a cabeça descansada sobre as mãos cruzadas. Romani, do outro lado da sala, observava as unhas sujas e tentava limpá-las umas nas outras, desistindo pouco depois ao perceber que de nada adiantaria. Passou as mãos pelos cabelos e sentiu-os sujos e oleosos, e ainda um pouco mais volumosos que o comum.

—Como essas pessoas conseguem viver sem espelhos? Há três dias que não vejo meu próprio rosto e isto já está começando a me incomodar.

—Eu acho que a ausência de espelhos é uma das coisas menos estranhas desse vilarejo – George opinou, encarando o teto. – Como podem viver tão isolados da sociedade? Quero dizer, vivem de bambu e arroz, sendo que a poucas horas de viagem existe uma cidade onde poderiam conseguir qualquer tipo de mantimento. Vejam as roupas que vestem, observem o fato de terem uma anciã como líder. Tudo me parece arcaico demais.

—Aos meus olhos – disse o padre, mergulhando na breve análise social –, viver em uma bolha é uma forma de manterem vivas as tradições de seu povo. Considerem o quanto deve ser difícil viver em um lugar tão distante de suas raízes. É este modo de vida que os torna únicos.

—É um ponto de vista. Mas ainda assim é assustador.

Mais algum tempo foi gasto em conversas diversificadas, até que a porta da frente foi aberta e por ela entraram Mei e o seu filho, o pequeno Bao. Exibiam uma aparência suja e cansada, possivelmente em resultado ao trabalho de preparação do festival, mas ainda assim mantinham largos sorrisos que trouxeram animação aos três visitantes entediados.

—Boa noite! – Mei cumprimentou-os com uma simpatia que eles não haviam antes visto. – Sinto muito por tê-los deixado tanto tempo aqui, mas queríamos preparar algo especial e que os surpreendesse. Cada um de nós ajudou na decoração, até mesmo Bao, não foi, rapazinho?

O menino, tímido como no primeiro encontro com os forasteiros, sorriu discretamente e encolheu-se perto da mãe. Tinha nas bochechas pequenas manchas de tinta vermelha, o que denunciava sua participação no processo de pintura de algo utilizado para decorar o festival.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora