Capítulo XXV | Imagem distorcida

11 2 0
                                    


—Um... espelho? – disse George, atônito, diante do objeto. – Todo este trabalho para, no fim, encontramos um espelho?

Juntos em um círculo, os três encararam o espelho de mão que descansava entre as palmas abertas do padre. Era prateado, oval e de bordas finas, com um pegador comprido moldado em puro aço e adornado por arabescos florais. O vidro, límpido, refletia a luz da lanterna e manchava de vermelho os rostos que o observavam, deixando-lhes ainda mais confusos quando sua missão era esclarecer.

—Esperem um pouco – Romani foi a próxima a falar. – Espelhos são proibidos em Dongji. Foi o que a própria Mei me disse!

—Bem lembrado, Romani. Mas o que poderemos fazer com um espelho de mão? Mostrar aos Jiangshis para que vejam a própria cara feia e vão embora? – George brincou, tentando manter a seriedade.

Jullian, no entanto, mantinha uma reação e um comportamento diferentes dos amigos. Embora se mostrasse também confuso, agia como se uma nuvem negra de repente houvesse pousado sobre sua cabeça.

—Jullian? – chamou o outro homem. – Você está bem?

—Eu não tenho certeza, George.

Com a voz e o semblante obscurecidos, Jullian agarrou o espelho pelo pegador e separou-o do embrulho que o protegia. Ao levantá-lo, então, percebeu que escondia uma mensagem, bastante curta, escrita direto no papiro com tinta escura: uma simples sequência de três números, em rabiscos simples, possivelmente escritos quinhentos anos atrás.

—Oitocentos e trinta e dois – George pronunciou lentamente, curvando-se para enxergar melhor. – Este número diz alguma coisa a você?

—Para mim é apenas um número qualquer – Romani respondeu, mesmo que a pergunta não fosse direcionada a ela. – Acho que resolvemos um mistério apenas para encontrar outro ainda pior.

—E eu acho que nossa estadia neste vilarejo ainda está um pouco longe de acabar.

—Não digo isto. Não consigo mais ficar confinada neste lugar!

—Não é um número qualquer – Jullian de repente falou, fazendo com que os outros dois se calassem. – Está muito, muito longe de ser um número comum.

Segurando o espelho com uma das mãos e o papiro com a outra, o padre desviava o olhar de um objeto ao outro, mergulhado em pensamentos, afogando-se em possibilidades. Sua respiração parecia mais lenta, atrasada, e mesmo que seu coração batesse forte e incansável, pareceu fraquejar por um momento, como se recusasse os próprios pensamentos, as próprias indagações.

—Você quer nos matar de curiosidade ou o quê? – George questionou, quebrando a linha de raciocínio do amigo missionário.

—Este número se refere a um trecho bíblico, George – Jullian finalmente decidiu se expressar, depois de estar certo do que dizia. – Não é oitocentos e trinta e dois. É João oito, versículo trinta e dois.

Romani, ao ouvir a resposta do padre, arregalou os olhos e aproximou-se ainda mais do espelho, tentando enxergar a si mesma, mas apenas avistando o número rabiscado no papiro.

—E conhecereis a verdade – ela iniciou, lembrando-se das tantas vezes que ouvira o falecido padre Mills repetir o versículo de João.

"E a verdade vos libertará", finalizaram juntos, encarando-se, absorvendo o timbre de voz um do outro, sentindo o poder daquela afirmação.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora