Capítulo XXI | Anotações

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Com a claridade do dia invadindo o quarto através da janela, Benjamin Hendrik acordou-se. Bocejou e aninhou-se nos lençóis, observando Pégaso deitado em um dos recantos do dormitório, tranquilo em sua cama improvisada. Sentindo frio e fome, o homem levantou-se vagarosamente, calçou suas pantufas e seguiu até o banheiro, onde gastou poucos minutos para se preparar para a manhã que se seguiria.

Vestido de maneira confortável e aquecida, Benjamin deixou o quarto e foi seguido por Pégaso, que abanava o rabo e acompanhava o homem como se já o conhecesse por anos. Chegando ao andar de baixo, o animal avançou direto até a porta da frente, parando diante dela e arranhando-a como se assim pudesse abri-la.

—Você quer sair, rapazinho? – o senhor Hendrik perguntou, aproximando-se dele. – Precisa fazer suas necessidades, não é mesmo?

Como se esperasse por uma resposta falada, o senhor Hendrik encarou-o por alguns segundos, e logo depois virou-se para trás, na direção da cozinha, tentando escutar qualquer movimento por lá. Nenhum som, porém, vinha dos fundos da casa, algo que era incomum dado o fato de que Emmeline, como uma excelente funcionária, acordava-se aos primeiros raios de sol para preparar o café da manhã. Imaginando que ela apenas houvesse perdido a hora, deu de ombros e destrancou a porta da frente, abrindo-a e permitindo que Pégaso tivesse acesso ao jardim de grama verde e arbustos bem podados. O animal, sem nenhuma demora, saltitou pelo gramado e embrenhou-se por entre as camadas de verde, mantendo-se por lá enquanto Benjamin, tranquilo e de braços cruzados, caminhava pela trilha de pedrinhas que levava até o portão da frente.Parando bem no meio do jardim, ele observou a rua enquanto respirava o ar fresco da manhã; olhou para cima e viu que o céu parecia condensado, gasoso e cinzento, e que ao redor da casa, empoleirados pelos fios dos postes, muitos pássaros descansavam pacientemente como se ainda sonolentos.

Tal conjunto de informações, entretanto, trazia ao homem uma única certeza: em breve estaria nevando. Foi assim que uma sensação agridoce tomou conta do senhor Hendrik: amava a neve, sentia-se confortável ao ser abraçado pelo branco que tomava conta dos telhados e das ruas, e muito agradava-lhe gastar o tempo montando bonecos de neve com narizes de cenoura e grandes cachecóis ao redor do pescoço. Tais sensações, no entanto, foram rapidamente diluídas como tinta em água quando ele lembrou-se que, a partir daquele inverno, estaria sempre e para sempre sozinho. Anastacia, sua única e querida companheira, havia partido e deixado a casa e o coração de seu pai vazios. Não mais haveria chocolate quente à beira da lareira. Não mais seriam feitos passeios noturnos pela cidade que reluzia o branco da neve e o laranja dos postes. Não mais haveria bonecos de rosto pálido, ou resfriados para cuidar, ou os ensopados de lentilhas preferidos de Anastacia Hendrik. E com um suspiro, Benjamin finalmente percebeu que aquele seria o inverno mais frio – e mais longo – de toda sua vida.

Algum tempo depois, Benjamin viu Pégaso reaproximando-se e parando bem ao lado de seus pés. Animado, porém compreensivo, sentou-se perto do homem e se manteve a fitá-lo, como se buscasse entender sua expressão de tristeza. Recebeu de volta um sorriso, mas antes de poder devolver o carinho com uma lambida, teve a atenção roubada por uma silhueta magra e alta que surgiu diante da casa sem nenhum aviso. Com um par de latidos, fez com que Benjamin se virasse para o portão e encontrasse um homem vestido por um longo casaco marrom, usando uma boina em estilo francês enterrada na cabeça. Situando-se depois de alguns segundos, Benjamin finalmente conseguiu assimilar a silhueta a alguém que conhecia, e logo executou os últimos passos que o levaram até onde pudesse falar sem precisar levantar a voz.

—Thadeus! – disse em tom brando, pouco se esforçando para esconder a surpresa. – O que está fazendo aqui tão cedo da manhã?

—Bom dia, Benjamin – o homem respondeu, revelando o rosto magro e ossudo, escondido por um par de óculos de lentes grossas que aumentavam seus olhos de forma desproporcional. – Desculpe-me por aparecer assim sem avisar, mas precisava mostrar-lhe algo que descobri.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora