Já era noite alta quando Jullian foi liberado, sendo automaticamente enxotado da delegacia pelos policiais. Havia explicado incessantemente a situação vivida durante a tarde, assim como quem realmente era e o que fazia naquela cidade. Sob muita dúvida e relutância as autoridades foram convencidas de que aquele homem de roupa e rosto sujos era um padre, um eclesiástico viajante que passava de cidade em cidade em uma busca sem fim. Zombaram-lhe até onde foi possível, até que decidiram liberá-lo por falta de qualquer acusação ou mesmo de qualquer motivo para deixá-lo preso em uma cela.
Na rua, em frente à porta agora fechada da delegacia, Jullian se viu novamente sozinho. Olhou ao redor e viu um número de pessoas que se contava com os dedos de uma só mão, todos caminhando à distância em prováveis divagações noturnas. Seriam também pessoas solitárias e sem um lugar para se abrigar?
Atravessando a rua, Jullian aproximou-se de um pequeno canteiro que adornava a frente de uma escola, e sem qualquer opção a tomar, sentou-se no banco de ferro que existia abaixo de uma árvore. Estava frio, o vento soprava pelas ruas causando assobios e levando folhas de jornal abandonadas, e pelas janelas das casas o padre enxergava focos de luz bruxuleantes. Àquela hora boa parte da cidade já devia estar adormecida, descansando para mais um dia de trabalho, algo que fez Jullian sentir-se tranquilo e ao mesmo tempo preocupado. Sabia que sem passantes à vista não corria o risco de ser novamente humilhado, mas sabia também que estava à mercê de qualquer tipo de criminoso que pudesse fazer, de fato, o que ele não fizera à mulher que o acusara de tentar roubá-la. Suspirou e tentou não se preocupar com aquilo: no final das contas, sequer possuía qualquer objeto para ser roubado, já que tudo que carregava consigo ficara para trás durante a agressiva ação dos policiais.
Mais uma vez sentindo fome e sede, recostou-se ao braço do banco e levou as pernas para cima do assento, preparando-se para o que viria a ser uma fria e terrível noite de insônia. De olhos fechados sussurrou uma oração, mantendo a tradição de comunicar-se com seu Mestre antes de dormir. Apagou rapidamente, deixando por um momento todas as preocupações para trás.
Sem saber quanto tempo dormira, assim, Jullian acordou-se ao ouvir alguém falando. Abriu os olhos e levantou-se bruscamente, imaginando estar sendo abordado por criminosos, mas logo tranquilizou-se ao enxergar quem estava diante dele: o homem calvo e de olhos escuros que tentara ajudá-lo durante o velório, enquanto passava mal ao reconhecer o rosto da falecida.
—Olá – disse o homem, agora já bem próximo dele. – Desculpe-me por assustá-lo, não era minha intenção.
—Tudo bem, não se preocupe.
—Você está bem? Eu soube do que aconteceu mais cedo, e rapidamente relacionei sua imagem ao fato.
—Estou bem, na medida do possível. Ao menos não me machucaram muito.
—Sinto muito pelo que fizeram com você. As pessoas andam cada vez menos impacientes, cada vez mais violentas.
Jullian concordou com um balançar de cabeça, mas logo se sentiu confuso e curioso. O que aquele homem estaria fazendo ali, em uma rua escura, àquela hora da noite?
—Imagino que deva estar cansado e faminto – o homem continuou, ainda parado diante do banco. – Gostaria de jantar e de tomar um banho? Eu poderia...
—Senhor, eu não quero ser indelicado, mas por que está querendo me ajudar? Você não me conhece, nem sequer sabe se eu não roubei mesmo aquela mulher.
—E você roubou? – o visitante retrucou, em um desafio.
—Não, claro que não. Eu não sou ladrão
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In Nomine Patris 3 | Tenebris Hibernus
FantasyCarregando nas costas o peso das terríveis ações de Irvine Aurish, Jullian Bergamo deixa para trás as cinzas e os destroços de sua vida e parte em uma missão de caça à maléfica feiticeira. Pelo caminho, seguindo pistas e sinais deixados pela mulher...