Capítulo IX | Aliados ou inimigos?

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As cores de Milldon surgiram diante de George e Romani de maneira borrada, como resultado de uma rápida chuva que passara pela cidade em tempo suficiente apenas para molhar os telhados e dar às árvores o que beber. Os tons das casas, praças e igrejas pareciam aquarelados, carregados de uma estranha nostalgia que nenhum dos dois conseguia explicar, e o cavalo atravessava as ruas lentamente enquanto agitava as incontáveis poças que se formaram entre as depressões do asfalto. As variações de guarda-chuvas ainda podiam ser vistas por todos os lados, e mesmo que a chuva já houvesse partido na direção de outras terras, o clima permanecia cinzento como uma velha tela deixada em um sótão para desbotar.

Sem terem nas mãos sequer uma ideia de por onde começar –Milldon era, afinal, uma cidade bem maior do que todas as outras por onde já haviam passado –,os aventureiros apenas acompanharam o fluxo de pessoas que, naturalmente, seguia para as partes mais movimentadas da cidade, imaginando que aquela fora também a rota traçada pelo padre.O que Romani e George não esperavam encontrar, entretanto, era um aglomerado de pessoas, lojas e veículos como nunca haviam encontrado antes, incluindo alguns completamente estranhos aos olhos dos dois.

—Está aí algo que eu não esperava ver hoje. Uma carroça que não precisa de cavalo para se mover! – George disse, surpreso, apontando para um veículo automóvel que passara diante deles.

—Já estava mais do que na hora de inventarem algo assim – Romani respondeu, maravilhada. –Os pobres animais precisam parar de sofrer enquanto nos carregam para um lado e para o outro como se fossem nossos escravos.

—Não posso discordar de você, mas não consigo deixar de imaginar como seria se o mundo ficasse lotado dessas coisas horrendas. Acho que é uma invenção que não vai ser abraçada pela humanidade. E ainda solta muita fumaça, veja!

Divertindo-se com as reclamações de George sobre a evolução dos meios de transporte, Romani continuou guiando a carroça pelas ruas abarrotadas e sempre procurando chegar ao centro comercial. Àquela altura já conseguiam avistar um número maior de lojas e comerciantes informais, e consequentemente um aumento também na quantidade de sujeira e de mendigos espalhados pelas calçadas. Um sentimento amargo de injustiça social, assim, tristemente fez com que os viajantes relacionassem aqueles elementos tão discrepantes: uma cidade em crescimento que jogava indiscretamente seu lixo nas ruas, fosse formado por sacos cheios de papel ou por corpos humanos cheios de fome e solidão.

Algumas curvas depois, a carroça com seus ocupantes chegou a uma praça larga, repleta de barracas e lojas e fervilhando de transeuntes. Era a mesma onde Jullian havia passado, e embora não fizesse qualquer ideia do ocorrido, Romani atravessou a rua no exato lugar por onde os policiais haviam levado o padre depois de levantá-lo do chão. Parando ao lado das barracas e onde não atrapalhasse o fluxo da rua, a mulher desceu e logo foi acompanhada por George. Haviam previamente combinado uma busca junto aos comerciantes, e caso nenhum deles pudesse dar qualquer resposta satisfatória, iriam diretamente aos guardas e aos passantes que rondavam a área em busca de informações – as duas categorias que, ironicamente, foram as responsáveis pela humilhação pública que Jullian sofrera naquele exato lugar.

Afastaram-se e dividiram a busca entre si, visando acelerar o processo e uma possível nova partida caso nada conseguissem descobrir. Romani, de posse da fotografia amassada do rosto do padre, rumou para o lado mais próximo da rua, enquanto George avançou para o centro da feira já perguntando e descrevendo o homem com informações básicas. Passaram por incontáveis rostos e por muitos "nãos", até que a mulher conseguiu, por fim, atrair a atenção de uma comerciante que rearranjava pães em algumas cestas de palha.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora