Capítulo XXIV | Tenebroso Inverno

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Antes que Jullian, Romani e George pudessem compreender o que acontecia, o vento cessara por completo. Os pequeninos flocos de neve caíam do céu lentamente, quase em pausa, enfeitando os arredores como milhares de estrelas frias e efêmeras. O firmamento se mostrava tímido, misto entre o azul escuro e o cinza, indeciso sobre qual cor permitiria predominar, e todo o conjunto criava uma falsa cena de quietude, de uma paz que somente uma tranquila noite de inverno conseguia produzir. Como bonecos de neve, assim, eles se mantiveram paralisados, os pés parcialmente enterrados no tapete branco e gelado; ouviam os gritos como se fossem apenas ecos distantes, chegando a seus ouvidos através de um túnel comprido e curvilíneo, já distorcidos e diluídos pelo ar. Era um tipo incontrolável de transe, de paralisia, causado por uma força intensa que os impedia de se mover.

Romani, entretanto, foi a primeira a ser sugada de volta à situação. Tomada por um estranho sopapo, respirou fundo e arregalou os olhos, perdida, mas logo retomando o controle de si mesma. Olhou para Mei e encontrou-a com a boca escancarada, gritando ordens de fuga, apontado em várias direções. Não sabia o que a havia trazido de volta, mas teve a certeza de ter ouvido – talvez apenas em sua mente – sons conhecidos, completamente familiares: os latidos de um cão, similares ou até mesmo idênticos aos de Pégaso. Sacudindo a cabeça, soube que estava de volta por completo ao avistar os amigos ainda estáticos, com os olhos perdidos em lugar nenhum.

—Jullian! George! – exprimiu com agressividade, aproximando-se deles e chacoalhando-os pelos ombros, um de cada vez.

Precisou repetir os nomes dos homens de três a quatro vezes até que eles emitissem qualquer resposta, o padre através de uma forte tomada de fôlego, o outro em um cambalear que quase o fez cair para trás.

—O que... o que houve comigo? – Julian perguntou, sentindo a paralisia desfazendo-se rapidamente.

—Eu não sei o que houve – Romani disparou, incisiva –, mas sei o que vai haver se ficarmos todos parados aqui. Olhe ao seu redor!

Fazendo o que a mulher sugerira, Jullian e George giraram nos calcanhares e, ao enxergar o caos que se instaurava no meio do festival, foram finalmente arrastados de volta para o momento. Por todos os lados as pessoas já corriam, esbarravam-se, gritavam em pânico e pavor. A neve continuava a cair tranquilamente, contrastando com o pandemônio de maneira quase afrontosa, pousando sobre as cabeças dos salvadores e desaparecendo poucos segundos depois.

—Precisamos ajudar estas pessoas! – George foi o primeiro a gritar, movendo-se do lugar onde se encontrava, mas ainda sem saber como proceder.

—Vamos nos separar e fazer com que todos entrem em suas casas – Jullian concordou, também entrando em ação. – Depois que todos estiverem seguros, vão para a casa de Mei e não saiam de lá.

Firmando um acordo informal e sem qualquer resposta, o trio se desfez e cada um tomou um rumo diferente, embrenhando-se na desordem que tomava conta do vilarejo. Jullian, rumando para o lado maispróximo da entrada de Dongji, avistou dezenas de pessoas correndo em círculos como insetos desorientados, assim como dezenas de Jiangshis avançando rumo a todas elas, os braços estendidos e os dedos rígidos mirando em uma só direção. Com um desvio, o jovem padre circundou o grupo de pessoas e, estranhando a falta de noção de proteção que as possuía, parou entre elas e os Jiangshis como um monumento, um totem de carne e osso que serviria como guardião.

—Ei, todos vocês! Escutem-me!

O chamado, mesmo realizado a plenos pulmões, não conseguiu ser atrativo o suficiente. Assim, Jullian levantou os braços e os sacudiu rapidamente, continuando a gritar e a chamar pelos moradores, que depois de alguns segundos finalmente se permitiram notá-lo. Pararam um a um, e logo um grupo de pessoas imóveis se formou.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora