Capítulo VIII | Um lugar chamado Inverno

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As últimas horas da madrugada atravessavam o horizonte, mas na casa dos Hendrik a conversa parecia ainda longe de acabar. Sentados à mesa da sala de jantar, xícaras de café fumegando diante de seus rostos e um relógio tique-taqueando ao fundo, Jullian e Benjamin mergulhavam em quantos assuntos a agitada noite conseguia produzir. Haviam chegado do cemitério e sequer pensaram em descansar, tendo as ideias fervilhando após a terrível descoberta que fizeram no mausoléu. O padre, mantendo-se em um estado impenetrável, procurava as palavras mais suaves que conseguia antes de se dirigir a Benjamin. O anfitrião, porém, bebia xícaras e mais xícaras de café, e àquela altura se mostrava muito mais agitado do que o outro homem à mesa.

—Senhor Benjamin, não beba tanto café assim, não vai lhe fazer bem.

—Eu sei. Está certo.

Depois de um último gole, o senhor Hendrik afastou a xícara para o centro da mesa e juntou as duas mãos diante do rosto, suspirou profundamente e esperou que Jullian continuasse.

—Como eu dizia, o que podemos fazer agora é não descartar nenhuma possibilidade. Sabemos o que vimos no cemitério, e precisamos considerar os fatos que temos nas mãos.

—Um vampiro. É isto o que temos em nossas mãos até agora. Isto não soa absurdo aos seus ouvidos?

—Eu poderia deixar-lhe de cabelo em pé se lhe contasse quantas coisas absurdas eu já vi, senhor Benjamin. Já estive diante de mortos vivos, de demônios em carne e osso, de espíritos vagantes feitos de pura escuridão. Um vampiro, pode acreditar, talvez seja algo até um tanto simplório perto do que estou acostumado a ver.

—Eu ainda não consigo assimilar nada disso. Já tinha ouvido histórias sobre meu amigo padre, é claro, mas nunca havia vivido na pele, ou sequer me aproximado deste mundo sobrenatural.

—E o que mais me intriga em tudo isto é só um pequeno detalhe. De acordo com o que Anastacia disse antes de morrer, e de acordo com o que o senhor encontrou em suas pesquisas, estaríamos lidando com um vampiro... chinês. De onde poderia ter surgido esta criatura? Estamos muito longe da Ásia, como sabe.

—Estamos tão longe da Ásia quanto estamos longe de entender o que houve com minha filha.

Pela primeira vez, assim, Jullian conseguiu notar o pesar na voz e no semblante de Benjamin. Percebeu que seus olhos haviam ganhado um brilho repentino, e logo viu pequenas lágrimas escorrendo pelas maçãs protuberantes do homem.

—Ela era tão sonhadora – disse, desabafando. – Desejava mais do que tudo se tornar uma escritora. Gostava muito de poesia, passava horas e horas escrevendo e recitando. Não consigo imaginar que tipo de criatura seria capaz de fazer mal a uma pessoa tão doce.

—Sinto muito. Espero que Deus consiga confortar o seu coração.

—Meu coração só será confortado quando eu conseguir ao menos descobrir onde foi parar o corpo dela.

De coração apertado, Jullian se manteve calado e respeitou o momento de luto de Benjamin. O silêncio se apossou da sala de jantar por alguns instantes, até que uma inesperada brisa gelada se fez sentir no ambiente, escorrendo para dentro através de uma janela que não havia sido fechada por Emmeline antes de dormir. Arrepiando-se sob a baixa temperatura, Benjamin deixou a mesa e seguiu em passos pesados até a janela, fechando-a e puxando a cortina branca até que escondesse a vidraça por completo.

—Basta chegarmos ao fim do outuno pra que esta casa vire um verdadeiro receptáculo de vento. O inverno por aqui costuma ser muito frio e incômodo.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora