Capítulo VI | Lacre violado

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No exato momento em que sentiram os pés pisando o asfalto bem conservado, Jullian e Benjamin olharam ao redor e viram que as ruas estavam ainda menos movimentadas do que antes. A temperatura havia caído bruscamente em comparação a algumas horas antes, o que trouxe aos dois homens um ligeiro arrependimento por não terem saído da casa adequadamente agasalhados. O caso que precisavam resolver era mais importante, porém, e por isto nenhum dos dois disse palavra alguma sobre o frio que os assolava.

De acordo com as informações dadas por Benjamin, o cemitério principal da cidade – onde o corpo de sua filha fora deixado no mausoléu da família – ficava a cerca de dois quilômetros da residência dos Hendrik, e para chegar até lá precisariam atravessar dois bairros de Milldon. Cada um deles levava consigo nada mais que uma lamparina apagada, ambas abastecidas com óleo combustível, e enquanto caminhavam em silêncio por fora, eram consumidos por gritos ensurdecedores que vinham dos pensamentos.

Algum tempo depois, fazendo-se ouvir em voz baixa e discreta, Benjamin informou que já estavam se aproximando de seu destino. Caminhavam agora por uma área pouco habitada, com inúmeros terrenos baldios do que possivelmente era um lugar com muitos lotes disponíveis para venda. Os arbustos e árvores contorciam-se no ritmo das correntes de vento, e a cada novo passo dado tudo parecia ficar mais escuro e intimidador. Acima deles, uma lua minguante se escondia parcialmente por detrás das nuvens, como se espiasse o incomum movimento àquela hora tardia.

Mais alguns momentos de caminhada se gastaram até que os dois homens enxergaram, por fim, os grandes muros do cemitério. Estavam um pouco mais à frente, compridos e imponentes como os de uma prisão.

—Sempre busquei entender o motivo de muros tão altos – Benjamin falou, cortando a quietude. – Como se alguém que estivesse aí dentro pudesse ir embora...

—Acho que o ser humano ainda gosta muito de muros – Jullian devolveu, pensando na informação irônica dada pelo acompanhante. –Seja para manter-se por dentro ou para manter os outros de fora. Muros servem para esconder o que não querem que seja visto.

Mergulhados em uma estranha e soturna filosofia, os homens alcançaram a lateral do cemitério e puseram-se a andar rentes à calçada. Naquele lugar existiam alguns postes de iluminação posicionados a alguns metros de distância uns dos outros, mas que ainda assim não pareciam suficientes: tudo ao redor dos homens estava escuro e assustador. Prosseguiam lado a lado, seus passos ecoando pela rua comprida que desaparecia de vista muitos metros à frente, até que uma parca visão dos portões de entrada os acometeu.

—Quase lá – disse o senhor Benjamin, visivelmente aflito. – Estamos quase lá.

—Não precisa ficar nervoso. Está tudo bem.

Jullian pronunciou aquelas palavras na tentativa de ser positivo, mesmo que soubesse que tal afirmação era uma completa mentira. Encontravam-se quase às portas de um imenso e lúgubre cemitério, local este o qual invadiriam na calada da madrugada, para sanar a dúvida sobre um cadáver ter ou não deixado o túmulo após ser – supostamente – atacado por um vampiro de um distante folclore chinês. E mesmo com toda positividade que sempre buscava ter, ao olhar ao redor e avistar apenas trevas e terrenos cobertos por arbustos traiçoeiros, Jullian arrepiou-se e percebeu que nada estava bem.

—Chegamos – disse o padre tão logo alcançaram o portão. – E como eu já esperava, está trancado.

—O que é um bom sinal, não acha? Isso mostra ao menos que se estivermos certos, bom... ela pelo menos não saiu.

In Nomine Patris 3 | Tenebris HibernusOnde histórias criam vida. Descubra agora