Cinco

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— A única coisa que mantemos sob controle

é a ilusão de que temos controle sobre alguma coisa.


Roy fez um gesto para que eu me sentasse no balanço ao lado, enquanto ele se acomodava no daquele que Estella estava há alguns segundos atrás. Seu olhar estava sereno, como se não tivesse preocupação alguma, pois isso é uma mentira. Todos têm com o que se preocupar, por mais que seja algo não tão significativo aos olhos de quem vê.

— Ainda não conseguiu um isqueiro? — Perguntei, puxando um assunto.

— Ainda não. Mas mesmo se você tivesse um isqueiro e tivesse me emprestado, eu não iria acender o cigarro.

— Ué? Como assim? Então, por que pediu?

— Tudo bem que nos conhecemos ontem na igreja, mas não percebera que a maioria das coisas que eu falo, acabo levando na metáfora? O cigarro na minha boca e o gesto de se acender ele, é algo metafórico. Tento levar a um senso de que, para quê eu vou querer usar algo que possa me fazer mal? E com isso, eu consigo ideias. E não câncer.

Incrível como ele conseguia ser confuso e convencível ao mesmo tempo.

— Posso te fazer uma pergunta, Roy?

— Vá em frente. — Disse, colocando as mãos dentro dos bolsos de sua jaqueta preta.

— O que você quis dizer quando me chamou de corujinha?

— Se sentiu incomodado por eu ter te chamado assim?

— Não, não é isso. É apenas algo curioso. Tanto, que fui pesquisar a respeito do significado dela em tais crenças e até levei em consideração que...

— Quando eu te chamei de corujinha, não quis dizer a respeito disso, há outro motivo. — Disse, me cortando.

— Então o que é?

Ele ficou alguns instantes em silêncio. Virou para trás, olhando Estella brincando no escorrega, um milhão de vezes, sem parar. Sobe e desce.

E logo voltou para mim, dizendo:

— Já ouviu falar da coruja Zeus?

— Coruja Zeus?

— Sim!

— Não, nunca ouvi falar.

Roy pegou o cigarro, fez um gesto, como se desse uma última tragada, jogou-a na grama verde e pisou logo em seguida, como se tivesse apagando o cigarro.

— No verão de 2012, Zeus chegou na instituição canadense Wildlife Learning Center, que é mais conhecida pelas siglas WLC. Ela recebera tratamento em um centro de reabilitação para animais, pois ela tinha perdido 90% de sua visão. Os olhos debilitados de Zeus pareciam exibir a imagem de belas galáxias cintilantes e de constelações celestiais.

Uma coruja com olhos celestiais? Parecia ser um mito. Tinha que pesquisar sobre o assunto.

— Resolveram chama-lo de Zeus como uma inspiração pela divindade suprema do panteão grego.

— O Deus dos Deuses, na mitologia grega, certo?

— Exato.

— E o que mais?

— Bem, as galáxias de seus olhos na verdade são compostas por coágulos de sangue e fibrina, resultado do impacto sofrido.

— Que tipo de impacto?

— Existem teorias de que ela pôde ter batido em algum lugar, ou ter sido atacada por um predador, mas nada comprovado.

— E o que é fibrina?

— Fibrina é uma proteína formada no plasma a partir da ação da trombina sobre o fibrinogênio e que é a principal componente dos coágulos sanguíneos.

Uau, como ele sabia de tudo aquilo?

— Posso até ser rebelde, mas me interesso por coisas que, talvez, nenhuma pessoa preste bastante atenção. Sou puxado por elas, na verdade.

Aquilo tudo era surpreendente. Uma coruja com olhos de galáxias e constelações.

— Eu tento pensar pelo lado positivo de Zeus ter perdido 90% de suas visões.

— E qual é o lado positivo?

— Pelo menos ele tem as constelações só para si. Vive com elas de dia e de noite, sempre apreciando as inevitáveis estrelas. E pensar que isso só ocorreu depois de um trágico acidente, que não se tem a total certeza de como foi.

Processando tudo aquilo, me dava mais curiosidade em procurar a respeito.

Uma coisa Roy e eu tínhamos em comum. Buscávamos por coisas que ninguém mais procurava.

Roy subira a manga de sua jaqueta, olhando em seu relógio de pulso.

— Puxa, já está na hora de voltarmos para a casa.

Roy levantou e se virou para olhar para Estella, que estava brincando no gira-gira do parque.

— Princesa Estella, precisamos ir. Provavelmente o jantar já deve estar pronto.

Estella saiu do brinquedo, vindo em nossa direção.

— Bem Ettore, foi um prazer vê-lo de novo. Até qualquer outro momento.

Roy segurou a mão de Estella e ambos começaram a andar, pegando o caminho de casa. Estella virara, dando um aceno de adeus. Roy logo em seguida, virara também, fazendo o mesmo aceno, porém concluirá, dizendo:

— Até mais, corujinha!


O que dirão as Estrelas?Onde histórias criam vida. Descubra agora