Capítulo 11

3.3K 383 16
                                    


Que admirável presença de espírito os Bridgertons possuíam. Ao ponto de se portarem com tamanha naturalidade quando uma não esperada lady Stonne atravessou a porta, entrando na sala. Também souberam esconder de modo primoroso seu espanto quando se deram conta de que era George, um dos membros mais reservados do famigerado clã, que a conduzira até ali.
Curioso, as mulheres da família meditaram em uníssono, curioso e promissor!
Violet Bridgerton, que culpava inteiramente a sua idade pelo fato de se encontrar metade acordada, metade desfrutando uma sesta àquele horário, — era possível que estivesse dois terços dormindo, e o restante apenas acordada — despertou de súbito, movida por uma intuição quase que divina de que algo importante estava prestes a acontecer.
É claro que George sabia o que cada cabeça ali estava maquinando em seu interior, onde cérebros casamenteiros trabalhavam no mesmo ritmo célere de uma locomotiva. Ele só podia culpar a si mesmo por expor ele e a Lady Stonne àquele tipo de via crucis particular. Ah, Emma ainda não tinha conhecimento, mas na imaginação da mãe dele, sentada em uma cadeira perto da janela, a moça já estava vestida de como uma noiva dos pés, calçados com um belo sapato em tom perolado, ao véu de dois metros, que lhe servia de adorno para a cabeça.
Sua família o amava com tamanho afinco para permitir-se ceder ante aos inegáveis inconvenientes que faziam dele um candidato indesejável para qualquer dama em posição de escolhas. O amavam tanto que supunham que ele merecia por esposa a própria rainha Vitória. Ugrhh, a imagem mental que sucedeu ao pensamento causou tremendo desconforto.
— Lady Stonne, que surpresa esplêndida! Junte-se a nós. — disse Kate, abrindo um lugar no sofá para que a jovem pudesse se sentar ao seu lado. — Deixe-me lhe servir um pouco de chá. Ainda está quente. A criada acabou de trazer uma nova bandeja.
— Aceita um sanduíche, milady? — Penelope Bridgerton surgiu do nada, com uma bandeja na mão. — Os de pepino e presunto estão deliciosos.
— Também temos bolo. — foi a vez de Eloise intrometer-se e contribuir para a causa. — Caso seja mais afeiçoada a doces.
Por aquilo Emma não esperava. Era consciente de que não a expulsariam dali assim que sua presença fosse notada, afinal, era a filha de um duque, e, portanto, desfrutava de certos privilégios. No entanto, estava preparada para suportar uma cortesia fria e impessoal. Ela era praticamente uma estranha para todos eles. Até mesmo Nathalia, a quem rapidamente se afeiçoara, pouco a conhecia.
Possivelmente aquele era o dia de sorte de Emma.
— Está tudo ocorrendo bem até agora. —Nathalia sussurrou, sentando-se ao seu lado. — Que bom que a convenci a vir.
— O que não foi uma tarefa muito difícil. — contrapôs Emma, ocultando os lábios com um pedaço de bolo. — Considerando que perdi o meu juízo e senso de autopreservação em algum momento entre seu corpo colidindo com o meu no baile do visconde e meu corpo aterrissando brutalmente no chão.
— Está me culpando por ser deste modo?
Emma enrugou a testa, inquisitiva.
— A que modo se refere? — perguntou.
Com um gesto displicente de dar de ombros, Nathalia ocupou a boca inteira com o maior sanduíche que avistou na bandeja e, com isso, ganhou um pouco mais de tempo.
— Deixa para lá. — respondeu um minuto depois, o alimento ainda sendo mastigado.
Percebendo que possivelmente não iria ficar contente com a resposta, Emma desistiu de saber. Ousou erguer o olhar para o restante da sala, todos, exceto George, estavam encarando-a disfarçadamente.
— Sinto que todos estão cientes dos meus motivos para estar aqui.
— Bem, é meio óbvio. — declarou a senhorita Durbshire, com praticidade. —Você é uma jovem herdeira e está frequentando sua primeira temporada, porque mais você estaria circulando de evento a evento? E não vamos esquecer as circunstâncias sob a qual você conheceu o George. Tia Kate seguramente não esqueceu.
— Oh, tem razão. Mas, a consciência de como as coisas são, não me impede de me sentir desvantagem. Eu estou acostumada a receber a visita de cavalheiros. Não estou acostumada a ser eu a... cortejar!
Com um risinho, Nathalia entrelaçou seu braço com o da nova amiga.
— Eu realmente admiro sua coragem. Eu nunca teria feito algo similar.
O quê?
Emma virou-se, aturdida, e fitou a jovem.
— Mas a ideia de ver até aqui foi sua.
— Não nego. No entanto, eu acreditei piamente que você iria rir da sugestão e acusar-me de ser louca. Quando concordou com a ideia, eu não quis desencorajá-la.
Emma tentou não enrubescer, mas foi inútil. Era tarde demais para voltar até o momento em que acordara aquela manhã e decidir agir guiada pela sabedoria e não por simples entusiasmo. No restante da tarde ela se forçou a ser o que se espera de uma dama. Já fizera um espetáculo de si mesma indo até ali naquelas circunstâncias, não daria mais motivos para ser alvo de comentários. Àquela altura, o Sr. Bridgerton já decifrá-la seu jogo juvenil, requerendo sua ajuda para escolher um pretendente, enquanto o cerca de todas as maneiras imagináveis.
— É uma bela pulseira, lady Stonne. — Daphe elogiou, enquanto servia mais um pouco de chá ao seu marido.
— Obrigada, Sua Graça. Meu pai me trouxe de presente esta pulseira quando voltou de sua viagem a França.
— Espero que sei pai esteja melhor, milady. — emendou Simon, a voz suave e amistosa. — Uma mente sensata como a de Granfield nos faz falta no parlamento.
— Eu mesmo sou testemunha de que mentes assim não escassas. Basta lembrarmos de Dickson. — disse Colin, que estava sentado ao lado de George. — Isso, é claro, se for comprovado que o homem possuí mesmo um cérebro capaz de pensar. Às vezes, eu duvido.
— Colin, tenha modos! — ralhou Violet. — O que lady Stonne irá pensar de nós? Que nos reunirmos aqui para confabularmos sobre toda Londres?
— Peço que não me interprete mal, Lady Stonne. — intercedeu Colin, uma expressão astuta no rosto. — Algumas ruas e bairros da cidade são generosamente poupados da nossa língua afiada.
Emma riu e foi seguida pelo grupo irreverente. Eles começavam a ficar de fato à vontade em sua companhia, o que era um alívio.
— Percebo que todos esses anos em contato direto com lady Whistledown cobraram seu preço, pai. — a voz de Thomas veio do fundo da sala. Ele e John Stirling estavam entretidos com um livro contábil até aquele momento. — Talvez seja a hora de ressuscitarmos a pena mais malfadada do reino e entregarmos na sua mão.
— Oh, por Deus, não dê ideias ao seu pai. — disse Penelope. — Ou acabaremos expulsos da cidade.
— Em se tratando do Colin, provavelmente serão exilados em outro continente. — ponderou Hyacinth, soltando um risinho. — Não consigo imaginar que comentários terríveis ele não iria fazer!
— Sua inveja à minha sagacidade me adula, minha querida.
— Humpf! Eu tenho o dobro da sua sagacidade, Colin. Todos sabem disso. Você mesmo acreditou que eu fosse lady W. antes de descobrir o segredo que Penelope escondia.
— Isso foi há dois séculos. — desdenhou ele.
— Não discutam, crianças. — Thomas intercalou o olhar entre a tia e o pai. — Nós podemos dividir a pena de lady W. Meu pai usa nos dias pares e tia Hyacint nos dias ímpares.
— Ou podemos encerrar o assunto, antes que lady Stonne desista de voltar na semana que vem. — observou Kate. — E nós não queremos isso, seguramente.
Aquilo era um convite? Emma piscou, surpresa, e então lembrou de sorrir e parecer agradecida.
— É muita gentileza, milady. Não consigo imaginar um único chá em que já estive em que tenha me divertido tanto.
A viscondessa a fitou com um olhar caloroso e algo dentro de Emma se aqueceu. Uma família grande, em que seus membros se sentiam à vontade para implicar um com o outro, era a um lugar assim que desejava pertencer. Ela se via ali, no meio deles, como parte do todo.
George reconheceu a contragosto que gostava do que via. Era uma garota diferente da que ele conheceu no baile. Tampouco era a mesma que o cercou em um corredor escuro. Tinha em seu olhar uma serenidade e franqueza que o desconcertavam. Era como se algo estivesse abaixo da superfície, oculto a olhares desatentos. Alguém precisaria olhar com bastante atenção para dar-se conta da sua verdadeira essência. Ele não era leviano ao ponto de supor que a desvendara numa tarde. Também não a conhecia. É necessário quase uma vida para se chegar a conhecer uma pessoa. Se for uma mulher então, será necessário, no mínimo, três vidas para inteirar-se de todos seus mistérios.
Naquela tarde ele ficou na plateia. Um silencioso expectador do mundo fora do seu corpo. Não era melancolia ou autopiedade, George não estava encolhido em um canto. Estava apenas admirando tudo. A cumplicidade e amor que unia sua família, como a risada de todos parecia se harmonizar quando os sons se fundiam nos ares, e a forma magnífica como a risada de Emma se encaixou com o restante do grupo. O que, em retrospecto, não era em todo, verdade, pois a risada dela destacara-se. Sobressaíra. Eternizara-se como nenhuma outra.
— Está tarde. É melhor eu ir. — anunciou Emma, ocasionando uma onda de protestos. — Eu agradeço novamente por me receberem. Foi muito gentil.
— É uma lástima que nós não nos veremos hoje no teatro. — reclamou Nathalia, com uma piscadela. — Sinto muitíssimo por sua tia não poder acompanhá-la.
Emma fez uma expressão triste.
— Haverá outras oportunidades, o que me consola. Mas desejo que todos se divirtam.
E dito isso, fez sua melhor expressão suplicante.

A linguagem do coração Onde histórias criam vida. Descubra agora