Emma estava apaixonada pelo marido. Talvez aquele pensamento não fosse uma novidade para niguém, ela mesmo havia professado seus sentimentos por George em diversas ocasiões, contudo, em uma certa noite, pouco depois do terceiro mês de casados, enquanto ela o observava dormir, que algo dentro dela se rompeu e um sentimento mais forte que o tempo, e talvez a própria vida, emanou do seu coração.
Ela amava George. Já havia nomeado como amor e paixão um sem fim de sensações sublimes, mas ali, deitada ao lado dele, no silêncio de uma noite tranquila de verão, foi que Emma entendeu o verdadeiro sentido de um sentimento como aquele. Sabia que o amava não porque a aparência impressionante do marido a atraía, ou porque os beijos que ele lhe dava a incendiavam por completo, ou até mesmo porque suas palavras eram sempre doces e lisonjeiras, e nunca duras e amargas. Amava George pelo homem amável do cotidiano. Por cada sorriso em cada manhã. Amava-o...
— E-emma... — um sussurro escapou dos lábios de seu marido. Então ele entreabriu um olho — E-e-em alg-gum momento v-você te-terá q-que descans-sar e do-dormir. Agora seri-ria o momento prop-prício para iss-ss-o.
Envergonhada por ter sido flagrada devorando-o com os olhos, Emma limitou-se a assentir depressa e deitou a cabeça sobre o travesseiro, fechando bem os olhos. Ainda assim, sua mente permaneceu desperta, por vontade própria, concentrada em ouvir a respiração de George. Ah, como o amava...
Na noite seguinte, o casal compareceu a um jantar em família oferecido pela viscondessa viúva. A extensa mesa que comportava confortavelmente 54 cadeiras acabava por não abrigar a numerosa prole Bridgerton.
— Creio que precisarei encomendar uma mesa projetada sob medida com um número maior de cadeiras. — disse Violet pensativa, enquanto todos iam se sentando.
— Até lá, recomendo que os membros solteiros da família evitem o casamento. — declarou Anthony, virando-se para os sobrinhos mais novos, simulando um ar sério. — Nada de cortejos e flertes até termos um número de assentos suficiente.
A incomum recomendação era claramente um gracejo do visconde, que sabia, por experiência pessoal, que sua mãe receberia suas palavras como uma afronta ao propósito divino de "crescei e multiplicai-nos". Ano após anos, a adorável senhora mantinha-se firme em sua missão casamenteira com cada geração nova que surgia.
— Não o ouçam, crianças! — Exclamou Violet, horrorizada. — Não levem em consideração o que meu filho diz. É claramente uma tentativa de afligir a velha e frágil mãe dele. — fez uma longa pausa teatral — Um dia desses eles ainda me matam.
— Quanto menos pessoas na família, mais comida irá sobrar para o restante de nós. — ponderou Colin, cortando um pedaço de queijo e levando à boca. — Só estou dizendo...
— Eu não disse?! — resmungou a mãe. — Todos eles querem me ver sob sete palmos do chão.
Uma risada coletiva deu fim ao assunto. Ou talvez tenha sido o fato de que o primeiro prato da noite começou a ser servido, e o cheiro causava efeito hipnotizante em todos. Emma, que estava sentada entre a senhorita Durbshire e o marido, virou-se para a amiga e sussurrou:
— É sempre assim?
Emma não havia participado de muitas reuniões de família nos três primeiros meses de casada. Aparentemente, havia um consenso geral de que o jovem casal deveria desfrutar de um tempo a sós antes de voltar a cumprir seus compromissos sociais.
— Não. — respondeu Nathalia. — Hoje eles estão um pouco mais civilizados do que o habitual.
Um lampejo de humor atravessou o rosto de Emma.
— Pobre lady Bridgerton...
— Kate?
— Não. Violet. — corrigiu Emma. — Os homens da família aparentam ter uma predileção em importuná-la.
— Ah, sim. Seguramente. — Nathalia olhou em volta. — Mas não se preocupe, ela adora a excentricidade dos filhos. Por mais que afirme o oposto.
Assentindo, Emma observou a todos com um brilho nos olhos. Aquela era sua família. Como ainda sentia-se um pouco tímida no meio deles, e morrendo de medo de que sua natureza impulsiva a pusesse em uma situação constrangedora, ela permaneceu em silêncio a maior parte do tempo, o que lhe deu oportunidade para observar melhor todos à mesa.
Thomas Bridgerton era quem mais lhe chamava atenção. O cunhado estava distraído e apenas participava da conversa quando incitado. Respondia a maior parte das perguntas de forma sucinta e desinteressada, bem diferente do cavalheiro confiante e galante que costumava ser.
— O que aconteceu com Thomas? — indagou a Nathalia. Ela parecia saber de cada pormenor no que se referia aos Bridgertons.
Curiosamente Nathalia corou com a pergunta. Emma analisou o rosto da amiga, sem dizer nada mais.Um longo tempo passou até que a jovem se dispôs a responder:
— Como eu saberia dizer? A vida do Sr. Brigerton não me diz respeito em nada!
Sr. Bridgerton? Foi a primeira vez que Emma a ouviu referir-se a Thomas de uma maneira tão formal. E ríspida, era inegável que havia certa rispidez em seu tom de voz.
— Você não reparou como o comportamento dele está estranho? — insistiu Emma.
— Não.
A expressão que Nathalia fez em seguida foi suficiente para que Emma abandonasse o assunto. Com a senhorita Durbshire, pelo menos. Assim que a amiga fixou o olhar no prato a sua frente, ela virou-se para George:
— O que está havendo entre Nathalia e seu irmão?
O marido ergueu um sobrancelha.
— E-e-e-ela lhe di-disse alg-g-go? — questionou ele.
— Não. — ela se aproximou um pouco mais e baixou o tom. — Mas tenha a impressão que ambos estão agindo de modo estranho hoje.
George viu-se dividido entre manter em segredo os assuntos do irmão e a contar a esposa o que ela queria saber. Emma era perspicaz e não descansaria até ver sua curiosidade saciada. Além disso, não queria esconder nada dela, ainda que se tratasse de assuntos que não lhe diziam respeito.
— Pro-promete mant-t-ter segredo?
Emma o encarou com expectativa.
— Não. — disse.
George reprimiu o riso e estreitou os olhos, como se esperasse que ela mudasse seu posicionamento.
— Ent-t-tão lamento ma-mas n-não tenho na-na-nada a dizer sobre o assunt-t-t-to.
Emma fez um beicinho lindo.
— O senhor, meu marido, não vai nem levar em consideração o fato de eu ter sido honesta? Eu realmente não sirvo para guardar segredos, não se tais segredos são a causa de uma amiga querida estar assim.
— As-ssim co-co-como? — perguntou George, lançando um olhar rápido para Nathalia.
A preocupação dele pela senhorita Durbshire, que era mais como uma irmã para ele, era o ponto fraco do marido, refletiu Emma, pensando no que dizer a seguir. George, por ser homem, não tinha um senso de percepção aguçado como possuía uma mulher, capaz de enxergar além das aparências. Fosse o que estivesse acontecendo, estava causando tristeza a Thomas, e desconforto em Nathalia, e ela não podia ficar alheia àquele empasse.
— Muito triste. — disse Emma, exagerando um pouco, em nome de bem maior. — Não vê como a pobrezinha foi privada da própria fome? Mal tocou no prato.
Por sorte, esta última parte era verdade. Nathalia olhava distraída para a sopa de tartaruga em seu prato, sem levantar o talher uma única vez.
— Se você me contar, quem sabe não sejamos capazes de ajudá-la? — declarou ela. — É o que um bom amigo faria. E um bom irmão, sem dúvidas, não se eximiria da obrigação de ajudar um irmão em problemas. Vamos, me diga o que está acontecendo, querido.
Thomas também era consciente de que Nathalia mal havia tocado em seu jantar. Ele tentara evitar olhar em sua direção, por mais que um capricho do destino os tivessem colocado lado a lado na disposições dos lugares, mas era impossível não notá-la em um ambiente, não observá-la sempre que possível.
— Você não vai comer? — perguntou a ela, sem sustentar o olhar no seu.
— Estou sem fome. — ouviu-a dizer, e tinha quase certeza que ela fez um gesto de dar de ombros.
— Minha presença é tão indesejável ao ponto de roubar-lhe o apetite.
— Não sei do que está falando, Sr Bridgerton. — as palavras frias dela eram como espadas afiadas rasgando a carne dele.
— Inferno, Nathalia, pare de me chamar assim! Você não vê como isso é ridículo depois...
Pela primeira vez na noite, a senhorita Durbshire olhou em sua direção, encarando de um modo penetrante que o calou imediatamente. Thomas sabia que estava em apuros.
— Sr. Bridgerton. — repetiu ela com atrevimento. — Espero que se acostume com o novo tratamento e esqueça o tudo o que ocorreu no passado. Pois eu pretendo me esquecer da maneira como seu primeiro nome deve ser pronunciado. Aliás, eu pretendo esquecer de sua existência como um todo.
Thomas exalou profundamente, controlando seu mau humor. Sabia que Nathalia chegara ao seu limite de compostura, se ele a forçasse de alguma forma naquele assunto, os dois acabariam protagonizando uma terrível cena, o que só faria com que ela o odiasse mais. Se é que isso era possível.
— Como queria, senhorita Durbshire. — encerrou ele, voltando-se para seu próprio prato.
**
— Thomas está apaixonado por Nathalia? — exclamou Emma, incapaz de conter a força da própria voz.
George assentiu, sério. Felizmente tivera a presença de espírito de esperar chegar em casa até conversar com Emma sobre o assunto. Sua mulher não era um exemplo de serenidade e discrição, possivelmente teria atraído a atenção de toda a mesa se lhe tivesse contado uma hora antes.
— Céus, isso é tão romântico! — a esposa ainda exclamava, andando pelo quarto com ar sonhador. — Seria o arranjo perfeito se os dois se casassem! Não vê? Toda a sua família já a vê como um membro do clã e Thomas seria afortunado por tê-la como esposa.
— Is-sso são e-e-e-eles qu-que devem dec-c-c-idir. — lembrou George. — P-por favor, n-não interfi-fi-fira. Me-meu irmão sab-berá cuidar d-d-deste assunto.
Emma virou-se para seu marido.
— Me perdoe, mas terei que discordar. Se o que me diz é que seu irmão ama Nathalia em secreto desde a tenra idade e agora ela tem... vinte e quatro anos?
— Vint-t-te e cinco. — esclareceu George.
— Cristo! Por que ele ainda não tentou conquistá-la e a pediu em casamento? Que tolo.
George não conhecia todos os detalhes. Seu irmão era muito reservado no que dizia respeito aos seus sentimentos. Ele apenas falara uma vez de Nathalia poucos meses atrás, depois que George assumira seu compromisso com Emma.
— Eu sempre presumi que vocês dois iam acabar casados. — revelara Thomas, referindo-se a senhorita Durbshire. — Ela era sua amiga mais próxima, e Nathalia nunca sorria para mais ninguém da mesma forma que sorria para você.
— E ago-go-gora voc-cê sa-sabe que eu n-não me ca-ca-casarei com ela. — emendara George, entendendo a situação.
Assentindo, Thomas fora se servir de uma bebida.
— É. Mas ainda não estou certo se este não era o sonho dela.— Querido? — Emma o chamou, resgatando-o de seus pensamentos. — Acho que pensei em algo que podemos fazer para ajudá-los.
George gemeu internamente. O que sua esposa estava tramando?
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A linguagem do coração
Historical FictionAlerta: Se você ainda não leu O segredo de Colin Bridgerton da Julia Quinn, ou o segundo epílogo que a autora escreveu, esta história pode conter spoilers. Emma Stonne vive cercada de admiradores desde sua primeira aparição na sociedade. A combinaçã...