Capítulo 30

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George encontrou Emma dormindo quando entrou no quarto, a mão descansando protetoramente sobre sua barriga. Uma única vela acesa a protegia da imensa escuridão da noite. Horas haviam se passado desde que recebera a notícia da gravidez da esposa, e embora estivesse certo que Emma estava ansiosa em vê-lo, ele preferiu se manter afastado.
Bastaria apenas um olhar para ela perceber as emoções sombrias que o envolviam. Era o momento feliz para Emma, ela devia partilhá-lo com pessoas que estivessem igualmente feliz, e era de se esperar que naquele instante George Bridgerton fosse o homem mais feliz respirando sobre a face da Terra...

Mas a suposição estava longe da realidade.

Com cautela para não acordar Emma, ele se aproximou e sentou na borda da cama. Seu coração estava apertado por motivos que só ele mesmo conseguia entender. Ele vira no rosto do bondoso médico a confusão que seu comportamento tinha despertado no homem. Talvez a falta de sorrisos e palavras tenham expressado mais do que qualquer reação. Seria assim também com sua esposa assim que o visse. Ela veria tudo o que ele gostaria de ocultar.
— George?
Ele temeu olhar para ela.
— E-e-eeu n-não qu-queria acor-r-rdá-la — disse ele. — S-s-se sente m-m-m-melhor?
— Sim. Todo mal-estar já passou. — Emma se sentou na cama, a mão ainda sobre o ventre. — O médico lhe contou, não é?
— S-s-s-sim.
Um longo período de silêncio se seguiu. George tentou desviar o olhar o máximo que pôde, mas doída até a alma tratar Emma desse modo. Estava sendo um canalha, e não conseguia se lembrar a última vez que se comportou como um. Ele então olhou para esposa e tentou sorrir.
— Você não está feliz. — Emma declarou antes mesmo que ele tivesse a chance de dizer qualquer coisa.
— N-n-não é-é-é-é verda-da-da-de. — retorquiu ele. — A-pe-pe-penas preciso m-me acostu-tu-tumar com a ide-deia.
Emma assentiu, seu semblante preocupado.
— Você pode me abraçar, George?
Ela nunca precisou pedir antes. O fato dela sentir a necessidade de fazê-lo agora estava partindo o coração dele. Sem pestanejar, George livrou-se dos sapatos, em seguida, tirou a gravata e o paletó e foi até ela, aninhando-a entre seu braço. A cabeça de Emma repousando bem acima do seu coração. Ela parecia frágil, sua esposa.
— M-m-m-m-m...
George fechou a boca. Respirou fundo. Tentou novamente,
— M-m-me desc-c-c-culpe, Em-mma.
Não estava certo de porque se desculpava, mas parecia que precisava se desculpar por algo.
Emma se encolheu ainda mais no calor do abraço dele. Todo o entusiasmo que o conhecimento de uma vida sendo gerada dentro de si lhe provocou a abandonou por completo. Pela primeira vez, a presença do marido era sufocante, mas ela o amava demais para mantê-lo afastado. Estivera a tarde toda aguardando o momento em que ele irromperia o quarto, a tomaria em seus braços e diria a ela como estava feliz pela benção de um filho.
Ela desesperadamente ansiava por aquela alegria, aquela magia esperada do momento. Uma lágrima rolou por seu rosto e ela agradeceu por George naquele instante estar olhando para qualquer lugar, exceto para seus olhos. Será que seu bebê podia sentir tudo o que ela sentia? Será que também se entristecia quando ela estava triste? Esse pensamento a deixou alarmada. Devia esquecer tudo por hoje e dormir, assim seu bebê poderia repousar tranquilo.

***

O sol já inundava todo o quarto quando Emma acordou na manhã seguinte. Os raios desenhavam listras no chão de madeira. Ela espreguiçou-se sonolenta e foi imediatamente atraída pelo cheiro de presunto, pão recém-assado e queijo. Ela ergueu o olhar e viu uma bandeja posta sobre a mesa. Havia comida suficiente para satisfazer um pequeno exército. Seu estômago roncou alto, como se um animal estivesse rugindo em seu interior. Bem, talvez toda aquela comida não fosse um exagero tão grande. 

O outro lado da cama estava vazio, o que só agora ela percebeu. Ela passou a mão sobre o lençol, estava frio, o que significava que fazia algum tempo que seu marido tinha se levantado. Olhou de volta para a bandeja, sem o encantamento inicial. Estava habituada a tomar café da manhã todos os dias com George, e em seguida, ele se retirava por algumas horas para trabalhar em seus escritos, até que ela fosse buscá-lo para o almoço.
​O quanto sua vida mudara de um dia para o outro?

​***

George não estava em seu escritório.
​Emma teve que interrogar uma criada para descobrir que o marido havia saído a cavalo logo que o dia raiou no horizonte. Disfarçando sua decepção, ela dispensou a pobre mulher e vagou errante pelos corredores da casa enquanto lutava para colocar a cabeça em ordem.
​Já passara da hora do jantar quando George voltou para casa. Emma tomou ciência do fato pois ouvira os passos do marido do outro lado da porta de comunicação que separava seu quarto do dele. Ela tentou ignorar as sensações que a presença dele causavam no seu interior e voltou a prestar atenção no livro que estava lendo.
​No entanto, era difícil ignorá-lo quando o homem em questão estava bem a sua frente depois de quase arrancar uma porta ao passar por ela.
​— O-o-o-o qu-que est-t-tá faze-ze-zendo aq-aqui? — indagou ele.
​— Este é o meu quarto.
​— V-vo-você n-n-n-nunca us-s-s-sou est-t-t-te qu-quarto ant-t-t-tes. — disse ele, mal disfarçando seu desagrado. — E-e-e-e-e ond-d-d-d-de foi qu-que diabos v-vo-você arrum-m-mou esta ca-cama?
​Emma virou uma página do livro.
​— Eu mandei trazer da minha antiga casa.
​— E-e-e-e-eu n-não a qu-quero aq-q-q-qui. — declarou George, passando a mão pelos cabelos em um gesto de irritação.

Enfim, Emma designou-se a olhar para ele.
​— A quem você se refere, meu senhor? A mim ou a cama?
​— C-c-c-c-cristo! É ób-b-b-b-bvio que m-m-m-me refi-fi-firo a cama.
​— Ah, sim, não estava tão claro para mim. — observou ela, dando de ombros. — Só há um problema. Se a calma tiver que partir, eu terei que acompanhá-la, pois é a cama onde vou dormir e não me vejo compelida  a dormir no chão apenas porque meu marido tem um atrito pessoal com a minha mobília.

Ela viu George exalar profundamente. Em seguida, ele se afastou e foi até a janela. Algum tempo se passou sem que uma mísera palavra fosse trocada entre eles. Emma queria gritar com o marido, queria expulsá-lo de seu quarto, mas sabia que não podia. Sabia que ele ainda tinha algo para dizer antes de deixar seus aposentos, ele só não conseguia dizê-lo ainda.
​Demorou quase uma eternidade para que George se aproximasse novamente e sentasse ao lado dela. Ele segurou suas mãos com toda afeição e delicadeza que um gesto simples como aquele podia exprimir. Imediatamente a raiva que Emma sentia foi dissipando-se.
​— A-a-a-a-a ca-ca-cama p-pode fi-ficar. — declarou ele. — S-s-s-se est-t-t-te é o úni-ni-nico mod-d-d-do que eu t-t-t-tenho de mant-t-t-tê-la por pert-t-t-to, Em-mma. — fez uma longa pausa. — E-e-e-e-e-eu p-p-p-posso dor-r-r-r-rmir aqu-aqui com v-vo-você?
​Ela desejou com todas as forças dizer não. Mas não era forte o bastante.
​— Achei que quisesse evitar a minha presença e da criança que carrego em meu ventre. Pensei que voltar para este quarto o deixaria menos infeliz do que tendo que viver no próprio quarto sem saber ao certo em que direção olhar.
​Ela havia começado a chorar enquanto dizia aquelas palavras. Nunca se considerou uma jovem frágil e vergonhosamente emotiva, mas não pôde evitar o próprio descontrole.
​Antes que pensasse em fazê-lo, George já se adiantara em secar suas lágrimas.
​— M-m-m-m-me perd-d-d-d-doe, Em-mma. E-e-e-eu sint-t-t-t-o. — havia grande emoção contida na voz dele. — S-s-s-se vo-vo-você quiser qu-que eu part-t-t-ta, eu ir-r-r-rei. N-não quer-r-r-ria faz-z-z-zê-la chorar.

Foi então que Emma explodiu em um choro incontido. Entre soluços, ela se agarrou a George, escondendo o rosto da curva do pescoço dele. Ele a segurou com cuidado e a tranquilizou da melhor maneira possível. De tempo em tempo, Emma sentia os lábios dele plantando um beijo no topo de sua cabeça.
​Emma desejou que a vida dentro dela estivesse alheia a todo seu sofrimento.

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