Somente àquela altura Emma considerou um erro de sua parte interferir em assuntos pessoais que não lhe diziam respeito. Observando a forma como seu marido lhe olhava, com ar desconcertado, podia concluir que ele partilhava do mesmo pensamento. Sir Nicholas, que aparentava estar potencialmente estarrecido com a maneira passional a que Thomas falara sobre Nathalia, teve a boa ação de manter em silêncio. Emma olhou de soslaio para a amiga. Ela ainda não havia reagido ante as palavras pulsantes de Thomas. Até o momento, fazia pouco mais que encará-lo. Emma suspeitava que até mesmo a respiração da jovem havia ficado em suspenso desde o instante que o cunhado abrira os lábios.
Um longo tempo se passou, o que só fez aumentar a tensão no ambiente, e então Nathalia se levantou. O corpo de Thomas reagiu institivamente, como se seus braços estivessem a pronto para recebê-la. Entretanto, foi sobre Sir Nicholas que a atenção da jovem recaiu. Ela sorriu amavelmente para o cavalheiro.
— Devo dizer que eu muito aprecio sua disposição e honradez de caráter em sair em minha defesa, Sir. — o homem lhe sorriu em resposta, sentindo o peito inflar. — Mas preciso dar razão ao Sr. Bridgerton neste assunto. Posso lutar minhas próprias batalhas.
Precipitadamente, um sorriso tomou conta de quase todo o rosto de Thomas. Até seus olhos exprimiam felicidade. No entanto, esta logo findou-se quando ouviu as próximas palavras da jovem.
— É chegada minha hora de partir.
Nathalia foi embora imediatamente, deixando um Thomas atônito para trás. Em seu desespero para romper a fachada de indiferença dela, para fazê-la revelar qualquer mínimo indício que a presença dele era notada, ainda que fosse preciso exasperá-la, ele não considerou a possibilidade de afastá-la.
— Suponho que não seja aconselhável que eu vá atrás dela... — lamuriou-se Emma, os olhos fixos na porta pela qual a amiga acabara de sair.
— É-é-é melhor de-de-deixá-la em p-paz, qu-querida.
— Uma jovem precisa de tranquilidade para dedicar-se a reflexão e momentos de oração depois de tão desagradável situação. — ponderou Sir Nicholas, lançando um olhar aborrecido para Thomas.
A despeito do consenso geral de que era melhor para Srta. Durbshire ser deixada sozinha, Thomas não podia permitir que Nathalia continuasse aumentando a distância entre eles, não podia permitir que fugisse dele pelo resto da vida. Ainda que lhe partisse o coração, necessitava que ela esclarecesse, de uma vez por todas, a razão que a levara a rejeitá-lo.
Não foi difícil alcançá-la. Nathalia ainda estava descendo as escadas em frente à casa quando ele atravessou o vestíbulo para a rua. Ele a chamou, mas ela parecia empenhada em fingir que não havia ninguém mais ali.
— Espere um segundo. — Thomas segurou o braço dela enquanto tentava recuperar o fôlego.
— Já se passaram pelo menos cinco segundos. — Nathalia desvencilhou-se dele. — Adeus.
— Você vai me obrigar a segui-la até sua casa, Nathalia. Estou lhe avisando. Não permitirei mais que fuja de mim para sempre.
— Eu não estou fugindo. — retrucou ela. — Estou apenas evitando alguém impertinente como você.
Impertinente? Talvez um pouco. Mas Thomas considerava escusável seu comportamento uma vez que passara anos de sua vida acreditando ser impossível fazer seus sentimentos conhecidos. Verdade fosse dita, por muito tempo se recriminara por pensar nela da mesma forma um homem pensa em uma mulher que o atrai. Cresceu testemunhando quão perfeita Nathalia era para George. A afeição que existia entre os amigos era mais do que muitos casais na sociedade podiam desfrutar dentro do casamento. Se não houvesse amor, George pelo menos apreciaria a companhia de Nathalia pelo o resto da vida. Não dividiu tais pensamentos com ninguém, as vezes sentia que estava sendo desleal a seu irmão tentando o proteger dessa forma, como se George não possuísse boas qualidades capazes de atrair amor e paixão.
Mas e se nenhuma moça estivesse disposta a enxergar além de sua falha de comunicação? E se as jovens frívolas da sociedade o desprezassem? Naquele tempo, Thomas sequer imaginava que alguém excepcional como Emma cruzaria o caminho de George. O que ele podia fazer, além de silenciar o seu amor por Nathalia. Jamais interferiria na felicidade do irmão, jamais disputaria a atenção de Nathalia com ele, por mais que fosse difícil apenas admirá-la a distância.
No entanto, agora tudo mudara. George encontrara a própria felicidade, e que Deus lhe ajudasse, Thomas não via mais obstáculos para ir em busca do seu final feliz. E seu final feliz estava bem ali, em sua frente, olhando com desagrado.
— Você quer que me desculpe por ter lhe beijado? — ele inquiriu. Seria capaz de ceder a todos os caprichos dela.
Nathalia ruborizou com a simples menção ao beijo. Era como se a mera palavra possuísse o poder de despertar todas as lembranças do exato momento em que Thomas Bridgerton o beijara. Ela estava na biblioteca da família dele – que ela sentia como se fosse um pouco dela também. — à procura de um livro, algo que pudesse distraí-la durante uma tarde chuvosa. De repente, Thomas surgira e, como em muitas outras ocasiões, passaram a tarde na companhia um do outro. Ela o vencera no xadrez, depois ele havia lido um trecho de um livro de poesia que os dois amavam; o exemplar já estava desgastado devido ao manuseio de anos. Com o avançar das horas, uma criada encarregou-se de lhes trazer uma bandeja de chá e os dois comeram em um silêncio tranquilo. Tudo beirava a normalidade rotineira que os dois sempre viveram até que, inesperadamente, Thomas encostou seus lábios no dela. Atônita, Nathalia esperou que o amigo desse conta de seu engano e se afastasse, mas contrariando o esperado, Thomas aprofundou o beijo, incitando-a a abrir os lábios. A língua dele, quente e habilidosa, a explorou, acendendo-a de uma forma que a apavorou. Nunca sentira uma emoção tão forte, e tão inesperada.
— Não quero que se desculpe. — decretou ela, tentando soar estável. — Quero que esqueça o acontecido.
Thomas sorriu com amargura.
— Acredito que sonhei com nosso beijo todas as noite desde que provei o sabor de seus lábios, de modo que acho improvável atender seu pedido.
Nathalia tentou fazer uma careta, mas era difícil quando as palavras dele mexiam tanto com seu interior.
— Só há uma maneira de esquecer aquele beijo. — anunciou ele.
Como ele ficou em silêncio em seguida, ela irritou-se ainda mais.
— Pois diga logo de uma vez, Thomas!
— Você me dar um novo beijo em que pensar.
Ele era um patife incorrigível. Por que, em nome de Deus, ela ainda lhe dava ouvidos? A amizade deles tinha tão pouco valor para ele ao ponto de arruína-la em detrimento de um pouco de divertimento com as classes mais baixas? Nathalia não era de todo inocente. Sabia que homens de bom nascimento tendiam a procurar indecências com mulheres de origem simples antes de encontrar uma boa dama de berço a quem tomar como esposa, a quem exibiriam pelos salões de baile, diferente das jovens que serviam apenas para encontros clandestinos.
Nathalia costumava ter uma melhor opinião sobre Thomas. Achava-o distinto de seu pares. Em retrospecto, refletiu que ele era um dos homens a quem mais admirava. Gentil, dedicado à família, inteligente e obstinado. Mas ela se enganara terrivelmente. Em aspectos de anseios carnais, ele era igual a qualquer outro canalha.
— Nunca mais se atreva a me beijar, Thomas. — ela disse a ele. — Eu não servirei aos seus intentos sórdidos. Eu corto sua língua antes de permitir que me beije novamente.
Thomas riu, embora avaliasse que não era um bom momento para tal reação, contudo, era incapaz de divertir-se com a personalidade inigualável de sua amada. Que outra jovem ameaçaria cortar sua língua?
Em um gesto atrevido, ele segurou a mão dela, apressando-se em entrelaçar seus dedos ao dela, para que não tivesse como escapar do contato.
— Que eu bem me lembre, você nem ao mesmo deu-me a oportunidade de explicar meus intentos, minha querida. Você fugiu da biblioteca àquela tarde antes que eu pudesse proferir uma única palavra. E desde então vem esquivando-se de mim, como alguém que foge de cães do inferno.
Nathalia não tinha muitos argumentos para contradizê-lo naquele instante.
— Não me chame de "minha querida". — resmungo ela, tentando ganhar tempo.
O sorriso dele perdeu um pouco do brilho. Ele pigarreou.
— Me desculpe. Alguns anseios são fortes demais para serem reprimidos.
— Por que está fazendo isso, Thomas? Por que me aflige desta maneira? — a voz dela pareceu cansada. — Nós nos conhecemos há anos e nunca me desrespeitou com liberdades indesejadas. Não posso acreditar que me considere tão pouco...
— Não diga isso. — Thomas a interrompeu. Aflito, trouxe a mão dela aos lábios e beijou cada um dos dedos enluvados. — Se a beijei é porque a considero acima de todas as demais mulheres. E porque eu não podia mais estar tão próximo de seus lábios sem prová-los. Sei que foi um atrevimento de minha parte, embora nunca imaginei que você fosse considerar uma carícia minha como uma ofensa, mas naquele momento eu não estava sendo racional. Eu passei anos afinco obedecendo a minha razão, por mais que meu coração gritasse seu nome, provocando ecos por todo meu corpo. — ele fez uma pausa. — Já não vejo serventia em seu racional, Nathalia. Eu quero deixar que meu coração haja a partir de agora.
— Seu coração? — indagou Nathalia. Ela jamais ponderou que o coração de Thomas tivesse algo relacionada àquele beijo.
— Meu coração quer beijá-la a cada manhã pelo restos de nossas vidas. — confessou ele com emoção. — Casados. — ele deu ênfase à palavra.
Aturdida, Nathalia ficou por uns minutos em silêncio. Tampouco Thomas disse algo. Quando se sentia mais no domínio de suas emoções, foi que ela perguntou:
— Apenas pelas manhãs?
Thomas sorriu, desacreditado, apreciando com esperança o gracejo da jovem. Aquela era sua querida Nathalia. Atrevida, destemida e toda de seu coração.
— A cobrirei de beijos todas as tardes e todas a noite também. — Ele trouxe a mão dela até a direção de seu coração. — Se não me preocupasse de envolvê-la em um escândalo, eu a beijaria agora mesmo, diante de todos.
**
Mais tarde, quando Emma preparava-se para dormir, sua culpa pelo provável desentendimento entre o cunhado e a amiga ainda a consumia. Suas intenções eram as melhores, mas seus métodos as vezes careciam de bons resultados.
— Eu piorei as coisas. — disse ela, aconchegada ao lado do marido na cama.
— V-vo-você apenas qu-quis ajud-d-dar uma ami-miga, meu a-a-amor.
Emma aquiesceu.
— Acha que eles se acertarão? Ela parecia tão furiosa quando deixou a sala esta tarde.
— E-e-e-eu n-n-não me surpreend-deria com um anúnc-cio de ca-ca-casamente em breve.
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A linguagem do coração
Historical FictionAlerta: Se você ainda não leu O segredo de Colin Bridgerton da Julia Quinn, ou o segundo epílogo que a autora escreveu, esta história pode conter spoilers. Emma Stonne vive cercada de admiradores desde sua primeira aparição na sociedade. A combinaçã...