Capítulo 18

3K 369 32
                                    

Foi o baile mais triste de que Emma participara, e nem mesmo o fato do evento ter sido em sua homenagem se revelou capaz de afastar a aura sombria que lhe cercava. Em seu dedo, oculto pelo delicado tecido de sua luva, um pesado anel apertava sua pele. Ela sorriu até o fim, dançou até a última música, e cumprimentou todos os convidados. Em algum lugar daquele imenso salão, seu pai descansava em uma cadeira, observando-a atentamente, com um brilho de contentamento no olhar. Na maioria do tempo, aquela parecia uma terrível conclusão para sua primeira temporada, mas quando olhava o orgulho refletido em cada gesto do velho duque, se agarrava àquela imagem para tentar conformar-se.

— Lady Stonne. — Emma virou em direção a voz, e encontrou Penelope Bridgerton se aproximando — Eu queria desejar-lhe felicitações pessoalmente.

Emma forçou um sorriso.

— Obrigada, Sra. Bridgerton. Espero que tenha aproveitado a noite.

— Oh, sim, este é um baile adorável!
Emma queria discordar, mas não podia.

— Eu repassarei seu elogio a tia Dorothea — comentou em troca. — Ela conseguiu organizar tudo em tão pouco tempo. Infelizmente a saúde delicada de Lorde Grandfield acelerou o que devia ser um noivado tido como normal. Mas as circunstâncias fizeram com que fosse preciso apressar as coisas.

A iminente morte de Lorde Grandfield foi uma justificativa mais do que aceitável  afim de que se gerasse qualquer escândalo acerca do noivado curto e inesperado de Emma. Quando lorde Thompson conseguiu uma licença especial que possibilitasse um casamento o quanto antes, ninguém ousou  criticá-los.
— Eu entendo... — murmurou Penelope.
As duas mulheres mostravam-se incomodadas além do habitual com a conversa. Quando o silêncio instaurou-se entre elas,  Emma se sentiu atacada por aquela quietude forçada.

— Seria um abandono de dever da minha parte, senhora. Eu não podia ignorar minhas responsabilidades. — soltou, defensiva. — Eu não podia virar as costas para o meu pai.

Tarde demais, Emma deu-se conta que lágrimas saltavam de seus olhos, deslizando lentamente pelas maças do rosto, numa dança cruel. Pelenope a fitou, primeiro desconcertada, depois lançando-lhe um olhar solidário. Por sorte, George não acompanhara a família ao baile, então ao menos tinha a seu favor o fato de que seria impossível que ele a visse naquele estado deplorável.
Mas ainda havia os outros convidados.

— Eu preciso ver como está meu pai, com licença.

Ela fugiu com toda elegância possível. Para uma noiva, até que ela conseguira passar despercebida entre a multidão. Meia hora depois ainda estava em seu quarto, deitada em sua cama, encarando o teto. Será que Thompson sentira sua ausência? Peter, ela se corrigiu, devia chamá-lo de Peter de agora em diante. Engoliu em seco, pois não desejava fazê-lo, relutava em admitir que seriam íntimos a este ponto, que dividiram o mesmo leito e ela teria que cumprir com suas obrigações conjugais. Por outro lado, o nome de George sempre se formava com tanta doçura em seus lábios. Imaginar o toque dele sobre sua pele a incendiava por dentro, de um modo maravilhoso.

Chacoalhando a cabeça, sem se importar de desmanchar seu penteado, Emma tentou se livrar daqueles pensamentos. Devia contemplar seu futuro com otimismo, senão com coragem. O tempo cuidaria de seu coração machucado, um dia, pela generosidade de Deus, os momentos entregues às lembranças de George Bridgerton diminuiriam até se reduzirem a raras ocasiões.

Mas, mesmo agora, em que era lutava para aceitar seu destino, uma fagulha em seu peito ainda a fazia duvidar. E se ela tivesse esperado mais? E se tivesse insistido até convencer George? Fora tomada pelo desespero ao ver a aflição de seu pai, e talvez, tenha agido de maneira precipitada.

**

Colin parou junto à porta.
A visão era tão incomum que sua coordenação motora sofrera um momentâneo abalo. Suas pernas teimavam em não funcionar, enquanto seus olhos, por sua vez, corriam por toda a sala. Se não fosse pelo familiar papel de parede, duvidaria que estivesse na casa certa.

— Nova decoração? — perguntou, tentando encontrar a figura de George em meio aquele caos.
— G-g-g-gost-t-tou? — a voz veio do canto da sala, próximo à janela.

— Sim, está muito mais acolhedor, pelo o que pude observar. Veja — disse Colin, indicando uma cadeira destroçada  a sua frente — Agora que boa parte da sua mobília foi destruída, seus convidados precisarão se sentar todos imprensados no sofá, o que certamente estreitará laços de amizades entre eles.
George teria rido se pudesse. Mas qualquer movimento, por menor que fosse, fazia com que a dor em sua cabeça tomasse proporções insuportáveis.

— Você... decorou a sala sozinho? – indagou ele.

Em algum lugar, na penumbra, George deu de ombros, arrependendo-se logo em seguida pelo gesto impensado. Doía. Tudo doía.

— E-e-e-eu preci-ci-cisava de alg-g-go para ocu-cu-cupar meu temp-p-p-po.
A mobília poderia facilmente ser providenciada, ponderou Colin, olhando em volta, no entanto, muitos dos objetos que sofreram a ira bêbada de seu filho eram relíquias adquiridas ao longo dos anos, em viagens, peças únicas que George orgulhava-se de possuir. Observando atentamente onde pisava, ele se aproximou. Em cima de uma mesa de canto, um dos poucos móveis poupados, ele encontrou uma edição do Times. O jornal era antigo, mas precisamente da data em que o noivado de Emma fora anunciado. 
O mistério da sala arruinada foi facilmente desvendado.

— O casamento é em dois dias. — informou Colin, os olhos fixos no jornal. — Ainda não aconteceu.

— O qu-que est-t-t-tá tent-t-tando d-d-d-dizer?

— Você vive em um apartamento de solteiro, filho. O número de cômodos para "redecorar" é escasso. O que pretende fazer quando destruir a casa inteira?

Um longo silêncio se sucedeu, até que a voz de George voltou a ser ouvida.

— Ac-c-cho qu-que p-p-p-osso ir vi-s-sitar a ca-casa dos m-m-meus p-p-pais.

Colin riu.

— Sua mãe ficará encantada, tenho certeza.

Uma pequena parte sóbria de George estava profundamente envergonhada pelo seu descontrole. Que espécie de homem agia de modo tão incivilizado? Em algum momento durante a madrugada, chegou a considerar levantar e limpar ele mesmo aquela bagunça, mas então o sol nasceu e ele ainda continuava no mesmo lugar.

Em sua mente, havia uma única lembrança. A expressão interessada com que Emma admirara aquela mesma sala, tempos atrás. Maldita fosse, mas sua simples presença havia arruinado aquele local para ele. Era incapaz de se sentar ali agora e desfrutar de um momento de tranquilidade. Emma foi embora fisicamente, mas a lembrança dela era como um espectro assombrando-o.

— E-e-e-e-eu vou fi-fi-ficar b-b-b-bem, pai. N-n-n-não s-s-se preocu-cu-cupe.

— Fico imaginando se eu teria me recuperado, caso Penelope tivesse se casado com outro. Se durante todas aquelas temporadas em que eu não concedia mais do que poucos segundos olhando em sua direção, alguém tivesse aparecido e me privado da oportunidade de finalmente criar juízo e enxergá-la de modo diferente.

— P-p-p-p-pare, p-p-ai

— Tudo bem. — Colin deu-se por vencido. — Só quero que saiba que se mudar de ideia, seu tio
Gregory tem em experiência em invadir cerimônias de casamentos. Ele pode ajudá-lo a criar uma entrada triunfal na igreja.

George ergueu os olhos para seu pai.

— E-e-e-ela vai s-s-s-e casar-r-r com u-m-m du-qu-que. É-é-é-é o melhor p-p-para ela.

— Um título não pode competir com beleza máscula que eu graciosamente transmiti aos meus filhos. Na minha época, eu fui um dos melhores partidos. — Colin fez uma pausa e sorriu. — Pergunte a Lady Whistledown, ela fez uso de suas colunas para ressaltar, mais de uma vez, minha magnificência.

A linguagem do coração Onde histórias criam vida. Descubra agora