Final

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Emma despertou lentamente. Pela sombras da noite em seu quarto, sabia que ainda faltavam algumas horas para o dia nascer. Não conseguia lembrar o momento exato em que pegou no sono, apenas recordava-se vagamente da voz de George lhe sussurrando palavras inteligíveis, que embora não decifrasse, pareciam surgir no intuito de lhe oferecer consolo.
Ela fez menção de se mover, então deu-se conta que dormira acolhida no colo do marido, o perfume dele a impelindo intensamente a abraçá-lo. Abraçá-lo para sempre.
Com gestos quase imperceptíveis para não acordá-lo,  tentou se soltar do aperto de seus braços. Se Emma ficasse ali, unida a George, e sentindo-se tão confortável e amada, talvez nunca tivesse forças para agir como sua consciência a impelia.
Como esposa, devia amar seu marido.
Como mãe, devia proteger seu bebê.
E o protegeria. Nunca deixaria que a criança no seu ventre se sentisse menosprezada, indesejável. Emma a queria. Iria amá-la até os fins de seus dias. Enquanto afastava-se da cama, e dele, se perguntou quanto tempo levaria para George também vir a amá-la. Emma se retraiu, esse foi um pensamento cruel e injusto. Estava deixando a mágoa falar por ela. E era por isso que necessitava afastar-se. Colocou um pé sobre o chão, depois o outro e começou a dar passos suaves até a porta.
— E-e-e-eu acordei t-t-tão lo-logo v-vo-você abriu os o-o-olhos. — a voz de George reverberou atrás dela. — N-n-n-não precisa fu-fu-fugir de mim.
Ele se levantou e ela perguntou se sentia dores por segurá-la nos braços por horas, dormindo inteiramente sentado. Começou a se aproximar dela e com delicadeza tocou em seu rosto, acariciando-a.
— V-v-você precisa dor-mir m-melhor. Sequ-quer amanhec-c-ceu. — havia um verdadeiro ar de preocupação na voz dele. — Volt-t-te p-p-para ca-ma, Em-mma. Eu p-p-partirei pa-pa-para o meu qu-quarto se é-é-é isso qu-que a aflige. P-pe-la ma-manhã c-conversaremos.
Porém, ele continuou a carícia, como se não desse conta dos próprios atos. Havia tanta entrega naquele gesto, tanto sentimento e insegurança, e Emma queria abraçá-lo uma vez mais e garantir a ele que tudo ficaria bem. Podia ver em seus olhos sua angústia. Não era a única sofrendo naquele instante.
— Você nos ama, George. — declarou, aquilo era incontestável para ela. — A mim e ao filho que carrego. Eu posso sentir isso apenas respirando o mesmo ar que você. — respirou fundo, enchendo seus pulmões — Eu gostaria que me dissesse o que o atormenta.
George clareou a garganta, mas não era como se pretendesse falar alguma coisa.
— O pior enredo de todos. — Emma soltou uma risada de amargura. — Eu li um bom números de romances para saber que as palavras não ditas são as que causam maior dano. Sempre detestei ler um livro até o final só para concluir que a mocinha e o mocinho teriam se acertado apenas com um diálogo. Pode imaginar Lizzie e Mr. Darcy imersos em uma conversa sincera antes da metade do livro?  Me pergunto de quanto sofrimento o coração de ambos seria poupado. — Com pesar ela afastou a mão dele de seu rosto. — Evite que meu coração sofra, George. Diga-me o que o aborrece.
Ela tinha razão. Sua Emma era uma mulher sábia e forte. E ele a amava mais que a própria vida. Por anos, George sentiu-se incentivado pelo desprezo da pessoas a viver recluso em seu próprio mundo, onde não importunava a ninguém, mas agora dera-se conta que esse pedaço de mundo que reservara para si era pequeno demais, sufocante e apertado. Emma merecia algo maior. Que Deus lhe ajudasse, mas seu filho também merecia. Fechou-se em seus livros e sua família, no entanto, Emma viera até ele e abriu uma porta para novas aventuras além de seus muros. Era excitante, por um lado. Mas também era...
— Est-t-t-tou com me-me-medo. — confessou, embora fosse difícil reconhecer tamanha fraqueza. — Me-me-medo qu-que meu sang-gue amald-d-diçõe essa cri-ança e um di-di-dia, quando po-po-possuir o disc-c-cernimento necessári-rio, ele venha m-me-me culpar p-p-p-por sua d-d-doença. Temo qu-que v-você tamb-bém venha a m-m-m-e culpar. — Emma tentou contradizê-lo, mas ele a silenciou com um gesto de mão. — N-não intenc-c-c-cialmente, é cla-claro, m-m-mas eu s-sei o qu-quanto é  dolor-r-r-roso presenc-c-ciar o sofrimento de u-u-um filho. Vi-vi-vi is-sso nos o-lhos da m-minha mãe. Por m-m-mais que t-tenha tenta-tado esconder c-com sorrisos, a d-dor ainda est-t-tava lá. 
—  Nós amaremos essa criança, não importa sua condição.
—  E e-e-e-e-ela tamb-b-b-bém  nos a-a-amará? —  indagou George. —   A v-vo-você, certa-ta-tamente...
—  E ao pai dela também!
George não pareceu acreditar em suas palavras. Emma abraçou seu ventre.
— Seu filho te amará, se mostrar a ele que não há nada em ti para ser odiado. —   disse, emocionada. —  Você é bondoso, honrado e honesto. É brilhante, mas nunca vangloria-se da própria inteligência.
—   Em-mma...
—   Deixe-me falar. —   Ela deu um passo a ele. —  Você nunca nega ajuda a ninguém, embora ciente que muitos se negariam a lhe prestar qualquer assistência. Sei que possui poucos amigos, mas, por Deus, George, seus amigos morreriam por você. Seu filho enxergará suas boas qualidades, e se espelhará nelas. E o mais importante. — uma lágrima caiu de seus olhos. —   Deve acreditar que seu filho irá amá-lo, pois de que outra maneira saberei que acredita no amor que sinto por você?
George esboçou um sorriso tímido.
—   V-v-você f-f-fala co-mo se e-e-e-eu fosse u-u-um home-mem perfeito.
—   Oh, não se preocupe, eu sei que você não é perfeito. — nesse momento George estava a um palmo de distância da boca da esposa. —   Mas eu amo cada uma de suas poucas imperfeições.
A boca dele desceu sobre a dela, agindo no lugar das palavras. A linguagem de seus corações ganhou força. George a beijou com desespero e alegrou-se ao vê-la corresponder com uma reação similar. Até o canto mais profundo de sua alma quis confiar no amor de Emma naquele instante. Seus receios foram enfraquecendo a medida que o corpo dela agitava-se de encontro ao seu, no fim, restou-lhe apenas a certeza que até a mais imperfeita criatura nasceu para ser amada.
*** Seis meses depois ***
— Geoooooooorge!
Em circunstâncias diferentes, esse gritou histérico teria feito todo seu corpo estremecer, pensou George, pois seu primeiro palpite seria que algo estava errado com o bebê. Felizmente não era esse o caso, e ele sabia, o que o fez sorrir e andar tranquilamente pelo corredor até ir de encontro a sua esposa. Sabia onde encontrá-la.
—   Al-al-go errado, qu-querida? —   perguntou, parando junto a soleira da porta da sala de estar.
—   Veja isto. —   ela indicou a poltrona a sua frente. —   É a poltrona do visconde!
Reprimindo um sorriso satisfeito, George limitou-se a dar de ombros.
—   V-vo-você e o be-bebê p-p-preci-cisam de u-um lug-g-gar confort-t-tável para s-s-se sentar.
Oh, Deus protegesse aquele bebê, Emma deu pulinhos em volta da cadeira, como uma criança impressionada com um presente maravilhoso. Então sentou-se finalmente, afundando-se ali, uma sorriso imenso estampado no rosto.
—  Eu não posso acreditar que você conseguiu essa cadeira para mim. É o melhor marido do mundo! —   enquanto dizia isso seu olhos estavam fechados, aproveitando seu momento mágico. — Acredito que o visconde sentiu muito a perda de sua poltrona. Espero que ele entenda, que uma vez que me acostume a ela, apenas uma guerra armada me fará devolvê-la, mesmo depois que nosso filho nasça.
George riu.
— E-ele n-não a requ-quererá de volt-ta, n-não se pre-ocupe. Nós te-te-temos um tr-trato.
Aquela informação atraiu a atenção dela.
— Que trato?
— E-e-eu venci a-a-a-as últi-timas cinc-cos edições d-do Pall M-mall da fam-mília, Bridg-g-gerton. —   contou ele. —   Ape-nas não poder-rei venc-c-cer as próxi-ximas dez ediç-ões.
— Só isso? —   Emma não conseguia acreditar. —   Você precisa perder no Pall Mall e podemos ficar com a cadeira? Excelente! Foi um ótimo negócio para nós.
George se aproximou e baixou-se entre as pernas da esposa, apoiando o queixo em seu joelho.
— F-foi um óti-ti-timo negóc-c-cio para m-m-meu tio ta-também. Ele é-é-é muit-to compet-tivo quando-do o assunt-to é Pall Mall.
—  Enviarei uma missiva agradecendo-o pela poltrona e —  ela bocejou. —   desejando-lhe sorte no jogo. Espero que ele ganhe a próxima edição.
George então começou a contar toda a disputa que ocorria durantes anos nos jogos protagonizados por sua família. Dava risadas a lembrar as disputas longas e desgastantes pelo estimado taco na morte, recordando-se as diversas ocasiões em que na infância ajudara os primos a esconder o taco apenas para pregar uma peça nos adultos. Quando deu por si, escutou um leve ronronar da esposa, que parecia posta sobre uma nuvem desfrutando em sua nova aquisição. Dormia graciosamente.
A próxima vez que Emma acordou foi desperta pelas dores do parto. Após cinco horas de sofrimento, Henrietta Bridgerton veio ao mundo. O coração de George foi içado ao céu e, em seguida, lançado em queda livre.
Mas quando a doce menina o olhou nos olhos, ele viu.
O amor mais sublime de todos.

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