Abro a geladeira, os armários, a geladeira outra vez e apesar de haver inúmeras guloseimas a minha frente, nada, simplesmente nada substitui a vontade nojenta que eu estou sentindo de comer camarão com iogurte.
Encaro o relógio na parede, são três horas da manhã, três!!
- Nem em sonho eu vou sair para comprar isso e provavelmente está fechado porque as pessoas dormem essa hora! - Brigo com minha barriga. Eu estava num sono tão gostoso.
Choramingo e abro os armários outra vez mas não adianta, minha boca saliva só de imaginar o camarão sendo mergulhado no creme do iogurte de morango...Suspiro. Então era sobre esse tipo de desejos estranhos que a médica falou.
- Acho que não tem outro jeito então – coloco as mãos na cintura voltando a olhar para minha barriga e sussurro – Odeio você.
Sigo até o quarto de Henrique e bato esperando uma resposta que não vem apesar da minha incansável mão bater bem forte. Sem outra alternativa eu coloco a mão na maçaneta comemorando por estar destrancada, entro e dou a volta na cama ligando o abajur sobre a cômoda que ilumina apenas um pouco o ambiente, subo na cama e engatinho até as costas dele.
- Henrique? - chamo – Henrique?
Toco nele por cima do lençol e sacudo um pouco, ele definitivamente não é uma pessoa fácil de acordar, mas quando ele resmunga tomo isso como um incentivo.
- Essa criança está com vontade de comer camarão com iogurte e eu nem gosto de camarão, acho nojento, mas ela quer e parece que eu vou morrer se não tiver – choramingo inclinando meu corpo e apoiando a cabeça no ombro dele bastante manhosa até mesmo para mim.
Ele resmunga outra vez e eu torno a balança-lo.
- Henrique...
- Não pode esperar até amanhã amor?
Franzo as sobrancelhas e me inclino um pouco mais vendo que esta de olhos fechados. Talvez essa situação fosse bastante comum com a esposa. Dou de ombros e balanço ele mais uma vez.
- Não, vai logo ou vou sozinha – blefo.
Ele vira para o meu lado ainda sonolento e então aos poucos vai abrindo os olhos e voltando a realidade, percebendo que eu não sou a esposa, mas nem por isso estou menos desejosa.
- Camarão com iogurte – sussurro e ele parece se acordar de vez.
Levanta e eu me afasto um pouco notando como ele tem o corpo grande. Ficar abraçada nele ou debaixo dele deve ser incrível, Kevin é magro, mas não me importava muito, era só sexo. O que ultimamente venho sentindo bastante falta, o que acarreta em analises do tipo sobre o corpo de Henrique, uma mulher gravida tende a se sentir mais dispostas a essas coisas e deve ser maravilhoso quando se tem o pai da criança presente, mas no meu caso...
Henrique passa por mim avisando que não demora e por estar indo com calça moletom tenho perfeitamente a vista o formato de sua bunda...
- Nem em sonho Lisandra, nem em sonho! - Dou batidinhas no meu rosto.
Fico de um lado para o outro pelo apartamento parecendo uma pulga, inquieta e ansiosa, atenta a qualquer barulho que indique a volta de Henrique, que quando acontece eu só falto arrancar a sacola das mãos dele. Pego os iogurtes na geladeira e coloco tudo sobre a mesa. Solto um gemido de prazer quando mergulho o pequeno ser marinho no copinho de iogurte até o meio.
- Oh meu Deus – suspiro ao colocar na boca, parece ser a coisa mais maravilhosa desse mundo - Sinceramente, essa coisa fede e é nojenta, como as pessoas podem gostar disso?
- Você parece bem satisfeita com ele – Henrique zomba
- Seu filho tem um gosto estranho para comidas – digo apontando para ele com um camarão e acabo rindo – Você quer?
- Não mesmo.
- Que bom, sobra mais para mim – me delicio um pouco mais.
- Eu...- começa e chama minha atenção, coloca as mãos nos bolsos da calça – Falei alguma coisa enquanto...
- Na verdade foi bem difícil te acordar – passo o camarão pelo copo de iogurte para não estragar nada – Você ainda estava meio dormindo quando me chamou de amor.
Ele assente.
- Desculpe.
Dou de ombros
- Estava pensando na sua mulher?
Ele nãos responde, parece perdido em algum tempo quando era ela lhe fazendo pedidos, é triste, sinto vontade de abraça-lo.
- Você não me disse como ela morreu.
O olhar dele encontra o meu, parece perdido.
- Foi um acidente – espero pacientemente ele terminar se estiver a vontade – Nada muito sério a princípio, uma pessoa passou correndo, eu freiei mas o carro de trás não conseguiu a tempo, foi apenas um impacto então fomos para casa.
Ele parece tenso, não sei se fazê-lo lembrar de tudo é uma boa ideia.
- Pela manhã ela estava febril mas não queria ir no médico, disse que ia passar, que era uma gripe – ele riu com ironia – Então eu fui trabalhar, de tarde recebi uma ligação, ela tinha dado entrada no hospital em trabalho de parto, mas não tinha forças, estava fraca, então fizeram uma cesariana de emergência. Ela estava sequelada da batida, há quase vinte e quatro horas com sangramento interno, não sobreviveu.
Apesar da frieza com a qual me conta, quase posso sentir sua dor.
- E a criança?
Ele me olhou e pude ver seus olhos cheios de lágrimas.
- Nasceu morta.
- Eu sinto muito – me levanto e ele apenas assente
- Já faz tempo mas...a dor é dilacerante.
Me aproximo, segurando sua mão.
- Não faz tanto tempo assim, está tudo bem sofrer por eles, ficar de luto por quanto tempo achar necessário, é sua dor e só você pode senti-la.
O abraço e demora alguns segundos até ele retribuir me apertando forte. Ele realmente é grande, me faz sentir envolta a um casulo, segura, e tem um cheiro tão bom...
- Obrigado.
Me afasto um pouco e lhe ofereço um sorriso gentil.
Depois de comer uns vinte camarões e acabar com cinco copinhos de iogurte estou finalmente satisfeita. Jogo fora as embalagens e guardo o que sobrou dos camarões, mas espero do fundo do meu coração cair em mim e nunca mais enfiar um desses na minha boca.
Henrique teimou em me fazer companhia e acabou dormindo no sofá, não vou mais acordar o pobre homem, pego um cobertor no quarto dele e o cubro. Me abaixo e o observo, sempre achei que minha vida fosse um drama, mas ele provavelmente se martiriza muito mais que eu pelo ocorrido, por suas escolhas, mal consigo imaginar os primeiros meses de seu luto. Afasto uns fios de cabelos rebeldes que caíram em seu rosto e noto suas feição, passo o dedo por seu nariz, seu queijo e observo sua boca.
- É realmente muito bonito – sussurro – E com um coração mais belo ainda.
Deixo um beijo em sua bochecha e me levanto seguindo para o quarto para enfim ter um resto de noite gostosa e confortável.
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Mesmo que você me deixe - Série Confiança
RomanceSérie Confiança - Livro 2 ~Lisandra é uma garota perdida, abandonada e sem nenhuma expectativa de vida. Sendo obrigada a viver numa região perigosa, ela acaba se envolvendo com drogas, traficantes e prostitutas, e como se já não fosse o ruim o basta...