Estou me perguntando onde estava com a cabeça quando deixei Henrique me convencer a vir numa clínica de reabilitação, eu só podia estar drogada mesmo.
- Não vai sair? – ele bate no vidro pelo lado de fora e pergunta.
Sorrio por saber que o enganei esperando ele sair para travar o carro, nem a força eu solto esse botão.
Abaixo o vidro e o encaro furiosa.
- Você sabia que eles maltratam as pessoas nesse lugar?! – ele ergue as sobrancelhas descrente, odeio isso nele! – Fora que é um lugar assustador, parece um manicômio, vamos embora por favor – choramingo.
- Eu fiz toda uma pesquisa e recebi ótimas qualificações sobre o lugar, você concordou com o tratamento Lisandra – ele diz cansado, ultimamente tem trabalhado demais e me sinto culpada por lhe dar mais trabalho.
- Nós podemos resolver isso só entre nós dois, o que acha? – pergunto manhosa e ele rir balançando a cabeça.
Se inclina e apoia os braços na janela.
- Nós já tentamos e isso não deu certo Lisa, você precisa de ajuda profissional.
Eu sei.
- Prometa que se eles tentarem me internar você não vai deixar – peço séria segurando seu braço.
Eles fazem coisas horríveis com os internos, os tratam como animais e a maioria acaba enlouquecendo e eu não sou viciada a esse ponto, não quero ser esquecida nesse lugar e definhar dentro da minha própria mente.
- Ei – ele toca meu rosto com carinho – Eu vou estar aqui com você todas as vezes, eu prometi não foi?
Ah sim, acabei de lembrar que foi por isso que eu concordei e é por isso que vou concordar de novo, Henrique faz alguma coisa com o rosto, com a voz, com o toque que me enfeitiça e não consigo dizer não, não consigo decepcioná-lo.
Na verdade, estou com um pouquinho de medo do que possa ser isso.
Suspiro e saio do carro ganhando um sorriso animado dele, ele só pode fazer de propósito. De qualquer forma eu me aproveito da situação e me imprenso contra ele quando entramos no local, não gosto, não gosto, não gosto e não me importo de parecer uma criança birrenta dizendo isso.
Ele se apresenta na recepção e somos encaminhados para uma sala com o responsável do lugar.
- Bom dia, é um prazer recebê-los – um senhor idoso e com cara gentil nos recebe – Você deve ser a Lisandra, é uma moça muito bonita.
Cerro os olhos desconfiada.
Nos sentamos nas cadeiras em frente a mesa dele enquanto ele ocupa seu lugar.
- Então, conversei com Henrique por telefone e ele me disse que você tem alguns receios sobre nossa clinica, ele disse também que você está há pouco mais de dois meses sem ingerir nenhum tipo de narcótico, mas passou por um processo de intoxicação no trabalho.
- Não quero ser internada! – digo rápida quando percebo o caminho que ele está seguindo.
O homem rir e parece relaxar.
- Não somos uma prisão Lisandra, somos uma casa de reabilitação disposta a ajudar. Você, se decidir aceitar nossa ajuda fara parte do tratamento externo, não será internada, apenas virá para visitas com o psicólogo e participará de um grupo de apoio. Se não se sentir a vontade em fazer a desintoxicação aqui poderá fazer em uma unidade de saúde seguindo as instruções corretas para não prejudicar sua gestação.
Hum, posso pensar nessa possibilidade.
Ele nos conta sobre o lugar, como funcionam, quantos empregados e voluntários e quantas pessoas, internadas e em tratamento externo, a taxa de aprovação era de sessenta a oitenta por cento e isso me animou. Quando fomos visitar o local minha desconfiança voltou, era lindo, muitas árvores, piscinas, quadras, parecia um spa, mas não tinha sequer uma alma viva por todo o lugar.
- Onde estão as pessoas? – sussurrei para Henrique – Não é estranho? Aposto que estão presas em seus quartos esquecidas até mesmo pelos enfermeiros.
- Na verdade temos um horário de recreação – O homem disse por trás de mim e dei um pulo assustada fazendo Henrique rir – Queremos que se sintam bem, que possam relaxar e se divertir, mas não queremos que esqueçam que o principal motivo de estarem aqui é porque querem a recuperação, somos bem rigorosos. Marcamos esse horário para visitas para não assustarmos os nossos possíveis internos, é difícil para uma pessoa ver um viciado e aceitar que está na mesma condição, fazemos essa interação aos poucos.
E depois dessa eu não tenho onde enfiar minha cara.
- Daqui a pouco teremos um grupo de apoio, por que não participa? Pode ter uma ideia melhor e julgar por você mesma.
- É uma ótima ideia – Henrique aceita animado e de novo eu não sou capaz de tirar o sorriso do rosto dele.
Isso está me irritando, daqui a pouco eu não só vou tirar como vou colocar um belo hematoma nesse rostinho por estar me manipulando.
Entramos numa sala com varias fileiras de cadeiras e um púlpito a frente delas, não estava cheio, no máximo umas oito ou dez pessoas. Sentamos no fundo e começamos a ouvir as histórias e relatos do que a droga é capaz de fazer na vida de uma pessoa e pude perceber que todos os relatos, sem exceção, eram tristes e com um final nada agradável.
Uma moça subiu e começou a falar, ela era linda, os cabelos ruivos vividos quase pareciam de fogo.
- ...Eu costumava guardar minha mesada para comprar drogas, vendia coisas de dentro de casa, até arrumei um emprego e, no dia do pagamento, gastei tudo em drogas – me identifico com isso, na realidade eu me identifiquei com um pouco da história de cada um deles - Fui indo cada vez mais para o fundo de poço, até que tive o meu primeiro internamento. Acabei voltando para o vício, fui internada mais umas 4 vezes e na última saí da instituição e fui direto para um grupo de Narcóticos Anônimos, onde eu fui bem recebida, mesmo ninguém conhecendo minha história. Nem na minha casa eu era bem-vinda mais. Para me recuperar, foi importante eu me afastar de certos amigos, evitar lugares que eu andava antes e mudar algumas atitudes impulsivas que tomava. Hoje, procuro ser honesta comigo e com o próximo, desvio de locais que possam ser de risco para a minha recuperação. Busco praticar a honestidade, a boa vontade e a mente aberta comigo e com os que estão ao meu redor...
Ela continuou com o relato dela, me dando um banho de água fria. Eu sei que se ficar por mim mesma, mas cedo ou mais tarde vou recair, sei que preciso de ajuda e uma coisa que todos disseram e pela fé não é possível que seja mentira, é que o grupo de apoio ajuda, em poucos minutos eu ouvi relatos que não quero que aconteça na minha vida e me senti motivada a ter o mesmo sucesso que alguns aqui, é a centelha de esperança e animo que eu precisava para sair dessa, não só pelo bebê, mas por mim, nunca vi problemas em me drogar mas sempre soube os malefícios, no entanto não tinha motivos para querer evitá-los.
Olho para Henrique emocionada e ele sorrir segurando minha mão e entrelaçando nossos dedos, ele me deu motivos para querer abandonar as drogas, a chance de uma nova vida, de um novo recomeço, eu não me surpreenderia se ele mesmo fosse um bom e belo motivo.
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Mesmo que você me deixe - Série Confiança
RomanceSérie Confiança - Livro 2 ~Lisandra é uma garota perdida, abandonada e sem nenhuma expectativa de vida. Sendo obrigada a viver numa região perigosa, ela acaba se envolvendo com drogas, traficantes e prostitutas, e como se já não fosse o ruim o basta...