Capítulo 18 - Henrique

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Olho o relógio no meu pulso marcando duas e quarenta da tarde, o que significa que já faz dez minutos que Lisandra deveria ter saído do consultório da psicóloga e até agora nada. É a primeira consulta dela e estou nervoso, pode abrir antecedentes, deixá-la nervosa, com medo, fazê-la desistir, tudo isso é um processo e começamos tarde demais, ela pode retroceder, querer ir embora, perceber que não tem motivos para estar fazendo isso a não ser por minha causa, posso não ser o suficiente, por que eu seria? Sou apenas o homem para quem ela está mantendo o bebê e com quem esporadicamente troca alguns beijos, quando eu tenho que roubar esses beijos.

Quando a porta finalmente abre a médica sai sorrindo, gentil e Lisandra assente meio acanhada.

- Como foi? Está bem?

Ela assente sem me olhar, me deixando de lado, no escuro, odeio isso.

Seguimos pelo instituto com as pessoas nos cumprimentando vez ou outra, já não sei se é mais seguro trazê-la aqui, qualquer um pode ter uma recaída e ficar agressivo, sempre estou presente, mas até quando?

- Quer ficar para o grupo de apoio? – pergunto e outra vez ela torna a assentir.

Sentamos no fundo como da outra vez que viemos, ela se encolhe na cadeira e enfia as mãos no bolso. Está fugindo de mim e eu nem sei porquê. Posso ter ido rápido demais, forçado a barra, sufocado, ela mesma pode ter percebido que não quer ter nada comigo, apenas me entregar a criança e sumir como vive dizendo e apenas a ideia me apavora.

Cruzo os braços e me sento mais confortavelmente passando a ouvir os relatos. As histórias são tristes, todas, sem exceções, e todas com arrependimentos, a maioria por ter feito a família sofrer, por não ter deixado que ajudassem.Me sinto assim também quando paro pensar que não converso com minha família, que não converso com ninguém, que por um ano não deixei que me ajudassem, me isolei e os tratei como indiferentes, dando migalhas como informação sobre minha saúde e bem estar a ponto de mandarem a vizinha me vigiar com medo que eu tentasse algo enquanto sozinho. Os afastei quando mais precisei deles, mas Lisandra nos aproximou, minha mãe voltou a ligar constantemente como quando fazia quando era apenas eu e Ellie, quer boletim do dia e não tenho nada interessante para contar, já Lisandra passa horas com ela, com certeza é o tipo de nora que minha mãe aprovaria e ela nem se dá conta. Suspiro sabendo que não devo pensar nisso, não quando estou confuso em relação ao que Lisandra quer, quando demonstra não ter mais qualquer interesse.

Qual não é minha surpresa quando a própria levanta e se coloca na frente de todos? Não a impeço ou questiono, se ela quer e se sente pronta para fazer isso, é um ótimo sinal.

- Boa tarde – um coro a responde – Me chamo Lisandra, sou nova aqui - dá de ombros enquanto procura meu olhar, isso me faz sentir importante na vida dela, alguém por quem ela busca certeza, e dou isso a ela assentindo para continuar, assegurando que estarei aqui – Quando eu tinha 18 anos me envolvi com um rapaz, ele me apresentou as drogas, comecei com êxtase, ele me dava quando saímos, foi meu primeiro namorado.

Presto bastante atenção, ela nunca mencionou sobre o passado antes e eu procurei respeitar isso, sempre foi muito evasiva.

- Depois evoluímos, maconha, cocaína, pó, planta, injetáveis, modéstia parte meus preferidos, são mais rápido, a sensação é quase instantânea – varias cabeças concordam com ela que parece gostar de lembrar das sensações – Mas isso me fez agir de modo estranho, agitada, impaciente, necessitada. Meus pais me expulsaram de casa – ela ri sem humor – Não aguentaram, não me ajudaram, não é como a história da maioria de vocês que teve a família lutando por vocês até estarem aqui hoje.

Por isso disse que era sozinha, minha família mesmo com todo meu remorso e culpa não desistiram de mim, lutam até hoje, então só posso imaginar pelo que ela passou.

Mesmo que você me deixe - Série ConfiançaOnde histórias criam vida. Descubra agora