Capítulo 31 - Lisandra

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A água gelada do mar se choca contra meus pés até na altura do tornozelo que junto com o vento me faz tremer de frio. Meus dentes batem uns nos outros e não consigo fazê-los parar, eu não quero que parem.

O frio congela meu corpo, congela minha mente e meus sentimentos.

Dou mais um passo, a água agora no meio da minha panturrilha, colando a bainha do vestido na minha pele.

A lua no horizonte é a única coisa que separa o céu e o mar na imensidão escura, é um ponto de luz que na minha realidade não existe, não tem espaço. Tudo que eu toco acaba sendo destruído, se torna podre como minha essência escura e inabitável, eu fiz isso comigo, eu me tornei assim, cedi mesmo sabendo das consequências, mesmo passando minha vida toda orientada, cai nas garras da desgraça e não há escapatória, não para mim.

Fecho os olhos ao sentir a primeira lágrima cair e continuo andando. Não quero pensar, não quero sentir, só quero que passe, que acabe.

Fui atraída pelo mar depois de horas andando perdida pela cidade sem ter para onde ir o que é incrivelmente irônico uma vez que as melhores memórias que tenho do meu passado são em uma praia. Talvez o único lugar que me deu paz na infância seja o que vai ser capaz de me dar paz agora, para sempre. Chega de sofrimento.

Solto um suspiro quando a água bate em meu peito, a respiração pesada, mas não abro os olhos, apenas sinto o mar revolto, talvez nem ele me queira entre suas águas.

Boio e encaro o céu, finalmente envolta na escuridão a qual pertenço e relaxo. Até as águas me envolverem.

E afundar.

Tudo me vem a mente, as brigas em casa, meu pai, minha mãe, Kevin, o olhar de Paula, as pessoas, o julgamento de cada uma delas mostrando o estorvo que sou, a má influência, o perigo que sou, a ovelha negra, a carniça...

Meu pulmões queimam pedindo ar mas me forço a continuar embaixo.

Abro os olhos e tudo que enxergo é a escuridão, apenas a escuridão, é o que mereço, é o que preciso.

Henrique. Ele me vem a mente, seu sorriso, sua luta...eu não mereço, eu não mereço nada.

Mas eu o amo, tanto que dói meu coração.

Emerjo buscando ar, meus pulmões doendo, meus olhos ardendo e nado de volta até a praia, meu coração acelerado agora com possibilidade de não chegar até ela, de não poder vê-lo outra vez.

Minhas lágrimas se misturam com a água salgada do mar e a muito custo consigo tocar a areia e me arrasto até a beira sem fôlego, apenas chorar com o enorme aperto que sinto, não por dor física, mas por saber que não posso tê-lo, por ter teimado e insistido.

Bato com as mãos na areia com raiva, de mim, da vida, do mundo.

- Por quê?!! – tento gritar para nada, para Deus, mas só consigo forçar os pulmões e tossir – Por quê não posso ser feliz uma única vez??

Por que tinha que ser assim? Por que eu deixei isso acontecer comigo?

Choro, choro por tudo que ainda não chorei, que não deixei sair, choro de raiva também, de ódio de mim. Fraca, estupida, tinha um futuro brilhante e abandonei, para quê? Para cair no fundo do poço, para não ter nada no fim além de miséria.

Ainda assim, tem esperança, deve haver esperança não é possível que depois de tudo...Henrique tem me ajudado, ele tem me salvado de mim mesma.

Crio forças e me levanto, preciso  voltar, preciso ir até ele, preciso ir para casa. Ele foi o único que esteve ao meu lado, o único que não desistiu de mim quando eu mesma já não queria mais lutar.

Mesmo que você me deixe - Série ConfiançaOnde histórias criam vida. Descubra agora