Capítulo 4

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William para o carro na frente da fachada desbotada da lanchonete.

- Você está bem mesmo? - ele pergunta.

- Sim, obrigado.

Quando me preparo para sair ele toca meu braço.

- Espera...

Ele pega uma camisa no banco de trás e toca em minha testa. A dor reverbera pela minha cabeça.

- Ainda tá sangrando um pouco...tem certeza que não quer ir ao médico fazer um curativo? Você pode ter tido uma concussão.

- Não precisa! Eu estou bem - olho para a camisa - Você estuda ma RHS?

- Sim, último ano...você é de lá?

- Segundo ano. Nunca vi você pelos corredores.

- Isso seria quase impossível já que sou um dos poucos negros na escola - os olhos verdes dele brilham - prontinho - ele sorri e quase caio para trás.

- Hã...obrigado Will - estendo a mão.

- Por nada - ele aperta a minha mão -nos vemos por aí.

Quando saio do carro, dou uma leve acenada e entro na lanchonete.

Patty está parada atrás do balcão, a lanchonete ainda está fechada. Ela me olha e fala "desculpa" com os lábios sem emitir som.

- Porquê ainda não abrimos? Já são... - minha voz está trêmula, pois imagino o que esteja acontecendo - três e quarenta e cinco - minha voz morre.

Edgar Hayes, o dono da Ravenburguer, não está aqui.

- Cadê o Ed? - pergunto e Patty aponta para saleta que ele usa como escritório.

- Tá esperando você lá.

Respiro fundo e faço uma breve oração.

Edgar é um homem grande, com os braços cobertos de pêlos e o cabelo ralo, grisalho. Ele aponta a cadeira que fica de frente para sua mesa.

- Whitewood...pela quarta vez, só essa semana você atrasou de novo.

- Senhor Hayes, eu sofri um acidente - aponto para o machucado na cabeça.

- E os outros dias? Quais foram os acidentes? Eu contratei você para trabalhar David! Não para chegar atrasado sempre.

- Senhor...você tem que entender que eu estudo...

- Só trabalha meio período e ainda faz questão de se atrasar....

- Estou passando por momentos difíceis...

- Desculpe David, mas não preciso mais de seus serviços. Vou procurar alguém que possa trabalhar o dia todo.

- Mas senhor...

Ele pega um envelope e coloca a minha frente.

- Aqui tem o valor de 3 meses de salário...um agrado pelo tempo que você ficou aqui. Você trabalha até hoje, certo?

- Obrigado! - falo quase sem voz e me retiro.

- Demitido? - minha mãe fala com voz rouca.

Estou sentado na pequena mesa da cozinha.

- Por chegar atrasado sempre...e ele procura alguém para o dia todo. Mãe o que vamos fazer?

- Terei de botar o orgulho de lado e pedir a ajuda do Daniel.

- Não! Não e não! O papai nem quer saber da gente.

- Vocês tem direitos e eu nunca pedia a ajuda dele pra nada.

- Você nunca precisou!

- Mas agora preciso amor. Ou então teremos de deixar Raventown - um calor cobre meu coração.

- O quê? Sério? E pra onde iríamos? Los Angeles? Nova York? Até Portland serve.

- Você sabe o custo de vida nessas cidades? Não! Falei com o papai e a mamãe...Sua tia Verbena casou a pouco tempo e desocupou o quarto na casa deles, podemos ficar lá.

- Mãe...mas o vovô e a vovó moram na Escócia!

- Então, talvez a gente tenha de se mudar para lá.

Meu coração esfria de novo. Sairei de uma "prisão", só para ir para outra, e bem pior, pois não conheço nada lá. Só fomos visitar nossos avós umas duas vezes. Minha mãe é escocesa (por isso os cabelos ruivos), há uns 20 anos veio para os Estados Unidos fazer intercâmbio, conheceu meu pai e se casou pouco tempo depois.

- Mãe...não conhecemos ninguém lá! Não sabemos nem se teremos como nos manter!

- Meus pais vão nos ajudar...

Minha mãe se levanta e beija o alto da minha cabeça. Eu preciso de ajuda, precisamos. Mas me vejo de mãos atadas. Não só as mãos, mas o corpo todo, preso a correntes que me puxam para o fundo de um mar escuro e frio.

Neve sobre o Ébano (Romance Gay) - ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora