O Ébano - Capítulo 27

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A ficha do que aconteceu ainda não caiu. Minha visão está nublada e dirijo para casa de forma automática. Amanhã minha namorada estará aqui e vou esquecer tudo isso...

Eu me martirizo, porque gostei. Gostei de beija-lo, gostei de sentir o corpo dele, gostei quando ele desceu os dedos pela minha barriga. Gostei, não podendo gostar.

Não sou gay. Não posso ser. O mundo que eu vivo não permite que eu nem pense nisso. Quando chego em casa, Roake me detêm.

- Seu pai está furioso...

- Ah droga! O jantar!

Vou o mais rápido que posso para a sala de jantar.
Meu pai e minha mãe estão sentados em lados opostos. Michael e Lilian estão lado a lado. Todos comem como robôs. Não há vida nessa casa. Todo nosso dinheiro não vale de nada se não há vida.

- Boa noite - falo sentando a mesa. Minha mãe me olha com olhos arregalados - desculpem a demora, eu estava ocupado.

- Parece que qualquer coisa é mais importante que estar com sua família...sempre chega atrasado...

- Eu estava estudando...como vocês sempre queriam - falo calmamente.

Meu pai me olha, procurando alguma mentira. Mantenho minha fachada calma.

George Avignon Ebone é um homem duro. Nunca sorri. Ele é alto, a pele branca manchada de sardas, o cabelo grisalho.

- Eu espero que esse "estudo" valha de alguma coisa. Eu não gastei tanto na sua educação, para criar um vagabundo.

Largo os talheres. Meus irmãos me olham. Lilian com o cabelo negro bem trançado e Michael com o cabelo cortado baixo.

- Você deveria ser como seus irmãos...eles querem algo da vida e você? Quer estudar em uma escola comum? Jogar futebol, William? É isso que você quer? Uma coisa comum?

Não consigo ouvir isso calado.

- Prefiro ser alguém "comum" do que ser robôs como vocês! Eu não quero esse dinheiro todo. Não quero passar minha vida em um escritório. Eu quero viver! Viver!

- Eu não trabalhei a vida toda, para ouvir isso de um filho. Tudo que faço é por vocês!

- Não devia, poxa! - jogo a mão para o alto - vivam! A vida é só uma. Vocês se importam tanto com dinheiro...

- Dinheiro que sustenta você - ele fala.

- Quer saber! Não vou ficar aqui ouvindo isso.

Quando me levanto ele fala.

- Eu mando em você Will. Você não conhece outra vida senão essa. Você não viveria sem mim e sem o que meu dinheiro pode te dar.

Viro as costas para todos e me vou. Mas antes de subir as escadas o ouço dizer, que eu vou me arrepender do que acabei de fazer.


Acordo de madrugada depois de um pesadelo. Me levanto pra tomar água, me enrolo em um casaco e desço as escadas. Vejo a porta aberta. Quando saio, vejo minha mãe sentada na cadeira de jardim.

Quando me aproximo sinto cheiro de cigarro. Ela está sentada só de camisola e robe. Um cigarro na mão.

- William - ela fala soltando a fumaça.

- Mãe? O que você faz aqui? Uma hora dessas?

- Não consigo dormir...e você querido?

- Também...

Ela aponta a cadeira a sua frente. Sento. Ficamos assim por um tempo. Só o barulho das cigarras ao longe.

- Você sabe como eu conheci seu pai?

- Você me disse que conheceu ele na França...depois que veio da África.

- Eu era a princesa de uma tribo na Botswana. Eu lembro...que tinha 16 anos quando tudo aconteceu. Uma tribo inimiga, invadiu nossa aldeia, matou meu pai, minha mãe e muitos outros...só não fui morta, pois guardas da região chegaram com armas...foi lá que dois pesquisadores me encontraram. Henriqueta e Sidney.

- O vovô e a vovó?

Ela assente.

- Eles me levaram para o hospital e passaram as semanas seguintes me visitando. Então me adotaram. Me levaram para Paris. Estudei nas melhores escolas e frequentei os melhores lugares. Na faculdade conheci o George, ele era filho do reitor. Namoramos por um tempo, mas ele teve de ir embora com o pai para o Reino Unido. Quando ele voltou já era esse grande empresário...o pai dele não gostava de mim. Lutamos muito para ficarmos juntos.

- Por que a senhora me conta isso?

- Eu precisava conversar e falar isso com alguém. Muitas pessoas não conhecem meu passado.e eu sou sua mãe...vi como chegou, vejo nos seus olhos...problemas do coração.

- Não estou com problemas...

- Eu sei como é estar gostando de alguém. Antes de seu pai, eu tive um pretendente...eu amava ele - ela olha pra céu, lembranças vindo a mente - e quando eu estava com seu pai, ainda pensava nele. Quem é ela?

- Não é ela...

Minha mãe demonstra o mínimo de surpresa.

- Quem é ele?

- Mãe eu...

Ela segura minha mão.

- Confia em mim.

- Eu estou estudando com ele...nunca pensei nessas coisas, mas ele abriu algo em mim...eu o beijei - começo a chorar e minha mãe me abraça.

- Não precisa chorar. Não há motivo.

- Você não me julga?

- Sou sua mãe...mesmo não gostando, tenho de te dar apoio...mães são para isso. Mas você precisa dar um jeito nisso tudo. Você tem namorada e seu pai não vai ser tão compreensivo como eu.

- Você não pode contar isso pra ele. Nem sei se sou gay! Foi só uma experiência...

- Ficarei quieta. Mas você não pode esconder isso por muito tempo.

- Eu já sei o que devo fazer.

- Estarei do seu lado, não importando qual seja a sua escolha.

Ela me abraça mais forte. Pela primeira vez sinto todo o amor de minha mãe e fico triste em pensar que não tinha me aberto para ela antes.

No dia seguinte resolvo ir falar com o David. Contar tudo que estou sentido, me abrir com ele. Saber se eu realmente estou gostando dele. Não sei qual será sua reação, já que ele é hétero também. Talvez sejamos Bi...ou só estamos experimentando sensações. Não sei...quero descobrir isso com ele.

Paro o carro um pouco afastado de sua casa quando vejo o que acontece. Ele está se mudando. Chamou até aquele garoto que conheceu outro dia, mas não me chamou...percebo que ele me olha. Fecho a janela e saio dali.

Fui um idiota de pensar que ele estava pensado sobre o que aconteceu ontem. Ele está até rindo, talvez não tenha acontecido nada. O que tenho que fazer é esquecer. Esquecer e só.

Neve sobre o Ébano (Romance Gay) - ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora