Capítulo 32

188 10 3
                                    

Essa história de que as coisas são mais luminosas de manhã é um mito. Cada vez que eu cochilava e acordava, o pesadelo era mais sombrio. Mais desolador. Exausto demais para dormir, fiquei deitado na cama de Louis, absorvendo os arredores. O quarto dele. Nunca havia estado aqui antes. Ele tinha uma coleção de bichos de pelúcia em uma rede acima da cama. Pilhas de CDs ao lado. Armário sem portas e apinhado de roupas. O espelho da penteadeira era coberto de adesivos: triângulos cor-de-rosa, corações de arco-íris e relâmpagos. Algumas fotos estavam presas debaixo da moldura e eu me arrastei para fora da cama para olhar.

Havia uma foto de família — Louis, as irmãs dele e Ernest, imaginei, Lottie e Ernest postados diante de uma árvore de Natal. As outras fotos eram de amigos, pensei, uma mistura de garotas e garotos. Dois daqueles rostos eu conhecia, mas não da Southglenn High. Onde eu os vira? Retirei uma das fotos e examinei mais de perto.

Era a foto de um grupo. Havia atrás deles uma bandeira de arco-íris, onde se lia "LGBT Queer e Questionando". Só podia ser o clube LGBT da antiga escola de Louis. Havia uns seis ou sete rapazes, e o mesmo número de garotas. Louis estava sentado no chão, à frente dos demais, abraçando os joelhos. O cabelo dele tinha um corte diferente era mais comprido e mais escuro. Todos estavam sorrindo ou rindo, os braços enganchados nos ombros dos amigos. Louis sorria também, mas não era um sorriso feliz. Ele parecia distante, desconectado dos outros. Isso me levou a indagar, de novo, por que ele tinha se transferido.

Mas apenas por um momento. Graças a Deus que ele se transferiu. Recoloquei a foto no mesmo lugar. Notei um folheto sobre a penteadeira anunciando uma performance da Unidade no último sábado à noite. No sábado passado? Franzi a testa. Louis havia me dito que estava trabalhando no sábado. Por que ele mentiria? Nunca havia mentido para mim. A apresentação devia ter sido cancelada, ou remarcada.

O aroma de pão fresco envolveu meu nariz. Fome e instinto me dominaram. Calcei os únicos tênis que consegui levar e desci as escadas. Johannah estava na cozinha, verificando dois pães no forno. Outros dois estavam esfriando na prateleira. O cheiro era extraordinário.

— Oi, querido — ela disse quando hesitei na entrada da cozinha. — Por que não se senta enquanto eu ponho um prato de sopa pra você? Nada como um pouco de canja para aquecer o coração.

Minha garganta apertou. Isso me lembrava o livro que dei de presente para minha mãe no Natal: Histórias para Aquecer o Coração das Mães. Johannah arrumou um enorme prato de sopa de macarrão e serviu com pão caseiro coberto de manteiga. Ela também me cortou uma fatia de cheesecake. Depois, ocupou uma cadeira à minha frente, cruzou as mãos sobre a mesa e falou:

— Ela vai mudar de opinião. Só precisa de tempo.

Olhei para ela.

— Você não conhece minha mãe.

Johannah inclinou a cabeça.

— Quer que eu ligue pra ela? Posso falar com ela.

Meus olhos desabaram.

— Não. — Deus, não. Não ajudaria nada ter minha mãe gritando com a Johannah. — Eu vou lidar com isso. Mas obrigado. — Engoli uma colher de sopa.

Não tinha sabor de canja; não tinha sabor de nada. Ótimo. Eu tinha perdido os sentidos.

— Está delicioso. — Forcei um sorriso. 

Johannah enrolou um fio solto na manga do suéter.

— Ela só exagerou. Pode ser um despertar difícil, sabe. — O timer do forno apitou e Johannah afastou a cadeira. — Ela precisa se acostumar com a ideia. Só isso.

— Quanto tempo você demorou pra se acostumar? — Perguntei.

Ou ela não ouviu ou ignorou a pergunta. Observei enquanto ela retirava os pães do forno e os colocava sobre o fogão.

— Não tem sido fácil lidar com o Louis — ela finalmente disse. — Não porque ele seja... gay. — Johannah hesitou, como se doesse dizer a verdade. — Mas porque ele se expõe demais. Fico temendo por ele o tempo inteiro. Não quero que ele se machuque.

Ela se virou e olhou para mim, através de mim. Não sei o que ela esperava que eu dissesse.

— Assim como o incidente dos armários? — Resolvi dizer.

— Que incidente dos armários? — Ela rebateu.

— Nada. — Droga. Enfiei um monte de pão na boca.

— Diabo. — Johannah cruzou os braços. — Não entendo por que ele tem que exibir sua sexualidade, isso é um assunto particular. Ele deveria mantê-lo assim. Ser discreto, assim como a irmã dele. Eu não vejo você se expondo pro mundo.

Não porque eu não quisesse, tive vontade de dizer. E isso não tinha a ver com sexualidade. Não totalmente. Tinha a ver com identidade. Amor.

Johannah acrescentou:

— Ele está pedindo pra arrumar problemas.

Eu achava que ele estava pedindo aceitação. Quase disse isso. Ainda bem que minha boca estava cheia, porque agora eu não estava no melhor momento para debater visibilidade. Não estava no melhor momento para debater nada. Retirando o avental, Johannah deixou escapar um suspiro cansado e disse:

— Eu quero que ele seja feliz. Isso é tudo o que eu e o pai dele sempre quisemos pros nossos filhos. Tenho certeza que sua mãe também se sente assim, Harry. Queremos tanto que os filhos cresçam e conquistem as coisas que nós nunca tivemos. Temos grandes esperanças pra vocês. Expectativas, sonhos. E, então, uma coisa como essa... — A voz dela sumiu.

Uma coisa como essa. Certo. Sonhos despedaçados. No que diz respeito a Mamãe, sonhos despedaçados eram a minha especialidade.

VOTEM E COMENTEM!!! OBRIGADAAA!!!

Nosso Segredo (Larry Stylinson)Onde histórias criam vida. Descubra agora