02 | Aviso ou Ameaça?

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  Lis e Nathan, sentados longe um do outro, conversavam em extremo silêncio, de forma que apenas eles entendiam. Risinhos, ou apenas sorrisos, eram emitidos de ambos os lados, pela simples adrenalina de poder dizer o que quisessem sem ninguém, além deles, entender. Lis sentia-se extremamente confortável, como se conversasse com um amigo quase irmão.

  "Você é daqui de Winnipeg?", ele pergunta.

  "Não. Nasci em Vancouver."

  "Puxa! É bem longe. O que veio fazer aqui na minha cidade?", brinca Nathan.

  "Este não era o meu destino inicial. Lembra-se do último terremoto que atingiu Vancouver? Por pouco, a parte em que eu morava foi pouco afetada. Mas, depois das catástrofes em áreas vizinhas, decidimos viajar rumo a Ottawa. Não só por ser a capital, mas um primo do meu pai, que é gerente de uma inústria alimentícia, mora lá e poderia ajudar financeiramente com a nossa hospedagem. No entanto, quando meus pais viram Winnipeg, ficaram encantados e decidimos nos estabelecer aqui mesmo. Meu tio nos enviou uma boa grana e disse que ajudaria até nos adaptarmos. De três semanas atrás até hoje, já estamos nos sentindo em casa."

  "Bem, então acho que essa história de destino resolveu colaborar comigo ao menos uma vez, e me trouxe uma amiga que entenda meus sinais."

  "É bom conhecer alguém que me entenda. Falando em conhecer... você conhece um garoto chamado Sean?"

  "Claro! É o meu melhor amigo. Eu apresentaria vocês, mas pelo visto já se conheceram. Aquele garanhão já deve estar de olho em uma garota como você!", ele ria.

  "Uma garota como eu?"

  "Você parece ser exatamente o tipo de garota que ele iria querer."

  "Bem, isso é estranho. Eu mal o conheço e ele não me causou uma primeira impressão muito boa...", disse, fazendo uma expressão de desconforto.

  "Como não? Ele é sucesso entre as garotas! Causa uma ótima impressão em quase todas elas. Se eu fosse uma garota, já teria me apaixonado de cara pelos olhos do Sean. O que faz você enxergá-lo de forma tão negativa?"

  "Olha... eu preciso te contar uma coisa"-- ela fez uma expressão preocupante.

"O quê?" - ele perguntou, duvidoso.

  Ela fez um sinal para que ele esperasse um pouco; o professor já havia percebido o diálogo mudo dos dois.
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O intervalo começara, e Lis e Natan simplesmente não conseguiam parar de conversar. O resto do grupo sentia-se meio isolado, mas sabia que ele era assim com gente nova.

"Você volta da escola de ônibus?"

- Sim, mas eu vou para uma parada diferente da de todos. Por quê?

"Tente pegar em um ponto diferente hoje. Você pode estar correndo perigo."

- O que quer dizer? - ele duvidou - Isso é uma ameaça?

"Não, claro que não! É apenas um aviso..."

- O que está dizendo?? - ele estava nervoso - Então você já acha que me conhece e que pode me dizer o que fazer?

Ela ergueu as mãos como para tocar seu rosto, mas hesitou, com os dedos tremendo.

- Sai da minha frente, mudinha.

  Nathan afastou-se, impulsivo, e sumiu da vista de Lis antes que ela pudesse fazer algo. Percebendo a cena ao passar ali, Selly aproximou-se, tocando o ombro de Lis.

-- Ei, não fica assim, tá? Nathan é um bom garoto, mas ele fica meio fora do sério quando mexem com o verme do Sean.

  "Verme?", pensa Lis, mostrando uma expressão confusa para Selly, que entende o olhar.

-- Você quer que eu te conte? Hum, está bem. Espero que você preste mais atenção que o Nathan, aquele idiota.

  Ela fez um "legal" com cada mão, sorrindo.

-- Bem, vamos lá. -- diz Selly, sentando-se ao lado de Lis em uma mureta que delimitava o corredor.
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  Há uns dois anos atrás, quando eu entrei nesta escola, conheci o Sean, que era da minha sala. Ele era, sim, atraente e bonito. Eu não gostava dele como a maioria das garotas gostam, nós só éramos... bons amigos. Foi Sean quem me apresentou ao Nathan, aliás; mas nossa amizade demorou um pouco mais para brotar.

  Um dia, Sean, Nathan e eu estávamos em uma excursão. Era em uma espécie de museu. Tínhamos bastante tempo para ficar lá, tipo... o horário de aula inteiro. Teve uma hora que paramos para comer. Era meio que um recreio. Eu e Nathan ficamos sentados juntos em um banco, lanchando e conversando normalmente. Gostávamos de ficar um pouco longe dos outros alunos. Acontece que houve um contratempo e teríamos que voltar mais cedo. Sean sabia disso, mas eu e Nathan não fazíamos ideia.

  Sean, então, apareceu e nos chamou. Disse que queria nos mostrar uma passagem que ficava atrás de uma arte romana em exposição. Aquela passagem estreita realmente estava lá, e dava em uma parte do museu exclusiva de bebidas alcoólicas em exposição. Nathan e eu estávamos encantados com a idade dos vinhos que cruzavam séculos, e com suas historias. Acabamos esquecendo-nos de Sean.

  Minutos depois, me dei conta de que o horário de recreio já deveria estar acabando e chamei Nathan para procurarmos os professores.

  Nós ficamos desesperados ao perceber que o museu estava quase vazio, comparado ao que estava quando nossa classe estava lá. Assustados, começamos a correr pelo museu, procurando os professores. Um guarda nos encontrou e explicamos toda a situação. Com destreza, ele nos levou ao ônibus que havia nos trazido ao museu. Nathan quase chorava de medo, enquanto eu só pensava em agarrar o pescoço de Sean quando o visse.

  O ônibus escolar estava para partir, quando o guarda o deteve e salvou nossas peles. Nossos professores levaram uma advertência por terem nos esquecido, e tudo isso por culpa daquele idiota.

  Quando subimos no ônibus, Sean disse que havia se perdido no museu enquanto nos procurava e que também tinha sido salvo pelo guarda. Nathan o abraçou, ainda assustado. Eu apenas o encarei com um olhar de desprezo e fui sentar-me no fundão. Nunca mais olhei na cara daquele verme.
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  Lis a observava com uma expressão assustada e preocupada com o que poderia acontecer com Nathan. Como se lesse seus pensamentos, Selly a conformou:

-- Não se preocupe. Nathan vai ficar bem. Ele sempre ficou. Um dia ele vai abrir os olhos e ver o quanto Sean é podre.

  Lis fechou os olhos e respirou fundo, abraçando seu pingente. Então, olhou para Selly e fez que sim com a cabeça.

Yin & Yang | A Sintonia de Dois OpostosOnde histórias criam vida. Descubra agora