19 | Não Tenha Medo

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  Selly andara sozinha pela escola nos últimos dias, o que chamava a atenção de Lis. Esta, por sua vez, tentava conversar, mas a garota sempre desviava. Lis não podia gritar por ela, apenas tentar chamá-la com seus gestos de forma inútil e um tanto ofuscada.

  Até que, numa oportunidade dada pelo vacilo de Selly ao dirigir-se ao corredor fechado do Laboratório; Lis a encurralou.

  "Que é que você tem? Por que está fugindo de mim?"

– Não quero machucar ninguém. – seu rosto encontrava-se oculto por uma sombra negra.

  De alguma forma, Selly aparentava estar entendendo os sinais, mesmo sem saber nada de ASL.

  "O que quer dizer? Está falando do seu último ataque? E I, já esquecemos isso"...

– Não quero machucar ninguém.

  "Você não vai, não tenha medo. Eu estou aqui para te ajudar..." – Lis tentou aproximar-se, mas Selly reagiu com uma posição ameaçadora.

– Não quero machucar ninguém. – ela tornava a repetí-lo.

  "S E L L Y." — Lis tentara novamente, agora de braços abertos. Antes que a garota pudesse ferí-la, Nathan aparecera atrás de Lis, chamando a atenção de Selly. Esta, por sua vez, desvia da outra, a empurrando contra a parede; e vai em direção a Nathan.
Com o impacto na cabeça, Lis cai no chão e ali fica sentada, com a mão no ferimento e os olhos em Selly.

– Você! – ela grita – Vem cá! Vem brincar comigo, Nathan! – Selly avança, tentando golpeá-lo, tendo um novo ataque de esquizofrenia.

  "Vamos brincar juntos, Nathan! Como nos velhos tempos! Você gostava de brincar comigo... você sempre gostou de brincar comigo...", pensava ela, sem deixar transparecer.

– Não! Selly, pare! – Nathan desvia de alguns golpes, mas logo é acertado por um chute em sua barriga, o empurrando para trás e o derrubando.

  Aproveitando sua fraqueza, Selly, para imobilizá-lo, sobe em cima de seu corpo e ataca-lhe o pescoço com os dedos firmes, com a força da insanidade.

– Selly... por que está fazendo isso? – Nathan pergunta, ficando quase sem fôlego.

– Eu só estou me divertindo um pouco! Você não acha isso divertido, Nathan? – ela aperta mais, fazendo-o tossir.

– Selly... – ele diz, rouco, quase sem ar.

– Hahaha! – ela ri, psicótica – Eu adoro brincar de-..

  Selly é interrompida por uma mão em seu ombro, que, com pequenos dedos, aperta-lhe uma veia específica, fazendo-a desmaiar. Ao cair ao lado de Nathan, este pode ver Lis acocoada à sua frente, sorrindo cansada. Ele também sorri, ainda tossindo, porém aliviado.

– Lis... – ele tosse, enfraquecido – Obrigado... – ele a abraça, amedrontado, sendo então retribuído.

  O abraço de Lis trazia uma sensação de segurança a Nathan. Ela era forte para mantê-lo protegido. Ele descansou ali. "Me sinto seguro... você vai me proteger, não vai? Seu abraço é tão acolhedor...".

-- Lis, você é um anjo. Eu te amo... -- ele dizia, chorando quietamente.

  Ela beija sua testa. "Eu também te amo, Nathan", pensava. "Eu também amo você...".

-- O que... houve...? -- Selly balbuciava, acordando-se aos poucos.

  Logo, uma multidão de alunos e funcionários cercava a área, falando alto e ao mesmo tempo, perguntando-se o que acontecera ali.

  O primeiro a chegar foi Mr. Will, o diretor da escola; que chamou Lis e Nathan para conversarem em sua sala e explicarem o que aconteceu.

– Muito bem, quero saber tudo, com detalhes. – ele fitava os dois de forma assustadora.

– Bem... é o seguinte... – Nathan hesitou, olhando para Lis como se pedisse ajuda.

  Lis estendeu a mão e apontou para o aparelho eletrônico que se encontrava sobre a mesa de madeira do diretor; um pequeno notebook desatualizado e sem conexão à internet — Will definitivamente não sabia usar aquele tipo de coisa.

  "Selly tem esquizofrenia e vem tendo ataques constantes nos últimos dias, e parece que esses ataques só vêm quando Nathan aparece para ela. Da última vez, ela ainda conseguiu cortar-lhe o peito, eu mesma o socorri. Não quero que ajude a Nathan, porque eu estou aqui para isso. Quero que ajude à Selly." — Lis escreveu, rapidamente, no computador do diretor.

– Uau, eu... não sabia... – ele diz, surpreso, depois de ler tudo em voz alta.

– O senhor não sabia do problema de uma aluna da sua escola? – Nathan pergunta, meio indignado.

– Eu tenho muito trabalho para fazer, não posso ficar lembrando de cada aluno-problema aqui! – ele disfarçou – Tomarei as devidas providências quanto à Selly. Mas por que mesmo ela havia desmaiado?

  "Selly atacou o pescoço de Nathan e não iria soltar até matá-lo. Eu tive que apagá-la por um tempo para salvar sua vida." — Lis continuara escrevendo.

– Você ao invés de gritar por ajuda preferiu desacordá-la!? Sabia que ela poderia ter morrido!?

-- Ela o fez em legítima defesa. -- interrompeu Nathan -- Não pode ser punida por isso. É lei.

-- Uhm, sim, claro. -- pigarreou -- Mas você poderia ter gritado, aliás, por que prefere digitar do que falar!?

  "A voz do silêncio às vezes vale mais do que falsas palavras..." — pensou a garota, quase falando isso em sua linguagem, mas hesitando. Ela evitou encarar o diretor, sabendo o que Nathan estava prestes a fazer.

– O senhor tem algum tipo de problema? Alzheimer, amnésia? Ou isso é algum tipo de brincadeira? – ele pergunta, rude.

– Está me chamando de velho, garoto? – ele levanta-se de sua cadeira.

– Não, estou lhe chamando de irresponsável! – Nathan também se levanta, e começa a apontar-lhe o dedo – O senhor sequer conhece os alunos da sua própria escola! Que tipo de diretor de araque o senhor é?

– Chega! Por ser tão rude, dois dias de estudo extra para os dois! E fim de papo! Fora daqui! – brandou o diretor, autoritário e ignorante.

  Os dois saíram da sala. Nathan, bufando de raiva, mas Lis, leve como uma pluma.

– Droga... quando meus pais souberem... – e sua expressão mudava de raiva para medo – eu vou levar uma surra...

  "Não se preocupe, não tenha medo..." – Lis toca-lhe o rosto, falando em sua linguagem – "Para tudo, qualquer coisa que você precisar, eu vou estar aqui... N A T H A N... eu vou estar aqui com você, N A T H A N." – ela sorria ternamente, recebendo um caloroso abraço em resposta.

– Lis... obrigado de novo... – ele quase chorava, numa mistura louca de sentimentos – Você não tem noção do quanto eu te amo... – e a abraçou forte.

  "Eu também te amo..." ela falou, na língua de sinais, e mesmo em suas costas, mesmo em silêncio, ela tinha a certeza de que ele havia escutado.

  Não tenha medo... N A T H A N.

Yin & Yang | A Sintonia de Dois OpostosOnde histórias criam vida. Descubra agora