28 | Razões e Emoções

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  Selly caminhava lentamente pelos corredores escuros da escola. Era um sábado chuvoso, quase ninguém havia comparecido à aula extra.

  A menina, após a internação, estava completamente transformada. Seus cabelos negros, antes longos e cheios de vida; estavam agora à altura dos ombros, cortados de forma amadora, e totalmente sem brilho. Em seus olhos escuros, a lua que antes refletia ali sua luz; agora estava escondida por nuvens trevosas e cinzas de uma tempestade monocromática. Seus pés se arrastavam pelo chão, na insistência depressiva de vagar sem rumo. Carregava algo cortante nas mãos, que aparentemente já tinha usado, pois seus dois braços estavam cheios de cortes e inundados de sangue. Fazia silêncio: se algum funcionário a visse, teria de voltar para o inferno que era o manicômio; e também, seu cérebro e mente não estavam habilitados a falar. Estava tão muda quanto Lis agora. Tudo o que conseguia era, sem abrir a boca, murmurar uma canção lenta e calma, que soava psicótica enquanto ela arranhava entre doce e desafinada.

  Claro que ela havia evoluído, pelo menos durante certo tempo. Depois do sonho perfeito que tivera, nunca mais havia sonhado. A caixinha de música que ficava em seu quarto no hospital, estava enferrujada e parara de tocar. Entretera-se, então, costurando os brinquedos que outrora rasgara. Recolocou todos na estante. Agora eles já não tinham mais graça.

  Na verdade, nada mais ali tinha graça. Nem sua relação com Will, que havia melhorado bastante; ou mesmo o silêncio de suas vozes. Ela agora não tinha com o que se preocupar, mas a monotonia a destruía mais do que a esquizofrenia.

  Sentia-se sozinha, entediada e sem nenhum objetivo de vida. Estava cinza tanto por dentro quanto por fora.

  Olhos atentos, no fundo do corredor, a observavam pelas costas. Eram olhos brilhantes como lanternas acesas, que, em um descuido, deixaram que sua luz fosse percebida.

  Selly pára. Abaixa a mão. Fica imóvel durante alguns segundos. Lentamente, ela vira a cabeça para o lado.

— O que faz aqui? -- diz, sem olhar para um ponto certo.

— Eu estudo aqui. -- responde a outra voz, feminina, mas um pouco dissipada no ar.

— Por que está me seguindo?

— Estou preocupada.

— Com o quê?

— Com você.

— Por quê?

— Você não está bem.

— Você nem sabe.

— Dá para perceber.

— Pare de me escanear. -- ela usara um tom rude.

  A outra voz dera-lhe alguns segundos de silêncio.

— Me deixe ajudar você.

— Não preciso de ajuda.

— Precisa, eu sei disso.

  Selly voltou a olhar para a frente, ignorando a voz como se já tivesse vencido aquela discussão.

  No fundo, algo nela alegrava-se histericamente em saber que alguém estava preocupado com aquilo.

— Vá embora.

  Um passo foi escutado: a garota se aproximara.

— Vá embora.

  Mais passos, mais perto.

— Vá embora.

  Ela agora corria.

— Vá embora...

  Daya se aproximara o suficiente para tocar-lhe o ombro. Esticara a mão. Sem olhar para trás, Selly desvia. A outra quase leva um tombo, mas recupera o equilíbrio.

Yin & Yang | A Sintonia de Dois OpostosOnde histórias criam vida. Descubra agora