14. Procura-se meus sapatos

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Austin está de jeans, eu por outro lado, estou vestindo uma saia. O frio está começando a doer, mas não consigo me mexer.

Ele abre os olhos e me fita. Os olhos azuis indecifráveis. Um barulho vindo de perto nos tira do transe. Uma lanterna aponta para as arquibancadas.

- Tem alguém aí? – uma voz masculina grita, provavelmente um segurança.

Tiro os patins depressa. Austin levanta em um pulo e me ajuda a levantar. Estou usando meias, mas não é o bastante pra proteger meus pés do frio emanado pelo gelo em que pisamos. Austin me olha e olha para o cara grande que pode nos ver a qualquer momento. Eu estou o atrasando, se me pegarem, meu pai dá um jeito, mas acho que vai ser ruim para Austin.

- Vai sem mim, não acho que isso vai me prejudicar tanto quanto pode te prejudicar – digo baixinho.

- Não.

Austin pensa rápido e me pega no colo; apesar de ser magrelo é bem forte, acho que peso quase tanto quanto ele, provavelmente um pouco menos, se o hambúrguer não tiver feito seu trabalho bem demais.

Abafo o gritinho que quero soltar e passo meu braço por seu pescoço. Saímos correndo da pista sem que o segurança nos veja e eu fico morrendo de medo de ele me derrubar.

Já do lado de fora ele me põe no chão. Vemos o guarda desligar a lanterna e voltar ao seu posto. Damos um suspiro de alívio.

- Essa foi por pouco. – Coloco a mão no coração.

Estou nervosa, minha reação é rir. Austin ri também. Talvez seja mesmo uma situação engraçada.

- Sabia que não podia confiar em você – ele diz em tom de brincadeira.

Solto a respiração quando ele fala, nem percebi que estava prendendo até agora.

- Sobre o que aconteceu... – ele começa.

- O que tem? – corto ele.

Meu coração está palpitando. Acho que estou prestes a ter um ataque cardíaco. Meus olhos cor de mel estão arregalados. Tento ficar com cara de blefe, mas meu rosto está paralisado. O silêncio é tanto que posso ouvir nossos dois corações batendo rápido. Sei que ele também pode ouvir.

Austin dá um passo à frente, diminuindo a distância entre nós. Ele olha bem nos meus olhos e lentamente se aproxima; está me dando uma chance de bater na cara dele ou dizer que não sinto o mesmo. Fecho os olhos e espero até que sinta sua respiração em meu rosto. Levanto levemente a cabeça e nos beijamos. Seus lábios estão um pouco frios, os meus também. Tem gosto de chiclete sem açúcar, não tinha reparado da primeira vez.

Encosto na parede do lado de fora da pista de gelo. Fico sem ar depois algum tempo. Paramos de nos beijar e ficamos nos olhando, ofegantes.

Isso é loucura. Não sei o que pensar ou sentir. Não podia estar mais confusa. Um outro casal se aproxima, talvez tenhamos roubado o lugar de pegação deles.

Começo a sair e Austin pega na minha mão. Voltamos de mãos dadas até os prédios onde ficam nossos quartos, completamente em silêncio. Minha mão já está suando, mas só largo a de Austin quando vou entrar no prédio. Nenhum de nós sabe como agir direito.

- Boa noite – diz ele.

- Boa noite – respondo.

- Valeu pelo dia de hoje. Foi muito legal – ele fala e eu não sei se tem um significado oculto ou se estou pensando demais.

Ele me dá um selinho tímido antes de entrar no prédio ao lado, olha pra trás uma vez e sorri.

Entro em meu próprio prédio e vou correndo pelas escadas, não consigo ficar esperando o elevador.

Spencer ainda está de fones de ouvido, mas está acordada. Sua audição vai ser prejudicada desse jeito, o dia todo de fones de ouvido. Ela os tira quando me vê entrar.

- Aonde você se meteu? – pergunta com curiosidade.

- Crystal precisou de carona.

- Eu a vi há quase uma hora.

- Eu sei, eu só a levei, não a trouxe de volta. – Sento na cama.

- Cadê seus sapatos? – Ela olha para minhas meias sujas.

Tiro as meias, ponho os pés na cama e jogo o cobertor por cima de mim logo em seguida.

- Eu te conto se prometer não rir nem jugar ou fazer aquela sua cara de presunçosa.

Spencer faz a cara de presunçosa.

- Que cara?

- Essa aí. – Aponto para seu rosto.

- Tudo bem. – Ela relaxa os músculos do rosto.

- Depois de levar a Crystal, voltamos para a escola...

- Você tem um alter ego ou amigo imaginário? – me interrompe.

- Quê? – Me arrependo da decisão de contar pra ela.

- A menos que eu seja horrível em gramática eu podia jurar que ouvi um plural na sua frase.

- Você é horrível em gramática – lembro a ela.

- Verdade.

- Mas, sim, eu usei a primeira pessoa do plural.

- Se a senhora Blake pudesse nos ver agora... – Spencer viaja.

Percebo que ela saiu do foco. Parece desinteressada, talvez seja um sinal pra eu não contar a ela. Deito e olho para o teto. Fecho os olhos e de repente estou na pista de gelo novamente, sinto um arrepio e não é pelo frio, é como se o frio nem importasse.

- Terra chamando Mary-Kate. – Spencer sacode a mão perto do meu rosto.

- O quê? – pergunto meio distraída.

- Os sapatos, você não contou a história.

- Você divagou.

- Não sei o que essa palavra significa. Mas sinto que te devo desculpas.

- Não, tudo bem.

Sento na cama, com os pés embaixo do cobertor azul bebê.

- Eu fui até a pista de gelo. Tive que tirar os sapatos para pôr os patins. Um guarda apareceu e não consegui pegá-los.

- O assunto sobre o plural e a senhora Blake. – Ela olha pra cima, pensativa. – Entendi o que é divagar. – Ela olha pra mim com a cara de presunçosa que prometeu que não faria. – Agora, vamos corrigir esse "eu" pelo "nós" anterior.

- Sua cara vai paralisar assim – brinco.

- Não divague. Continue. – Ela ri e massageia as têmporas.

- Bom, eu pulei a parte da minha história onde Austin me beijou, ou eu o beijei, não tenho tanta certeza agora – eu revelo e ela parece engasgar, depois acrescento: - Duas vezes.

- Sabia que você tinha uma quedinha por ele. – Ela joga o travesseiro em mim.

Rio nervosamente.

- Não sei. E se não for uma boa ideia?

- O quê?

- Não quero ser precipitada, mas e se foi só um momento? E se deixar um clima estranho e no final não sermos nem amigos mais, quem dirá namorados?

- Por que você não volta então? – sugere.

- Primeiro que ele se lembraria.

- Tem isso.

- E se eu fizesse isso não teria nada pra te contar, porque nada ia ter acontecido. Mas ainda acho que teria perdido meus sapatos. Não tenho certeza, o beijo foi depois que eu tirei os sapatos, mas antes do guarda aparecer e a gente ter que sair correndo. Talvez se eu voltasse para antes disso daria tempo de pegar meus sapatos, mas seria, tipo, constrangedor.

- Como é que você não enlouquece desse jeito? – ela pergunta, claramente admirada.

- Quem disse que não? – Dou risada, mas não estou brincando.

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