40. Em frente

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Digo sim para Austin, e ele me leva para a casa do lago da foto. Aquela que vi em seu quarto há tempos atrás.

Vamos de carro com Emily e Stephen. O rádio fica baixo, me permitindo cochilar. Uma chuva leve cai, a paisagem passa rapidamente pela janela. Quando chegamos as janelas estão embaçadas e o lago tranquilo. O vento gelado chicoteia em meu rosto.

- Não achei que estaria tão frio - diz Stephen abraçando Emily.

Eu e Austin fazemos café e damos em grandes canecas de porcelana para os pais dele.

- Hmmm. - Emily segura a xícara com força e toma um gole.

- Obrigado. - Stephen coloca a xícara na mesinha ao lado e abraça Emily no sofá acolchoado.

- Eu quero ver o lago. Dar uma volta - falo para Austin.

- Ou a gente podia subir e se aquecer.

- Sem ofensa, mas isso eu faço em casa. Qual é? Não foi você que queria ver o pôr-do-sol e não ter medo?

- É, eu disse isso - ele fala derrotado.

O puxo e corremos porta afora.

- Cuidado. Se agasalhem. E nada de entrar na água - grita Emily do sofá.

Apesar de doer um pouco quando uma lufada de vento passa por nós, eu corro até a borda do píer.

Rio alto e escuto alguns pássaros ao longe

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Rio alto e escuto alguns pássaros ao longe. Me sinto viva. Austin levanta o dedo o indicador me pedindo pra esperar enquanto corre pra dentro de novo. Fracote.

Caminho por sobre o cascalho. Austin vem apressado segurando alguma coisa. Quando ele chega mais perto vejo a manta xadrez vermelha. Ele a segura frouxa demais e ela voa. Corremos atrás dela pelo cascalho barulhento. Ele me põe nas costas quando chegamos perto. Está muito alto. Estico os braços e agarro aquela manta. Caímos rolando e rindo, apesar do vento gelado queimar um pouco meus pulmões.

Austin me ajuda a levantar. Tiro os sapatos e encolho os ombros ao sofrer as consequências de ter os pés descobertos. Ele tira os dele também.

Cobertos pela manta como dois velhinhos, vamos descalços até a margem do lago e rimos e gritamos quando a água gelada atinge nossos dedos até chegar no calcanhar.

Ficamos abraçados sem dizer nada por um tempo, até que ele diz:

- Quer saber de uma coisa?

- O quê? - pergunto e lhe dou um beijo.

- Eu te amo. Nunca amei ninguém antes. E é bom.

- Fico feliz de ser a primeira - digo e rio.

- E?

- E o quê? - O abraço mais forte.

- Não está esquecendo de nada?

Viro e lhe dou mais um beijo. Um beijo demorado. Com as testas encostadas e olhos ainda fechados, sussurro:

- Eu também te amo.

- Agora sim - ele sussurra de volta.

∞֍∞

Meus pais financiam algumas viagens. Parte do plano de ver o pôr-do-sol e não temer a vida.

Austin decidiu que queria me ensinar a viver novamente. E eu decidi que quero aprender. Com passaportes em mãos e na mala só o necessário estamos prontos.

Choro ao me despedir de Margot, mas eu preciso disso, e ela é muito pequena, além da imunodeficiência. Spencer me faz prometer comprar umas coisinhas pra ela e Crystal quer cartões postais de todos os lugares. Meus pais só querem que eu fique a salvo.

Nossas aventuras são um tanto radicais (desculpa, mãe). Mas acho que essa é parte da definição de aventura.

Vamos à Nova Zelândia pular de Bungee Jumping; ao México mergulhar em cavernas; à Austrália para pular de paraquedas; aos Emirados Árabes Unidos para andar na montanha russa mais veloz do mundo; ao Rio de Janeiro voar de asa delta; ao Nepal fazer skydiving sobre o Everest e ao Japão conhecer a cultura.

São os melhores dois meses da minha vida. Austin aprende a falar um pouquinho de cada língua, e ri quando percebe que eu já sou fluente na maioria delas.

- Não fique tão impressionado - digo enquanto o avião que vai nos levar pra casa está pousando.

- Estou mais para... Não, acho que a palavra é impressionado mesmo.

Rimos e olhamos pela janelinha o chão ficar mais próximo.

- Pronta pra voltar para a realidade? - Austin pergunta.

Essas viagens, estar com ele, tudo isso foi como um sonho. Sei que não estou pronta, mas não tenho outra escolha. Esses dois meses não foram qualquer sonho, foram como aqueles em que a gente volta a dormir desejando a continuação. A realidade não chega nem perto.

- Estou - minto.

∞֍∞

- Como é estar de volta? - Spencer pergunta da cama ao lado.

- Familiar.

- Senti muito a sua falta. Agora quero ouvir tudo sobre as viagens. Não sei como você conseguiu fazer todas aquelas coisas.

- Achei que a morte me assustava, mas descobri que talvez fosse a vida. Não costumo concordar com todas essas filosofias de vida do viver o hoje como se não houvesse amanhã, porque geralmente o amanhã é parte do que nos faz passar pelo hoje. Mas descobri que a morte não precisa ser a única certeza na nossa vida. Descobri que quando você diz "dane-se" pra morte, e pula, ela meio que te respeita. E quando chega a hora ela te leva, e você vai. Descobri que você precisa estar vivo antes de morrer.

- Sai pra lá com essas reflexões. Daqui a pouco você e o Allan vão virar uns gurus ou sei lá.

- Bom saber que algumas coisas nunca mudam.

Rimos e eu passamos a noite todo conversando. Mostro a tatuagem que eu fiz da qual meus pais não podem nem sonhar. É só o símbolo do infinito nas costelas cortada por uma estrela cadente, mas eles podem ser bem dramáticos. Austin fez uma igual. Somos um casal clichê.

- Estou com meio orgulho de você - diz Spencer. - A tatuagem - ela levanta o dedão numa joinha. - Fazer uma de casal - ela balança a cabeça e vira a joinha de cabeça pra baixo.

- Vou aceitar minha meia vitória. - Rimos.

Conto de como me senti livre e do quanto eu precisava daquilo. De como você se sente invencível ao ficar cara a cara com morte e poder estar aqui contando a história. Mas nada é tão libertador quando voltar pra casa.

Ela comenta que eu poderia fazer, depois voltar no tempo e fazer de novo, quanto vezes eu quisesse, mas balanço a cabeça em negativo.

- Então seu botão de reiniciar não funciona mais? - ela tenta entender.

- Não. Acho que agora vou ter só seguir em frente como todo mundo. Nada mais de atalhos ou replay.

- Melhor assim. Era trapaça. - Ela ri e joga a almofada.

- É, era sim. Mas eu era boa nisso.

Talvez nem tão boa assim. Eu não conhecia as regras, e não deveria jogar um jogo que não sei as regras.

Shooting StarOnde histórias criam vida. Descubra agora