34. Choque

93 16 7
                                    

Vejo Peter cara a cara pela primeira vez depois de vê-lo de relance no dia em que juntei os pontos. Ele olha meu prontuário, evita meus olhos. Engole em seco.

- Por quê, Peter? - tenho que perguntar.

Ele franze a testa e corre os dedos pelo cabelo. Seus olhos ficam vermelhos e contrastam com o verde.

- O que eu te fiz? Eu preciso saber - imploro.

Ele se senta na cama. Me encolho.

- Não precisa ter medo de mim, Mary-Kate. Não vou te machucar. - Sua voz treme.

- Me trair de um jeito que me fez acabar aqui foi me machucar.

- Eu sinto muito por isso, mas eu precisei, ok?

- Certo. Você precisou.

Ele fecha os olhos com força e torna a abri-los, massageando as têmporas.

- Não é certo o que você faz. Não é natural, e é egoísta.

- Eu não faço mal as pessoas.

- Como você pode saber disso? Já ouviu falar da Teoria do Caos? O efeito borboleta?

- Às vezes uma borboleta é só uma borboleta.

- Diga isso para Edward Lorenz.

- Tenho certeza que ele já morreu, mas...

- O que você faz tem consequências e você sabe. Você está tão preocupada consigo mesma que não consegue nem ver.

De repente, faz sentido.

No começo da década de 1960, Edward Lorenz testou um programa de computador que simulava o movimento de massas de ar. Um dia, Lorenz alterou alguns números, algumas decimais apenas, que alimentavam o cálculo, esperando que o resultado mudasse pouco. Mas a alteração aparentemente insignificante transformou completamente o padrão das massas de ar. E assim ele formulou as equações que mostravam o efeito borboleta. Estava fundada a teoria do caos.

Em 1998, era pra haver uma tempestade tropical em Louisiana, segundo computadores do sistema de previsão de tempestades tropicais dos Estados Unidos. Mas um meteorologista daquela agência descobriu que havia uma pequena diferença nas medições executadas sobre o Pacífico, prevendo algumas pequenas diferenças no deslocamento das massas de ar. Diferença detectada através de uma maior movimentação do ar na região do Alasca. Com isso, os novos cálculos previam que não haveria mais a tal tempestade tropical em Louisiana, mas a formação de um Tornado de proporções gigantescas em Orlando, na Flórida, o que realmente aconteceu 3 dias depois.

"O bater de asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado no Texas."

Não é literal, claro, o impacto causado pela perturbação vinda do bater de asas de uma borboleta é absorvido rapidamente porque a pressão do ar é muito maior. Ou talvez seja.

Mas agora eu sei. Sei o que ele quer dizer.

- Eu sinto muito - digo. - Mas isso - aponto para o quarto branco. - Isso não vai mudar nada.

- Essa pulseira é uma alternativa. Ela suprime as suas habilidades. Mas não é permanente.

- Me deixa ir. Prometo que não vou tentar tirar. Vou ser normal, como todo mundo.

- Já é tarde demais pra isso.

Aceito minha derrota. Pelo menos temporariamente. Implorar está sendo perda de tempo.

- Então pelo menos me diz como está minha família. Austin, Spencer. E promete que não vai machucá-los.

- Não sou um mostro, Mary-Kate. Eles estão bem. Os seus pais estão fazendo de tudo pra te encontrar, assim como seus amigos. A polícia não tem muitas pistas.

- E o Austin?

- Ele chora o tempo todo. Sei que talvez você não acredite, mas tenho vontade de contar tudo a ele. Austin não merece nada disso.

- Então me deixa falar com ele. Só dizer que estou bem.

- Queria poder, mas não dá.

Ele sai, levando toda a minha esperança com ele.

∞֍∞

Anna, a enfermeira, vem me ver mais vezes. Não ando comendo muito, e, aparentemente, o objetivo deles não é me matar.

- Se você colaborar vai poder voltar pra casa. Não quer ver de novo sua família, seus amigos, seu namorado?

- Eles nunca vão me soltar, mas também não me matam.

- Você é forte. Só precisa lutar um pouco mais.

Meus músculos doem quando me mexo.

- Não tenho mais esperança.

- Mas é isso que te torna especial.

- Achei que fossem meus poderes - sussurro com ironia.

- Acho que Rick nunca te contou. Como eles descobriram, quero dizer. Não sou muito inteligente, mas um bando de nerds percebeu uma anomalia temporal em algum programa de computador ou sei lá. Aí isolaram a área até chegar em você.

- Pra que então mandar me seguir se nem podiam perceber minhas alterações sem um computador?

- Eles queriam terminar o supressor antes.

- Mas quem são eles?

- Rick. Ele era obcecado com super-heróis e ciências. Era o sonho dele. Todos achavam que ele era patético. Então quando um dos amigos nerds percebeu a anomalia ele montou uma equipe e uma organização. Tudo parte de sua obsessão. - Anna se levanta. - Não conte a ninguém o que te contei. Por favor.

- Eu prometo - digo com um fiozinho de voz, que é tudo que me restou.

∞֍∞

Achei que estava ruim, mas aí piora.

- O único jeito de te deixarmos ir é se garantirmos que você não vai mais interferir na linha temporal - informa Rick.

- Eu já prometi. Aprendi minha lição.

- Aí é que você se engana. A aula acabou de começar.

Rick desativa minha pulseira e me manda voltar no tempo. Os dispositivos em minhas têmporas servem pra controlar as atividades cerebrais e me impedir de tentar gracinhas. Como me recuso ele ameaça as pessoas que eu amo. Não sou forte o bastante pra resistir. Faço o que ele manda.

- Vamos reeducar você, se é que me entende.

Não entendo. Não na hora. E preferia não ter entendido.

Toda vez que volto recebo choques; eles basicamente fritam meu cérebro. Como se já não fosse o bastante Rick também usa teasers só por diversão.

Tento o máximo que posso não gritar, mas a dor me domina de uma forma que sou só gritos e lágrimas. Não sou forte o bastante. Tenho que ser. Por eles. Por ele.

Com um último grito que leva toda a minha voz, apago.

Shooting StarOnde histórias criam vida. Descubra agora