32. Familiar

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Consigo ver couro preto do banco de um carro; consigo ver vermelho, amarelo e verde, dos semáforos; consigo ver o verde das folhas das árvores e branco, não sei de quê. As vozes parecem abafadas, uma familiar e a outra não, mas as duas masculinas.

Por um momento não sei se estou em um pesadelo muito vívido ou se é só uma realidade ruim o bastante para ser confundida com um pesadelo. Tudo parece desconexo. Sem sentido.

Abro os olhos com dificuldade, em parte porque estão pesados e ardidos, e em outra por causa da forte luz refletida na imensidão branca a minha volta.

- Que bom, você acordou – diz um cara gorducho e careca.

Tento engolir, mas minha garganta está seca. Ao tentar levantar percebo que tanto meus braços quanto minhas pernas estão amarrados com tiras de couro. No meu braço direito, entretanto, tem mais uma algema; parece parte de uma algema pelo menos, mas colocado como se fosse uma pulseira com uma luz led azul.

- É só um teste, não se preocupe. E essas outras belezinhas – ele aponta para as algemas de couro – são pra se você tentasse dar uma de espertinha.

Olho para os lados. Só branco e mais branco. A luz do sol atravessa as janelas. Pelo ângulo em que vejo as coisas, acho que estou no terceiro andar de algum prédio. Meus globos oculares se mexem sem parar.

- Já faz dois dias, quase três. Precisávamos nos certificar de que a pulseira supressora funcionasse – ele explica calmante. Uma das vozes que ouvi.

Franzo o cenho. Ele está falando dos meus poderes?

- Não precisa ficar confusa, querida. Logo, logo você vai estar ciente de tudo. Descanse um pouco mais agora.

Vejo ele enfiar uma seringa no soro que só agora percebi estar tomando. Minha visão fica turva e antes de adormecer ouço a voz familiar de novo. Não entendo o que diz, mas conversa com o careca gorducho. Sinto meus olhos se fechando. Um vulto de cachos escuros passa pela abertura da porta. Peter.

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