Estamos andando de mãos dadas pelas ruas do bairro de Austin, onde as casas não são muito bonitas, ou talvez eu só não esteja acostumada. Passamos em frente a várias lojinhas de família, com nomes bem criativos e até engraçados.
Austin fica apontando para os lugares e pessoas e fazendo comentários:
- Aquela é melhor sorveteria. Eles têm sorvete de tudo quanto é coisa. E é de graça no seu aniversário. – ou – Aquele é o senhor Smith. Fala com os pombos e tem doze gatos, mas é uma boa pessoa.
Quando passamos por duas irmãs se abraçando Austin diz:
- Você ia me contar sobre o que aconteceu entre você e a sua irmã, mas não conseguiu.
Respiro.
- Fiz parecer mais do que era. Faço isso as vezes.
- Queria que me contasse mesmo assim.
Sentamos no banco da praça, onde o sr. Smith alimenta os pombos (e conversa com eles).
- Eu gostava muito de um cara. O nome dele era Trend, se quer saber. A gente namorava, na verdade. No aniversário dele aconteceram duas coisas: eu não pude ir à festa e nem levar a Crystal num evento superimportante que poderia dar a ela a oportunidade de entrar na faculdade que ela quer, mesmo tão nova. Como prodígio ou sei lá.
- Por que não pôde ir nem dar a carona pra sua irmã?
- Eles não sabiam, mas a Margot passou mal nesse dia e eu tive que correr com ela para o hospital e o trânsito estava horrível, não deu tempo.
- O que isso tem a ver com sua relação ruim com ela?
- Os dois queriam se vingar. Ficaram na festa dele, gravaram e me mandaram. Os dois diziam coisas horríveis sobre mim no vídeo também. Na frente de todos. E ainda por cima postaram o vídeo. É que às vezes tenho uns surtos de raiva que não posso explicar. Na verdade, eu acho que é quando começo a voltar muito no tempo. Meu cérebro fica meio sobrecarregado. Uma vez eu arranhei a mim e a minha mãe, tirei sangue dela. Eles contaram isso também como uma piada.
- Eu sinto muito.
Balanço a mão como quem diz que não importa.
- Quando souberam o motivo de eu ter dado o bolo nos dois, eles se sentiram muito culpados. Minha irmã principalmente. Meus pais gritaram com ela a noite toda. Trend disse que me amava, mas não acreditei. Não era verdade, ele só não sabia. Voltei no tempo na manhã seguinte e consertei tudo. Só não consegui consertar como me sentia por dentro.
Austin me abraça. Talvez não saiba o que dizer.
- Me leve a um lugar legal – digo.
Ele pega a minha mão e me guia até um restaurante não muito longe chamado Spicy. Parece meio deslocado, porque tem um ar sofisticado. É que é uma cidade pequena e o restaurante está no meio termo: saindo da parte pobre e entrando na parte mais rica.
Escolha não tão inteligente, acredito. Muito caro para os pobres, muito barato pros ricos. Nem sempre ficar no meio termo é bom.
Existem situações em que os mais desafortunados querem comemorar algo ou jantar em um lugar legal e pode ser que escolham o Spicy. Talvez os ricaços queiram um dia parecer humildes e jantem aqui, ou o carro de um deles quebre e estejam famintos e apesar da parte racional dizer quem não, prefiram comer no Spicy do que morrer de fome.
Me surpreendo ao entrar e ver que na verdade eu sou extremista. Alguns são mais pobres, outros não. Classe média, talvez. Então o lugar não está lotado, mas há poucas mesas disponíveis.
É meio escuro aqui dentro. As mesas são cobertas por toalhas brancas e as cadeiras tem estofados de veludo vermelho. Nas paredes tem alguns quadros que está na cara que são réplicas meio malfeitas.
Mas estou com fome e Austin me trouxe aqui depois que pedi pra me levar a um lugar legal. Vou confiar nele. O menu tem opções bem razoáveis e não demoramos a pedir. Sei que ele pode ficar ofendido se eu quiser pagar a conta, então peço algo barato, mas não tão barato, pra ele não notar. Como somos menor de idade não nos oferecem a carta de vinhos. Além disso, não estou com a minha carteira. Deixei no carro.
- Sei que não é tão luxuoso quanto o que você está acostumada, mas a comida é boa e eles tentam.
- É perfeito.
Aperto a mão dele e ele sorri.
O atendimento não demora e o garçom traz o pedido. Passamos a hora seguinte só conversando e rindo. Falo sobre minha infância e ele da dele. Falamos sobre política, clima e comida. Nem percebo o tempo passar.
Ele pede a conta e o garçom leva os pratos. Austin pega a carteira e eu olho para a família não muito longe. Estão bem vestidos, mas sei pelas atitudes que não são esnobes da parte da cidade que só tem mansões.
Quando volto a olhar para Austin percebo que ele parece nervoso.
- Algum problema? – pergunto preocupada.
- Que desastre. – Ele aperta os olhos com o polegar e o indicador – Não tenho dinheiro o suficiente.
- Não tem problema. Vamos falar com o garçom e eu vou lá no meu carro pegar. Tá tudo bem.
- Não. Queria que você tivesse um momento legal e eu estraguei tudo.
- Nunca diga isso. Não trocaria isso por nada. Está tudo bem.
Ele tenta retribuir meu sorriso, mas sei que não é verdadeiro.
O problema maior vem depois. O garçom não acredita na gente e nos manda lavar a louça pelo resto do expediente. Minhas unhas perfeitamente feitas quase choram, mas sorrio e os sigo até a cozinha.
Austin fica murmurando pedidos de desculpa o tempo todo. Então penso em todos os filmes românticos que já vi e faço algo que normalmente não faria, mas perto dele vivo fazendo coisas que normalmente não faria, e quer saber? Gosto disso.
Espirro água nele com a mangueirinha da torneira. Ela me olha um pouco surpreso, mas sei que quer rir. Facilito o trabalho dele e passo espuma na sua cara também. Pronto, aí está. A risada que tanto amo. Do garoto que eu amo? Não, calma. Ainda não sei. Vou trabalhar nisso.
Nem preciso dizer que o gerente não gosta nada nada quando vem ver a fonte de barulho e nos vê correndo pela cozinha com espuma nas mãos, espirrando água e deixando uma pilha de louça se acumular. Quase nos agride ao nos enxotar e naturalmente nos diz pra não voltar.
- Mas eu sou Mary-Kate O'Brien – replico.
- E eu sou Gerald Winslet. Grande coisa.
Ela entra e bate a porta. Não me sinto ofendida porele não saber quem eu sou, me sinto aliviada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Shooting Star
Teen FictionMary-Kate tem um segredo: ela trapaça. Não fica por aí se perguntando "como teria sido"; apenas faz de novo e descobre. É, ela pode fazer isso. E ninguém nunca notou suas pequenas e inofensivas mudanças... até agora.