15. Esse tipo de garota

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- Se você está tão confusa, deveria falar com ele – Spencer me aconselha.

- Talvez você tenha razão.

Deito novamente, com as mãos na barriga.

- E o que você está esperando? – Ela levanta as sobrancelhas.

- Você quer dizer agora?

- Claro que é agora.

Levanto da cama e calço meias limpas. Penso por um instante; ainda estou com a saia e a camiseta com lacinho. Talvez devesse me trocar, o clima está um pouco frio. Ponho a mão para fora da janela. Definitivamente tenho que trocar essa roupa.

- Fecha a janela! – Spencer reclama, se cobrindo mais.

Dou risada e obedeço. Vou até o guarda roupa e troco a saia por calça de moletom cinza com bolsos estilo esporte, que geralmente uso pra dormir pois é quentinha, e uma blusa de moletom que é do conjunto, com capuz. Coloco meus pés dentro da minha pantufa de leão, com a juba um pouco bagunçada e vou até a porta.

- Antes de sair me dá o travesseiro que joguei em você – ela diz sem tirar os olhos do celular.

Jogo o travesseiro nela.

- Valeu. – Ela levanta o olhar para mim e reflete consigo mesma. – Por que vai falar com ele de pijama?

- Quero parecer mais casual – explico.

- Não definiria isso como casual, mas você é quem sabe.

Saio do quarto mesmo assim. Quero estar bonita, mas por mais que seja meio bobo, quero que minha aparência não tenha nada a ver com a conversa. Foi ele mesmo quem disse uma vez que o que importa é o interior.

Antes que perca a coragem, desço as escadas e saio do prédio. Um vento violento bate em meu rosto e eu me encolho. Vou até o quinto andar, quarto vinte e oito. Me impeço antes que bata na porta.

Sei que não é bonito e tira a privacidade alheia, mas adquiri esse péssimo habito de ouvir atrás da porta. Achei que tinha perdido, mas jugando pelo que estou fazendo agora, é evidente que não.

Acho que Peter acabou de chegar de algum treino. É tarde, mas ouço eles tirando os sapatos e os deixando cair.

Encosto a orelha na porta. Tomara que ninguém saia do quarto agora.

- Você e a Mary-Kate, hein? – diz Peter.

Acho que perdi um pedaço da conversa, pois Peter já sabe sobre mim e Austin. Por instinto estreito os olhos, mas isso não vai me ajudar a ouvir melhor.

- É – Austin responde sem muita convicção.

Um garoto baixinho de franja passa no corredor e fica me olhando. Levanto as sobrancelhas pra ele e faço com a mão um sinal pra ele sair. Ele me olha meio estranho, mas obedece.

- Não sei, acho que não vai dar certo – Austin diz.

Ele está falando sobre nós?

- Por que? – Peter quer saber.

- Somos de mundos diferentes.

- Desencana dessa coisa de dinheiro. Ela é uma boa garota.

- Não a definiria assim – ele diz com um riso engasgado, quase irônico.

- Então como a definiria?

- Não me entenda mal. É que eu costumava achar que ela era uma boa garota, mas ficar bêbada e depois dormir com um cara em uma festa... Só não sei posso lidar com isso.

- Você só namora virgens ou algo assim? – Peter pergunta com ironia.

- Só nunca me vi namorando esse tipo de garota.

Sinto raiva. Sei que fiz umas escolhas ruins, mas não sabia que ele me julgava desse jeito. Não sabia que importava.

- Não fale assim dela – Peter me defende, e eu me sinto agradecida. – Não desperdice o que vocês têm por uma bobeira dessas – aconselha ele.

- Não queria que esse tipo de coisa importasse, mas importa.

Fica um silêncio. Assim que penso em sair a porta se abre e eu tropeço pra dentro do quarto. Me recomponho rapidamente e vejo Austin me olhando com os olhos arregalados sentado sobre a cama. Fecho os olhos por uns segundos, tentando processar a vergonha por ter sido encontrada bisbilhotando e por ter ouvido o que ouvi. Foi bem esclarecedor.

Peter é que abriu a porta; ele também me encara um pouco confuso. Dou um sorrisinho de agradecimento pelas coisas boas que ele disse de mim e saio do quarto. Ando o mais rápido que posso, mas Austin me alcança e segura meu braço, me virando pra ele.

- Mary-Kate, o que você ouviu? – pergunta ele.

Primeiro penso que ele está bravo, mas em seus olhos vejo que está preocupado. É fácil me beijar e depois praticamente me chamar de vadia.

- O suficiente.

- Olha, o que eu disse...

- Você acha que é bom demais pra mim? Que é melhor do que eu? – Mantenho o tom de voz baixo, não preciso de olhos curiosos, ou de um escândalo.

- Não, claro que não. Não foi o que eu quis dizer.

- Você estava certo, isso é um erro.

Me desvencilho de seu toque e começo a andar. Ele me alcança novamente.

- Não foi o que eu disse – fala ele, claramente arrependido.

Mas agora é tarde. Essa é a ironia: o que eu faço é como pintar por cima da camada anterior de tinta, e essa continua lá, escondida, exceto para quem segura o pincel. Só posso mudar o passado para outros, porque ele ainda é real pra mim, pois eu carrego as memórias – como tintura velha sob tintura nova – mesmo que as outras pessoas não carreguem. Austin também, embora não tenha o poder de voltar no tempo, tem o poder de se lembrar. Queria não ter nenhum dos dois.

Não digo nada a ele. Não tenho o que dizer.

- Se acha mesmo isso, por que não volta e muda o que aconteceu? Ainda há tempo. Mas saiba que eu não mudaria – ele diz.

Olho no relógio em meu pulso, são nove horas, claro que eu poderia apagar o nosso beijo, mas não mudaria nada. As únicas pessoas que estavam lá éramos nós e ainda vamos nos lembrar, mesmo se eu fizer não acontecer, ainda vai ter acontecido, de certa forma. E com certeza não vai me fazer esquecer o que ele acabou de falar para Peter.

- Não vale a energia que eu teria que gastar – é o que respondo e decepção toma conta de seus olhos.

- Eu sinto mui... – começa ele.

- Não – o interrompo, levantando a mão para ele parar. – Só... não.

Finalmente saio do prédio sem ser seguida. Encosto na lateral do prédio e recupero o ar. Não sinto vontade chorar. Todos têm suas histórias tristes, e essa é a minha: um coração partido. É uma história triste comum, mais uma coisa em que sou sem graça. Mas não é por isso que não choro, é porque sei que no mundo lá fora existem coisas muito piores pelo que se chorar.

Shooting StarOnde histórias criam vida. Descubra agora