44. Tempo emprestado

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Margot pula no meu colo.

- Já avisou para o seu namorado que hoje você é só minha?

- Sim, deixei bem claro.

- Ótimo.

Passo o dia com minhas irmãs. Jogamos jogos de tabuleiro e comemos besteira. No dia seguinte vemos filmes que nos fazem chorar e comemos pipoca. Crystal pega no sono antes que eu e Margot, os óculos tortos. Tiramos algumas fotos e depois pintamos o rosto dela pra tirar mais fotos.

Pego no sono depois de Margot. Acordo com um bipe vindo do meu celular. Margot está deitada na minha barriga, então saio com cuidado. Meus olhos reclamam por causa da luz. Diminuo o brilho da tela.

Não se esqueça que não sabe todas as regras. O jogo ainda está rolando e você vai perder se ficar parada.

Fico encarando a mensagem. No final, tem a imagem da bandeira do Texas. Não faz sentido e acho que talvez ainda esteja sonhando. Até que faz.

Dirijo o mais rápido que posso até a casa de Austin. Talvez eu esteja errada. É um tiro no escuro. Mas a capital do Texas é Austin.

Chego na casa dele e porta está aberta. Levo a mão à boca. Emily está desmaiada, pelo menos eu acho que está, e Austin está ajoelhado sobre o pai. Chego mais perto e vejo o buraco bem no meio do peito. Os olhos de Stephen ainda estão abertos.

Abraço Austin por trás e ele tem um sobressalto, mas vê que sou eu.

- Você tem que trazer ele de volta - Austin diz fungando.

- O quê?

- Você tem que voltar e impedir ele de morrer. Você precisa. Por favor.

- Austin, eu não posso.

- Esquece isso de mexer com a vida das pessoas. Eu estou te implorando.

Meu coração se parte ao meio.

- Não controlo a morte. Eu posso te dar dois dias com ele, mas não posso impedir que ele morra. Nem eu consigo fazer isso. Quem fez isso?

- O tal Rick.

- Eu sinto muito.

- Não! - Ele se desvencilha de mim e eu me levanto. - Pra que serve ter esses poderes se são inúteis quando mais preciso?

Tento entender o lado dele. O garoto que amo acabou de perder o pai. Por minha causa.

- Você quer os dias? - pergunto, apesar de não saber se posso dar.

- Não saberia o que dizer. E quando o momento chegasse, não estaria pronto pra dizer adeus.

- Sinto muito - murmuro.

- Isso não conserta nada - Ele diz seco, talvez com raiva.

- O que você quer de mim? - grito, apesar de não ser minha intenção.

- Preciso ficar sozinho agora. Isso não é justo.

- Sabe o que mais não é justo? - pergunto com a voz embragada, ciente de que vou me arrepender. - A vida. A vida, droga!

- O que você poderia possivelmente entender sobre o que é justo? - diz com sarcasmo, me fazendo ir pra trás institivamente. - Teve uma vida fácil, mas nunca percebeu. Sempre ocupada demais preocupada consigo mesma - conclui, me olhando incerto. Isso não foi justo. Mas afinal o que eu sei sobre o que é ou não justo?

Se eu fosse uma melhor namorada, uma melhor pessoa, talvez tivesse ficado mesmo assim, mas o que eu faço é sair pela porta e começar a andar. Procuro as chaves do carro em meu bolso, mas não as encontro. Só continuo andando.

Sento numa pedra entre as árvores dentro de um bosque. Nunca tinha vindo aqui antes, mas achei que podia ser um atalho. Devia saber que não, quase nunca estou certa. Seguro a cabeça entre as mãos. Vejo o sol nascer e ficar alto sem mal me mexer naquela pedra dura e fria, cercada de luz filtrada por folhas verdes que dançam com o vento.

Quando finalmente resolvo tentar encontrar o caminho de volta recebo outra mensagem.

Odeio te ver tão triste. Você deve ter chorado rios.

Dessa vez não há imagens. Me pergunto se ele só está rindo de mim. Mas aí vejo uma placa azul com letras brancas desbotadas pelo tempo. Arranco as plantas que a cobrem e leio o que está escrito: RIO LACRIMAE 1 KM.

Contra o vento, corro. Consigo ouvi-lo assoviando ao meu ouvido. Os galhos se quebram sob meus pés e as folhas secas são pisoteadas, afundando na terra.

Lá está Austin, deitado na margem do rio. Á água é quase translúcida. Exceto pela cor avermelhada vinda do sangue escorrido do garoto que amo. Nem consigo chegar até ele. Rick pula de detrás de uma árvore com um revólver no cinto e uma faca na mão. Por reflexo coloco o braço na frente impedindo seu movimento.

Ele corta o ar com a faca, mas me abaixo e ele não me acerta. Rick segura meu braço e puxa a pulseira de Anna dele, o jogando na água. Agora a faca está quase no meu peito. A única coisa que a impede de chegar lá é toda a força que coloco para segurar a faca.

- Esse jogo é meu, Maryzinha. Eu fiz regras e sei todas de cor.

- É? Mas eu descobri uma coisa. Esses meus poderes nunca foram de jogar pelas regras. Trapaceei esse tempo todo. E se tem uma coisa que minha irmãzinha e seus dados viciados me ensinaram, é que dá pra ganhar trapaceando. É só não ser pega.

Com um movimento rápido com umas das mãos arranco a arma de seu cinto, engatilho e atiro. Bem no meio da testa. Ele cai fazendo um estrondo e levantando poeira. Tremendo, largo a arma e vou até Austin. Rick o esfaqueou no abdômen. Seguro a mão dele.

- Sinto muito por mais cedo - Austin tenta falar.

- Não, não fala.

- Eu preciso que você saiba que eu te amo.

- Eu sei. Austin, eu sei. E eu também te amo - Deixo as lágrimas rolarem.

- Cuida da minha mãe, tá? Ela vai precisar. E não desista. Nunca desista. É quem você é.

Engulo meus soluços. Não posso controlar a morte. Mas ele ainda não está morto! Seus batimentos vão minguando, mas só preciso de um.

Seguro sua mão bem apertado e faço o inimaginável. Fecho os olhos e me concentro. Ignoro a dor e me concentro mais. Uso tudo o que eu tenho. Sinto uma energia se desprender de mim; como em telas de TV, momentos do último ano passeiam ao meu redor, todos os momentos bons e os ruins. Sim, uma vida real, preenchida com risos, dores, esperança e ilusões. Mas de arrependimentos também, de coisas que eu gostaria de ter feito diferente, e que nem meus poderes me ajudaram, por que sempre precisei de muitas tentativas até acertar.

Como eu queria acertar.

Sinto um baque. Mas não estou no chão, estou de pé, no meio do pátio da escola. Sinto um geladinho e um molhado. Tem milk-shake de chocolate espalhado por sobre minha camisa branca do uniforme.

Peter passa acenando e rindo.

- Me desculpa mesmo, Mary-Kate - diz a garota do primeiro ano, com a voz alta e esganiçada.

Um garoto que parece estar perdido se aproxima. Ele é alto e magro, com o cabelo castanho claro num topete que mais parece uma franja.

- Aqui, toma. - Ele me passa uns guardanapos.

- Obrigada.

- Mary-Kate... - ele pondera. - Que loucura. Parece tão familiar - comenta, como se pensando alto e balança a cabeça.

Sorrio.

- Ah, a propósito, sou Austin. Austin Allen. - Ele estica a mão para que eu aperte, e eu aperto.

Shooting StarOnde histórias criam vida. Descubra agora