37. De volta

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Me lembro de ser arrastada. Me lembro de sentir frio. Me lembro do ar puro.

Acordo embaixo de uma pilha de folhas. Tem umas bandagens que me impediram de sangrar até a morte. Grito ao ver o corpo de Anna com três tiros na região do tórax.

Me arrasto pela terra até a beira de uma estrada. A luz forte da qual me desacostumei me faz olhar pra baixo o tempo todo.

A noite cai e faróis se acendem. Acho ser uma miragem, mas o carro para e as luzes se apagam.

O cara do banco do passageiro sai correndo em minha direção e me abraça com força. Tento afastá-lo porque o gesto pressiona meu machucado.

- Não acredito que te encontrei. – Posso reconhecer a voz de Austin em qualquer lugar.

Sou carregada até o banco de trás do carro e deitada gentilmente. Quando os faróis são ligados novamente posso ver pelo retrovisor quem está dirigindo.

Sorrio e aceno com a cabeça para Peter. Ele faz o mesmo.

Acabo pegando no sono a viagem inteira. Quando acordo estou de novo em um quarto branco e me desespero. Foi tudo só um sonho? Mas não é Rick quem está do meu lado. É Austin. Sua mão segura a minha e me acalmo.

- Como você se sente? – Austin pergunta.

Alguém que presumo ser um médico entra no quarto e o manda sair.

- Vou examinar você, tudo bem?

Depois que ele sai tento me levantar, mas sinto a dor onde fui esfaqueada. Fecho os olhos com força e coloco a mão sobre o curativo.

Um policial entra no quarto acompanhado de meus pais.

- Sou o detetive Cooper, vou estar conduzindo a investigação sobre o seu sequestro – informa.

- De que adianta? Estou em casa agora.

- Mas ele ainda está por aí. Agora me diz: consegue descrever seu sequestrador para um retrato falado?

- Talvez.

- Ele te disse porque te sequestrou?

Penso em todas as coisas que ele me disse. Vejo Peter pelo vidro da porta. Lembro do corpo de Anna. Engulo o choro.

- Estava interessado no dinheiro da minha família – minto.

- Mas sua família não recebeu nenhum pedido de resgate. O que ele fez com você durante esse mês em que você ficou desaparecida?

Minha respiração se acelera. De repente estou de volta na sala branca. Tem agulhas em mim e está doendo. Tudo dói.

- Mary-Kate? – chama minha mãe.

- Eu não sei. Eu não sei. – Começo a chorar.

- Acho que é o suficiente por hoje – meu pai diz com autoridade para o jovem detetive.

Minha mãe me abraça e meu pai acaricia meu cabelo. A enfermeira entra com um copo de suco e começo chorar de novo. Ela parece com a Anna.

Meus pais finalmente concordam em ir pra casa tomar um banho e comer alguma coisa de verdade. Prometo a eles que não vou a lugar algum.

Crystal e Margot têm de ir com eles. Me despeço com um abraço, o mais forte que consigo sem romper pontos ou meus olhos se encherem de lágrimas por causa da dor.

Spencer, Peter e Austin entram no meu quarto. Sorrio pra eles.

- É bom ter você de volta. Ótimo na verdade. Senti tanto a sua falta, amiga. Eu te amo tanto – diz Spencer e nos abraçamos, nos debrulhando em lágrimas.

Austin para e olha para o nada com a testa franzida, como se tentasse se lembrar de alguma coisa.

Levo minha mão ao meu pescoço e sinto a corrente com a ampulheta gelada contra minha pele. Achei que o tinha perdido por um momento. Quando achei ter perdido a mim mesma.

- Você nunca me disse como sabia onde Mary-Kate estava, Peter – Austin diz com os braços cruzados.

Peter gela. Posso ver a luta interna. As circunstâncias não foram as ideias, mas Peter e eu nos tornamos um pouco mais próximos, e de alguma forma, compartilhamos um momento de nossas vidas que os outros não conseguem entender, mesmo que queiram. Então, por instinto, sinto que devo protegê-lo, porque Austin pode não gostar da verdade, mas ele merece que eu a diga.

- Peter esteve lá comigo – confesso.

- E você não contou à polícia? Também queria seu dinheiro? – Austin parece mais confuso que nunca. As engrenagens giram em sua mente tentando conectar os pontos de uma forma que faça sentido.

- É mais complicado que isso. – Peter senta na cama de hospital.

Quando terminamos de contar a história, Spencer está chorando e os olhos de Austin estão mais azuis que nunca, faiscando de raiva.

- Eu confiei em você, seu desgraçado – Austin grita. Uma enfermeira passa e nos adverte com um olhar. Austin morde o lábio inferior com força. – Sai daqui. Nunca mais quero ouvir falar de você.

- Não aja como se pudesse me exigir qualquer coisa. Foi errado o que eu fiz, mas ameaçaram minha família e eu não podia não fazer nada.

- E ajudar a torturar a Mary-Kate, quem você conhece há mais tempo até do que eu, pareceu ser a resposta?

- Era a única que eu tinha naquela hora.

- Parem! – Spencer seca as lágrimas. – Ela está bem aqui e vocês agem como se não estivesse. – Ela me olha.

- Eu perdoei o Peter, Austin, tudo bem? Peter, não sei se disse em voz alta, mas eu te perdoo. – Austin solta o ar com raiva e eu amanso minha voz. – Eles me machucaram. Pra valer. Mas eu entendi. Não estou dizendo que entendo tudo, mas entendo que não era certo o que estava fazendo. Nem pra mim nem para as outras pessoas. Eu já voltei tantas vezes. Fui tão egoísta. Mas estou pagando por esses erros.

- Isso não é justiça – Austin fala com amargura.

- Talvez não. Mas as coisas precisam de um equilíbrio. Tudo na natureza precisa. Cada vez que eu volto ao passado, pago com o tempo da minha vida equivalente – conto. – E eu já voltei vezes demais.

- Ela precisa descansar – uma enfermeira que não parece com Anna fala pela porta entreaberta. – Vocês podem voltar amanhã no horário de visitas.

Spencer e Peter me abraçam de leve e sorriem antes de sair, mas seguro a mão de Austin.

- Você precisa descansar. Vou estar ali fora. – Ele força um sorriso.

- Guardei uma parte da história só pra você. Uma parte que só pertence a nós.

A curiosidade o mantém ali.

- Eu descobri o porquê você pode perceber quando eu volto no tempo.

- Sério? E por quê?

- Um pedido a uma estrela cadente.

Shooting StarOnde histórias criam vida. Descubra agora