39. A coisa mais difícil e a mais incrível

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A dra. Sullivan é minha psicóloga. Depois de passar por um trauma era natural que eu tivesse uma. Mas não me conforta. Não posso dizer a verdade. Mesmo se pudesse, não conseguiria prová-la e estou cansada de ter que provar.

Estou cansada de meias-verdades também. Pra ser sincera é mais fácil dizer do que eu não estou cansada.

Todas as sessões, sento com a psicóloga de cabelo nos ombros e óculos antiquados e digo o que ela quer ouvir.

Austin vem me ver em casa, onde estou em prisão domiciliar, apesar de meus pais não chamarem disso. Faço os deveres e envio no e-mail dos professores. Minha pele está pálida e sem vida. Eu estou pálida e sem vida.

Minha mãe e Crystal me chamam para fazer compras com elas, mas recuso. Crystal puxa meu cobertor e vai até meu armário escolher o que vou vestir.

- Eu vou da próxima – digo, me cobrindo novamente.

- Você já disse isso da última vez.

Então elas me arrastam até a garagem e me fazem entrar no carro. Quero dizer que não estou pronta, mas não sei quando vou estar.

Assim que entramos no shopping sei que foi um erro ter vindo. Meus glóbulos oculares se mexem sem parar e meus pelos da nuca se eriçam. Olho desconfiada para os lados e tento acompanhar os passos animados de minha irmã e minha mãe.

Perto do banheiro vejo um cara alto, careca e gorducho. Rick não poderia estar aqui. Arriscado demais.

O cara dá um passo eu grito. Todos meus olham, mas eu pego um sapato de salto alto da sacola dourada que seguro e o ameaço. Ele me olha confuso e dá meia volta. Desabo no chão e peço desculpas às pessoas de olhos arregalados.

Quando Austin vai me ver naquela noite, não o vejo entrar. Estou absorta em memórias. O sangue no chão. Meu sangue. Dois pisos diferentes. Um lustroso e familiar, outro poeirento e desesperador. A mesma faca. Dor. Medo.

Austin toca em meu ombro, sei que é ele pelo toque. Mas grito. Ele coloca as mãos para o alto.

- Sou eu – diz suavemente.

Balanço a cabeça pra cima e pra baixo. Ele se aproxima e acho que vai me beijar, tento me afastar. Austin segura minha cabeça suavemente e beija minha testa. Desmonto.

- Me deixa entrar. Me diz o que você está pensando. O que está sentido. Eu estou aqui pra você sempre – ele suplica.

Começo a chorar. Chorar muito. Sei que não estou bonita. Mas de alguma forma não me importo. E sei que ele também não.

- Não é justo – digo entre lágrimas. – Todo esse tempo eu achei que tinha entendido, mas não é justo.

Austin me abraça e eu me agarro a ele. Sua mão faz carinho na minha cabeça.

- Sei que não, amor. Mas você é forte. Me diz do que precisa.

- Eu não sei mais. Eu só queria esquecer de tudo aquilo, mas não dá. Tenho cicatrizes que não vão me deixar.

- Foge comigo – ele diz.

Afasto o rosto para olhá-lo.

- O quê?

- Não literalmente. Só... vamos a algum lugar em que você possa dar um pause em tudo. Em que você possa sorrir ao ver o pôr-do-sol, em que você não precise ter medo.

∞֍∞

Tenho minha última sessão com a Dra. Sullivan. Nos despedimos e ela arruma bolsa.

- E Mary-Kate?

- Oi? – Olho pra ela.

- Não tenha medo de viver. É a coisa mais difícil de todas. Viver, eu digo. Mas também é a mais incrível. O segredo é que a vida é um paradoxo. E você não pode ter as coisas boas se não tiver as ruins também. Exige coragem, mas vale a pena. Então, viva.

E é o que eu faço.

Shooting StarOnde histórias criam vida. Descubra agora