Capítulo 8

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Clara levantou-se irritada.
—Tem certeza de que ele disse isso?
— Tenho, Clara. Se não lhe dermos o dinheiro, vai nos multar e proibir a venda em nosso
bazar.
— Bem que Domênico me disse que eu deveria registrar nossa firma. Mas fiz as contas e vi que precisaríamos gastar muito. Queria esperar um pouco mais, até juntarmos o dinheiro.
— Quando ele tocou a campainha dizendo que queria fazer compras, eu fiquei desconfiada. Respondi que não tínhamos nada para vender. Então ele mostrou a carteira, disse que era
fiscal e que tinha recebido uma denúncia. Não tive como impedi-lo de entrar.
—Denúncia? Quem teria feito isso? As pessoas que compram aqui são nossas amigas.
—Não sei. O fato é que ele sabia de tudo. Até o local onde está a mercadoria, o horário em que as crianças estão na escola, tudo. Foi um horror.
—O que mais ele disse?
— Que tinha de nos multar e apreender toda a mercadoria. De nada adiantou alegar que se
tratava de objetos e roupas usadas, que era um bico para poder sustentar a casa, que o volume de negócios era pequeno. Queria mandar colocar tudo no carro. Pedi-lhe que não o fizesse. No fim, pediu que lhe déssemos duzentos mil cruzeiros em dinheiro. Respondi que íamos tentar arranjar o dinheiro e pedi um prazo. Deu-nos três dias.
— Mas é muito dinheiro! Não dispomos dessa quantia.
— Eu sei, mas foi só o que pude conseguir: ganhar tempo.
Clara sentou-se passando a mão pelos cabelos, como que para afastar a preocupação.
— O que vamos fazer? Logo agora que estávamos indo tão bem...
— O melhor será registrar a firma. Temos algum dinheiro, faremos economia em casa, vamos conseguir. Não podemos desistir agora.
— Mas e se não arranjarmos o dinheiro e eles levarem toda a nossa mercadoria?
— Tenho fé em Deus que eles não vão conseguir. Hoje mesmo vou ao centro de Dona Lídia pedir uma ajuda espiritual.
Clara olhou para ela e não disse nada. Por mais ajuda que tivessem, a verdade era que não tinham tanto dinheiro. Se ao menos ela tivesse a quem recorrer... Não ia pedir ajuda ao patrão. Ele já lhe dera muitas mercadorias, e não tinha coragem de pedir mais. Depois, Domênico havia insistido para que ela registrasse devidamente sua firma. Não seguira sua orientação e agora tinha vergonha de queixar-se com ele.
Dispunha de três dias para pensar, mas sabia por antecipação que não tinha de onde tirar esse dinheiro.
Foi para o trabalho e durante o dia inteiro remoeu o assunto, procurando uma solução.
Passava das seis quando saiu do ateliê Valter esperava-a na porta do prédio.
Durante alguns dias ele não havia aparecido e ela pensou que ele já houvesse desistido.
Tentou desviar. Não se sentia com disposição para conversar. Mas não teve como, porque ele estava na porta.
— Como vai, Clara?
— Bem, obrigada.
Ela foi saindo e ele a segurou pelo braço.
— Espere um pouco. Quero conversar com você.
— Não temos nada para conversar. Sinto muito. Estou cansada e quero ir para casa.
— Tenho uma proposta a lhe fazer. Coisa séria.
— Não estou interessada.
— Vamos tomar um café ali na esquina. Quero que me ouça.
— Não posso. Preciso chegar em casa logo.
— Cinco minutos. Puxa, pelo menos um pouco de atenção em nome dos velhos tempos.
— Que eu não quero lembrar.
— Vamos entrar. Apenas cinco minutos, eu prometo.
Clara deixou-se conduzir desanimada. Sentou-se e esperou. Ele pediu café e alguns salgadinhos.
— Hoje fechei um bom negócio e recebi excelente comissão. Fiquei feliz. Pensei em comprar uma boa casa, em assentar minha vida, em me casar.
Ela não respondeu, ele continuou:
— Nunca deixei de amá-la Clara. Você é a mulher de minha vida. Tentei esquecê-la, mas foi inútil. Além disso, sinto-me culpa do pela sua infelicidade. Eu destruí sua paz, sua
família. Seus filhos estão sem pai. Pensei muito, mas só agora tenho meios para oferecer a você e a seus filhos uma vida confortável. Por isso lhe peço que se case comigo.
— Não posso. Ainda sou casada.
— Osvaldo desapareceu. Ninguém sabe onde está. Pode ser declarado morto. Se isso demorar, podemos nos casar no Uruguai.
— Você pensou em tudo, não é? Menos que eu não desejo me casar. Estou muito bem como estou. Agora preciso ir. Deixe-me em paz.
— Estou lhe fazendo uma proposta honesta, colocando minha vida em suas mãos. Por que está sendo tão dura comigo? Prefere passar o dia inteiro trabalhando fora, longe de seus filhos, quando poderia ficar em casa, com conforto? Hoje eu posso cuidar do seu futuro.
— Não quero nada com você nem com ninguém. Agora só quero trabalhar, criar meus filhos e viver em paz.
— Você me amava. Não pode ter esquecido.
— Nunca amei você. Foi uma grande ilusão da qual me arrependi amargamente. Entenda de uma vez por todas que acabou. Deixe- me em paz.
Ele a olhou nos olhos, trincou os dentes com raiva e segurou o braço dela com força, dizendo:
— Pense bem. Se não aceitar minha proposta, vai se arrepender Isso eu garanto!
— Não preciso pensar. Não quero nada com você. Agora vou indo. Boa noite.
Clara levantou-se e saiu. Válter seguiu-a com os olhos brilhantes de rancor. Ela teria de reconsiderar. Quando estivesse na miséria e perdesse o emprego, não lhe restaria outro recurso senão aceitar.
A cada dia desejava mais aquela mulher. Os momentos de intimidade que haviam vivido não lhe saíam do pensamento. Nunca fora derrotado por mulher nenhuma. Não seria ela a primeira.
Clara chegou em casa nervosa. Válter olhara para ela com raiva ao ser recusado. Sentiu um aperto no peito. E se o que Margarida dissera fosse verdade? E se ele representasse mesmo um perigo?
Sacudiu os ombros como se isso pudesse afastar aqueles pensamentos. Estava impressionada pelo que acontecera à tarde. Válter não podia prejudicá-la. Esforçou-se para esquecer e recuperar a serenidade.
Mas o problema do dinheiro ainda estava sem solução. O que fazer?
Quando o prazo dado pelo fiscal expirou, Clara sentiu-se arrasada. Não haviam conseguido o dinheiro.
Pela manhã Rita perguntou aflita:
— Hoje vence o prazo. Se o fiscal voltar, o que faremos?
Clara suspirou resignada.
— Não dá para fazer nada.
— Eles vão levar nossa mercadoria, vamos perder tudo.
—Estamos nas mãos deles, Rita. Não posso faltar hoje no ateliê.Devem ir algumas clientes que só compram comigo.
— Depois de termos trabalhado tanto, não é justo entregarmos tudo a eles. Seria preferível dar aos pobres.
— Concordo com você. Pelo menos teriam utilidade. Para eles não vale nada.
— Pois eu tenho fé que Deus vai nos ajudar. Dona Lídia garantiu que ia rezar por nós.
Clara não respondeu. Gostaria de ter a fé de Rita para sentir-se mais encorajada, mas não acreditava que isso as pudesse ajudar.
— Vou trabalhar. Se acontecer alguma coisa, você telefona.
Depois que ela saiu, Rita resolveu procurar Dona Lídia. Deixou as crianças na escola e foi até lá.
Assim que ela abriu o portão, foi logo dizendo:
— Não conseguimos o dinheiro. Não sabemos o que fazer. Vamos perder tudo.
— Calma. Vamos ver se encontramos alguma solução. Entre. Sente-se.
— A senhora sabe o quanto temos lutado para manter a casa. Tem acompanhado nossas dificuldades.
— É verdade. Mas não se desespere. Deus vai nos ajudar.
De repente, Rita levantou-se:
— Dona Lídia, a senhora ajuda muito os pobres, teria como ir buscar aquela mercadoria?
— Temos a caminhonete, mas tem certeza de que deseja fazer isso?
— Tenho.
— E Clara, vai concordar?
— Conversamos, e ela também prefere. Precisamos ir antes que eles apareçam.
— Está bem, vou chamar Alípio.
O prédio do centro espírita ficava ao lado da casa de Lídia. Alípio morava nos fundos e dirigia a caminhonete.
Ele apareceu e foram buscar a mercadoria. Colocaram tudo rapidamente na caminhonete.
— Eu vou ficar e limpar tudo. Eles não vão encontrar mais nada.
— Rita, à noite, quando Clara chegar, vocês vão até minha casa. Temos de conversar.
Eles se foram e Rita sentiu-se aliviada. Encontrara uma boa solução. Passava das três horas quando finalmente o fiscal tocou a campainha.
— Então, o prazo acabou. Como ficamos?
— Achamos que o senhor estava certo. Pode crer que nós não sabíamos que para vender aos vizinhos algumas roupas usadas teríamos de ter uma licença.
— Vão regularizar tudo?
— Não. Decidimos acabar com isso. Doamos tudo ao centro espírita de Dona Lídia, que fica próximo daqui. Ela vai distribuir aos pobres.
O fiscal abriu a boca, fechou-a novamente e depois decidiu:
— Havia muita coisa. Não acredito que tenham dado tudo. Vamos fazer uma vistoria.
— Faça o favor de entrar.
Ele chamou o outro que ficara no carro e entraram. Enquanto se encaminhavam para o quarto onde estava o bazar, Rita disse amável:
— Os senhores aceitam um café? Coei agora.
Eles não responderam. Vasculharam todos os compartimentos da casa. Ao sair, o fiscal disse:
— Olhe aqui, isso não vai ficar assim. Não pense que nos enganam. De hoje em diante estarei de olho em vocês.
— Vai perder tempo. Não vamos mais vender nada.
Depois que eles se foram, Rita sentou-se na cadeira e, satisfeita, colocou café na caneca.
Haviam perdido a mercadoria mas fizeram uma caridade e ao mesmo tempo não deram dinheiro àquele malandro.
Depois de tomar seu café, Rita telefonou para Clara contando lhe tudo. E finalizou:
— Sabe que apesar de tudo estou aliviada? Nem imagina a alegria que senti vendo a cara de decepção deles.
— Rita, você não existe! Apesar de havermos perdido tudo, também estou satisfeita. Diante
das circunstâncias, foi a melhor solução.
Clara desligou o telefone contente.
— Boas notícias? — indagou Domênico, que a observava.
— De certa forma, sim.
— Observei seu nervosismo nos últimos dias.
— Agora posso contar-lhe o que aconteceu.
Em poucas palavras colocou-a a par dos acontecimentos e concluiu:
— Você tinha razão ao aconselhar que regularizássemos nossa firma. Como eu não segui seu conselho, tive vergonha de contar-lhe o que aconteceu. Agora terei de começar do zero.
— A experiência vale mais do que muitos conselhos. Espero que desta vez comece abrindo uma firma.
— É o que faremos.
A noite, Clara e Rita levaram as crianças e foram conversar com Lídia, que as recebeu com prazer, conduzindo-as à sala de estar.
Clara não a conhecia pessoalmente, mas vendo-a percebeu por que Rita gostava tanto dela.
Era uma mulher simples, simpática, bem-educada.
— Pedi-lhes que viessem para lhes propor um negócio. Vocês doaram ao nosso centro o produto de meses do seu trabalho e de onde tiravam o sustento da própria família. Agradeço de coração terem se lembrado de nós para fazer esse donativo. Há mais de quinze anos eu e alguns amigos abrimos este centro espírita para ajudarmos as pessoas a estudarem a vida espiritual, e com a graça de Deus temos conseguido realizar um bom trabalho. Tudo que fazemos aqui é gratuito. Ninguém paga nada pela ajuda que recebe no centro, mas, como podem imaginar, temos algumas despesas naturais: água, luz, telefone, faxineira e alguma ajuda aos pobres, pois mantemos uma assistência social. Há algum tempo eu vinha pensando em obter uma forma de cobrir as despesas sem que fosse preciso apelar para os jantares, almoços ou chás beneficentes. Havia pensado de abrir um bazar no qual as pessoas pudessem comprar coisas por um preço módico e que ao mesmo tempo oferecesse pequeno lucro para manutenção da obra. Quando Rita apareceu hoje, eu havia acabado de rezar pedindo orientação aos meus amigos espirituais para começar. Sei que para vocês deve ter sido triste, mas para nós significa que foi a maneira que Deus encontrou para nos ajudar.
Sei que vocês trabalharam meses para juntar tudo isso e não é justo que percam tudo. Então encontrei uma forma que vai servir para todos nós. Resolvi montar esse bazar e dividir o dinheiro com vocês. De tudo que trouxeram, metade para o centro e metade para vocês.
Clara olhou surpreendida para ela e não encontrou palavras para responder.
— Então — continuou Lídia —, está bem assim?
— Não sei se devemos aceitar... — disse finalmente Clara.
— Devem, sim. Vocês nos ajudaram e nós nos sentiremos felizes em retribuir.
— Bem, não posso negar que o dinheiro de nossas vendas nos fará muita falta. Meu salário é insuficiente para pagar todas as nossas despesas.
— Então está resolvido. Amanhã mesmo arrumaremos tudo e abriremos nosso bazar.
— E a licença? — indagou Rita preocupada.
— Nosso centro é devidamente registrado e pode manter um bazar beneficente.
— Vamos fazer o seguinte, Dona Lídia — propôs Clara. — Nós pretendemos continuar com nosso negócio. Vamos abrir uma firma, regularizar tudo. Para isso, precisaremos de
dinheiro e não temos como obtê-lo. Aceitamos sua proposta só enquanto precisarmos.
Assim que tivermos tudo regularizado, não receberemos mais nada.
— Isso mesmo — concordou Rita satisfeita.
— Que seja. Fica combinado assim. Agora vamos chamar as crianças que estão brincando com meus netos no quintal e tomar um café com bolo.
A partir daquele dia, Clara passou a relacionar-se com Lídia. Gostava de conversar com ela, falar da educação das crianças. Percebendo seu bom senso, aos poucos começou a falar de sua vida, abrindo seu coração como nunca fizera a ninguém.
Era um domingo à tarde e elas estavam na sala da casa de Lídia tomando café enquanto as
crianças brincavam no quintal. Marcos e Carlinhos haviam se tornado amigos dos dois netos de Lídia. Eram quase da mesma idade.
Seja por causa da tarde agradável, do momento calmo, do cafezinho gostoso ou porque o carinho de Lídia a fizesse lembrar-se do aconchego familiar que havia perdido, Clara começou a falar de sua vida, contando tudo que lhe acontecera.
Lídia ouviu atenciosa e, apesar de Clara não atenuar seus erro assumindo toda a culpa do
que lhe acontecera, ela não teve uma palavra de reprovação. No final, limitou-se a dizer simplesmente:
— O importante é que com tudo isso você cresceu em experiência . Isso é o que conta.
— É verdade. Se fosse hoje, eu não teria me envolvido. Mesmo sentindo paixão por outro homem, teria respeitado meu marido.
Calou-se por alguns segundos, depois continuou:
— Não sei o que foi feito dele. Isso às vezes me incomoda. Sempre foi um homem bom, marido exemplar. Nós nos casamos por amor.
Quando se lembrar dele, não fique se culpando. Você errou, mas ficar rememorando o passado agrava o problema.
— É difícil não me sentir errada, o arrependimento dói principalmente por saber que não há como remediar. Por mais que eu faça, nunca poderei apagar da nossa lembrança o que
aconteceu. Essa ferida vai machucar sempre.
— A vida prossegue, e você ainda é muito moça. Além disso, tem dois filhos para criar. Por ter cometido um erro, você não é errada. Não seja radical. Tanto isso é verdade que
conseguiu manter a dignidade. Saiba que eu a admiro muito por haver assumido sua responsabilidade e estar se esforçando para refazer sua vida honestamente. Teria sido muito
mais fácil aceitar o que Válter está lhe propondo, ir morar com ele e deixar que a sustentasse, bem como seus filhos.
— Se eu o amasse, talvez fizesse isso. Mas agora, olhando para ele, não sinto nada do que sentia antes. Não sei como pude trocar Osvaldo por ele.
— A paixão cega, ilude, mas um dia acaba. Não é amor.
— Tem razão.
— Um dia, quando menos esperar, o amor voltará e você será feliz de novo.
— Não, Lídia. Não quero mais me envolver com ninguém. Chega de me machucar. Não estou preparada para começar tudo de novo. Além disso, não quero dar um padrasto para os
meninos.
Lídia sorriu e seus olhos brilhavam quando disse:
—O mundo dá muitas voltas, Clara. Tudo passa e se renova.
— Para mim essa fase já passou. Pretendo ganhar dinheiro para dar uma boa educação aos meninos e poder tornar-me independente pelo resto da vida. Agora descobri que sou capaz de fazer isso, e sinto-me muito bem assim. Depois, não sei o que foi feito de Osvaldo.
Continuo casada com ele. Às vezes penso que pode ter morrido.
— Por que diz isso?
— Era um pai muito amoroso. Não gostava de ficar longe dos filhos. Ele nunca mais nos procurou, sua família também não sabe dele.
Pode ter morrido mesmo.
— Ele está vivo, Clara. Pode ter certeza.
— Por que diz isso?
— Se tivesse morrido, eu saberia.
Disse isso com tanta segurança que Clara olhou admirada para ela. Apesar de serem amigas e ela dirigir um centro espírita, nunca tinham falado a respeito. Rita freqüentava as reuniões do centro e a convidara várias vezes, mas Clara nunca aceitara. Não gostava de envolver-se
com nenhuma religião. Sua experiência na igreja deixara-a descrente. Curiosa, perguntou:
— De que forma
— Meus amigos espirituais teriam-me avisado. Depois, enquanto você contava sua história, eu vi seu marido. Está longe, em um lugar cheio de plantas, em companhia de várias pessoas.
— Como sabe que é ele? Nunca lhe mostrei nenhum retrato e não o conheceu.
— Eu o vi e sei que é ele. É um rapaz alto, está muito magro, moreno-claro, cabelos castanhos ligeiramente ondulados, repartidos de lado, que por vezes lhe caem na testa, e ele
costuma passar a mão colocando para trás. Esse é um gesto que ele sempre faz. Testa alta, olhos grandes cor de mel, lábios carnudos e bem delineados, queixo largo com ligeiras covinhas no centro.
Clara levantou-se surpreendida.
— É ele mesmo! Muitas vezes ele passava brilhantina para segurar os cabelos penteados.
Mas eu preferia que ele os deixasse soltos. Parecia um menino.
Pelos olhos de Clara passou um brilho emocionado e ela não conseguiu reter as lágrimas.
Passou a mão pelos olhos e disse com voz trêmula:
— Desculpe. Não pensei que a lembrança dele ainda me emocionasse. Mas é que eu não
esperava e você o descreveu perfeitamente.
— Não precisa justificar-se. Sua emoção é natural. Depois, falando no assunto nos ligamos energeticamente com ele e captamos sua energia. Foi por isso que eu lhe aconselhei que, ao lembrar-se de seu marido, procure pensar só nos bons tempos. Evite dramatizar o passado.
Assim como você sentiu a energia dele e isso a emocionou, ele deve ter sentido a sua, ter se lembrado. O pensamento é um correio direto, e é preciso estar atenta para não mandar para as pessoas energias pesadas e tristes.
— Ele deve ter raiva de mim. Deve estar magoado, triste.
— Está magro, sofrido, queimado de sol.
— Onde estará? Por que não nos procura pelo menos para saber das crianças?
— Não sei. Talvez a ferida ainda esteja doendo muito.
Clara ficou calada por alguns instantes, depois perguntou:
— Se eu pensar coisas boas, ele vai se sentir melhor?
— Vai ajudar.
— Vou tentar fazer isso daqui para frente.
— Você também se sentirá melhor. É muito ruim ficar pensando no que já foi e que não tem remédio. É inútil e prejudicial. Jogue fora seu passado. Ele já foi e não volta mais.
— Não volta mas continua me pesando. Nunca fui muito religiosa, mas tenho medo de ser castigada pelo meu pecado. Minha mãe falava isso quando eu era criança.
— Não acredite. Deus não castiga ninguém. Cada erro tem um preço que as pessoas pagam para aprender. Quando aprendem, amadurecem e erram menos. Isso é progresso, e
progresso é lei da vida. Tire essas idéias de crime e castigo de sua cabeça para que não venha inconscientemente a se punir para castigar a si mesma. Muitas pessoas acabam se punindo, pensando assim “pagar” por seus erros. Criam sofrimentos inúteis e evitáveis.
— O que fazer então?
— Se alguma coisa não deu certo, não se culpe. Você fez o que lhe pareceu melhor no momento. O resultado não foi bom, você não gostou, procure agir de outra forma. É o que está fazendo no presente que determinará seu futuro.
— Tem razão. Hoje eu não me deixaria levar pela tentação.
— Pagou o preço e aprendeu. E assim que a vida ensina.
Clara ficou calada por alguns segundos perdida em seus pensamentos. Por fim disse:
— Se eu pudesse voltar atrás, como seria bom!
Lídia sorriu e respondeu:
— Você precisou perder para valorizar.
— Eu amava meu marido.
— Se estivesse mais consciente dos seus sentimentos, não teria se envolvido com outro.
— Teria percebido que a realidade era melhor do que o sonho. Eu vivia com a cabeça cheia de sonhos, acreditava em “alma gêmea”,amor arrebatador. Osvaldo, apesar das qualidades,
não era um príncipe encantado.
— Essa é uma inversão de valores perigosa. Você não quis largar o sonho e ficar com a realidade. Preferiu a ilusão. Hoje você sabe que escolheu errado.
— Estou arrependida.
— Procure esquecer. Da próxima vez escolherá melhor.
— Próxima vez? Não quero mais saber de ninguém. Vou cuidar de minha vida, criar meus filhos e nada mais.
Lídia sorriu e não respondeu. Ela sabia que a ligação de Clara com Osvaldo fora rompida mas não terminara. A sabedoria da vida um dia os colocaria de novo frente a frente e então teriam de decidir o rumo que dariam a suas vidas.

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