Capítulo 27

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Clara olhou para o calendário pensativa, O ateliê ficaria fechado quinze dias. Gostaria de viajar com os meninos para descansar, aproveitando as férias escolares.
Desde o encerramento das aulas, no final de novembro, eles pouco ficavam em casa, passando a maior parte do tempo com o pai e os fins de semana no sítio.
Não era justo. Queixava-se com Rita:
— Eles estão me deixando de lado. Moram mais com o pai do que aqui.
— Não é nada disso. Eles gostam das atividades de Osvaldo. Há um grupo de jovens com os quais fizeram amizade. Sentem-se bem com eles.
— Eu também gosto do trabalho espiritual. Tenho me sentido muito bem frequentando o centro de Dona Lídia. Quando posso, colaboro com o trabalho assistencial. Mas não estou lá todos os dias.
Rita sorriu e respondeu:
— Não dá para imaginar como é no sítio. Se você fosse ver, tenho certeza de que
entenderia. Marcos gosta de uma garota, estão sempre juntos. Penso que já estão
namorando.
— Não gosto de ver meu filho namorando tão novo, ainda mais com uma moça que não conheço.
—Eu conheço. É muito bonita e educada, de boa família. Não tem com que se preocupar. E Carlinhos lá é como um rei. Vive paparicado por todos.
— Não sei se isso é bom para ele.
— É que ele leva alegria, música, aonde vai. Todos gostam dele As garotas ficam em volta, as mães levam coisas gostosas para o lanche porque Carlinhos gosta. Você precisa ver.
— Estive olhando os prospectos de viagem. Hoje quando eles vierem vamos programar tudo.
— Você está precisando mesmo sair um pouco.
Depois do jantar, os dois rapazes foram para o quarto e Clara ainda ficou mais um pouco conversando com Rita. Quando ela subiu, ou viu que os dois se entretinham com o violão
cantarolando e conversando. Entrou:
— É bom vê-los tão alegres.
— Carlinhos está compondo uma melodia e me pediu para fazer a letra. Eu fiz, mas não é fácil rimar e fazer dar certo nos compassos da melodia.
— Não sabia que tinha dois filhos compositores.
— Estamos tentando — explicou Carlinhos. — Marcos quer a música pronta para o próximo fim de semana.
— Você disse que podia fazer isso.
— Por que tanta urgência? — indagou Clara.
Carlinhos fez um gesto largo e disse com voz teatral:
— Porque temos de criar um momento romântico.
Marcos interveio:
— Não exagere. Você quer ou não fazer essa música?
— Quero.
— Subi para conversar — disse Clara sentando-se na cama. — Estamos de férias. Tenho quinze dias. Pensei em aproveitarmos e irmos para um lugar bem bonito, um hotel cinco
estrelas, tudo.
Os dois a olharam surpreendidos, entreolharam-se e não responderam logo.
— O que foi, não gostaram? -
— Não é isso, mãe — começou Marcos. — É que não sabíamos e fizemos outros projetos.
Combinamos com alguns amigos...
— É... — reforçou Carlinhos. — Eu me comprometi a tocar, e as pessoas contam com isso.
Elas se programaram.
Clara levantou-se irritada.
—Naturalmente é nesse bendito sítio aonde vão todos os fins de semana.
— Por que implica tanto com o sítio? Pois você está enganada. Não há nada lá. As
atividades estão suspensas até fevereiro.
— Então não entendo.
Marcos levantou-se e abraçou-a tentando contornar.
— Você não nos disse nada, nós não sabíamos. Mas, se faz tanta questão, veremos o que será possível fazer.
— Pois eu prefiro ficar e fazer o que prometi. Combinamos com vários amigos o que faríamos nessas férias. Vamos nos reunir cada fim de semana na casa de um. Eu levo a música e as outras pessoas colaboram com a comida e a bebida. Se eu não for, eles vão suspender tudo.
— Estou vendo que vocês preferem ficar com os amigos a viajar com a mãe. Nesse caso, desisto.
Clara deixou o quarto, e Marcos considerou:
—Talvez possamos fazer o que ela pede. Viajar com ela pelo menos uma semana.
— Mamãe precisa entender que temos nossos compromissos. Não é ela quem vive falando que é preciso cumprir o que prometemos?
— Estou notando que você está muito interessado nesses encontros. Não seria por causa daquela lourinha que nos dois últimos fins de semana ficou grudada em você o tempo todo?
Como é mesmo o nome dela?
— Liliana.
— Você capricha mais quando ela está perto.
— O que há de errado? Pensa que é só você que pode ter uma garota?
Marcos sorriu satisfeito.
— Ela fica perto porque gosta de música. Não se anime muito. Você é que pensa. Ela está mesmo me dando bola.
— E você está gostando.
— Estou. Ela não vai viajar nestas férias. Eu quero ficar com ela. Mamãe poderia viajar com Rita. Elas se divertiriam mais. Gostam das mesmas coisas.
— Para ir de má vontade é melhor não ir. Vou conversar com mamãe. Ela vai entender.
— Não vá jogar a culpa toda sobre mim. Você também quer ficar com Eunice. Quer dedicar essa música a ela.
Marcos encontrou a mãe na sala lendo. Sentou-se a seu lado.
— Mãe, ficou aborrecida conosco?
Clara colocou o marcador e fechou o livro:
— Estou decepcionada. Pensei em dar-lhes uma grande alegria com essa viagem, mas enganei-me.
— Gostaria que entendesse que nós crescemos. Gostamos de estar com você, mas é muito bom fazer amigos, namorar, viver a nos juventude. Você mesma sempre diz que é o melhor
tempo da vida. Preferindo estar com os amigos, não estamos nos afastando de você.Seu lugar ninguém tira.
Clara olhou nos olhos de Marcos e notou sua sinceridade. Sorriu e respondeu:
— Eu entendo, meu filho. Não se preocupe. Vocês têm razão. Eu havia me esquecido como é na juventude. Vocês podem fazer o que quiserem.
— Por que você não viaja com Rita? Seria uma boa companhia.
— Há a loja. Mas vou pensar.
Quando ele voltou para o quarto, Clara sentiu voltar a sensação de vazio no peito. Por quê?
Sabia que um dia seus filhos iriam embora, cuidar da própria vida.
Eles haviam crescido muito depressa. Clara não queria se transformar em uma mãe queixosa como tantas que conhecia, cobrando dos filhos o retorno do amor e da dedicação que lhes dera.
Mas teria forças para desapegar-se deles? Estava sendo difícil aceitar o amor deles pelo pai.
Como seria no dia em que resolvessem casar, assumir o amor por outra mulher?
Rita aproximou-se com uma xícara de chá.
— Tome, Clara, é daquele que você gosta.
Ela apanhou a xícara.
— Obrigada.
— Você estava tão entusiasmada com a viagem. O que aconteceu, por que está com essa cara?
— Hoje descobri que meus filhos cresceram. Programei a viagem com eles sem os consultar e não deu certo.
— Eles tinham outro programa.
— É. O que me deixou chocada foi que eles se esforçaram para me agradar, mas odiaram a idéia.
— Não se aborreça. A reação deles é natural. Estão descobrindo a vida, o sexo oposto, as amizades.
— Eu sei. Reconheço isso. Mas confesso que não esperava. Qual quer dias destes vão querer casar, assumir a própria vida, e eu terei de aceitar.
— É a vida, Clara. Mas você deve viajar assim mesmo. Faça uma excursão. Sempre terá companhia. Eu tomarei conta de tudo.
— Não. Não seria a mesma coisa. Vou descansar em casa mesmo. Abriu novamente o livro e reiniciou a leitura.
Osvaldo chegou em casa na sexta-feira à tarde. Durante as férias das atividades no sítio, ele ia para lá nas segundas-feiras e trabalhava no laboratório até sábado cedo, quando voltava à cidade.
Estava satisfeito com as pesquisas, que a cada dia se tornavam mais específicas e os resultados, melhores.
Os produtos devidamente licenciados que lançara no mercado estavam tendo boa aceitação e começavam a render um lucro razoável, que Osvaldo investia na empresa, principalmente
na área das pesquisas.
Claro que seus produtos não eram como os existentes no mercado. Iam acompanhados de um folheto com orientação metafísica para determinados tipos de sintomas, deixando claro que a ajuda energética que eles continham precisava ser acrescida de um ambiente especial que os pensamentos do paciente teriam de criar para que o efeito fosse completo.
Devido à grande procura de pessoas interessadas em aprender mais, Osvaldo estava treinando um grupo de terapeutas sensíveis à mediunidade para dar atendimento.
Orientados pelos espíritos, que consideravam a necessidade de a pessoa valorizar a ajuda recebida, cobravam preços módicos pelo atendimento.
Estava com saudade e telefonou para os filhos. Rita atendeu e chamou Carlinhos. Depois de saber como estavam, Osvaldo convidou-os para jantar.
— Sabe o que é, pai? Hoje vamos nos reunir na casa de Flávio. Combinamos tocar.
— A que horas vocês vão?
— Lá pelas duas.
— Nesse caso, venham almoçar comigo e depois eu os levo de carro até lá.
Eles chegaram com a alegria de sempre. O almoço decorreu descontraído. Quando faltavam quinze para as duas, saíram.
Osvaldo tinha dado folga ao motorista e foi pessoalmente leva-los. Saíram conversando animados e não notaram um carro estacionado em frente à casa.
Dentro dele estavam Válter e seus dois amigos.
— Veja, é ele com os filhos. Vamos segui-los.
— Não, agora não — disse Bertão. — Vou fazer as coisas do meu jeito. Concordei em fazer o que me pediu, mas não vou correr riscos desnecessários.
— Tudo bem. Faça como quiser, mas acabe com ele.
— A casa é muito grande — disse o outro.
— É, Neco. Mas entrar lá pode ser mais arriscado.
— O lucro será maior. Depois, tenho observado. Os criados dormem em um apartamento fora da casa. São velhos e não há vigia. Sei a disposição de todos os cômodos da casa.
— Em dez dias conseguiu ver tudo isso, Neco?
— Eu vesti aquele velho uniforme da companhia de gás e entrei na casa para fazer uma vistoria a pretexto de uma reclamação de vazamento.
— O quê? Você não podia ser visto por Osvaldo — disse Válter assustado.
— Ele estava viajando. Ficou fora a semana inteira.
— Ele vive no sítio. Seria bom pegá-lo na estrada. É deserta.
— A idéia é boa. Mas nesse caso não entraríamos na casa — considerou Neco, que não tirava os olhos dela.
— Vamos esperar um pouco mais antes de decidir. Nada pode dar errado — tornou Bertão.
— Temos de resolver logo. Estou cansado de esperar — reclamou Válter.
— Vamos estudar isso — concluiu Bertão.
Osvaldo parou o carro e os rapazes desceram.
— Quando quiserem ir para casa, liguem. O carro virá buscá-los. Não precisa. Não temos hora para terminar — apressou-se a dizer Marcos.
Ele queria sair com Eunice. Carlinhos lançou-lhe um olhar malicioso e tornou:
—Pode deixar. Se ficar muito tarde, Flávio nos leva de carro.
Osvaldo chegou em casa pensando em descansar um pouco. Recostou-se no sofá, deu uma cochilada e acordou assustado, sentindo um aperto no peito.
Levantou-se de um salto e foi à copa tomar um copo de água.
— É energia pesada — pensou, sentindo arrepios pelo corpo e certo mal-estar.
Foi para o quarto, sentou-se na cama e concentrou-se, procurando ajuda espiritual. Sentiu que estava difícil. Esforçou-se para mentalizar luz, chamando pelos espíritos amigos.
Notava à sua volta nuvens de energias escuras. Tentou descobrir de onde vinham, mas sua cabeça estava atordoada e seu rosto coberto de suor.
— É energia de encarnado — pensou, por fim. — Mas de quem? Na mesma hora, a imagem de Válter apareceu em sua frente.
Osvaldo percebeu que as energias escuras vinham dele. Sentiu que ele estava com muita raiva.
Era melhor enfrentar. Por isso olhou-o nos olhos, dizendo com voz firme:
— Não aceito suas energias. Neste momento, o que lhe pertence vai voltar para você e eu fico com o que é meu. Não quero nada de você. Não cobro nada. Eu sou eu e você é você.
Estou me desligando de você. Você vai seguir seu caminho e eu, o meu. Não temos nada a ver um com o outro. Deus é testemunha disso.
Repetiu essas palavras com tal convicção e firmeza que de repente a visão desapareceu e o mal-estar também. Respirou fundo pensando como as pessoas podem se agredir a distância.
Aliviado, fez uma oração agradecendo a ajuda espiritual.
Na tarde de domingo, Carlinhos ligou para o pai dizendo que gostaria de ir com ele passar a semana no sítio. Liliana dissera-lhe que sua mãe havia combinado com Marta de ir
trabalhar lá como voluntária na semana seguinte. Ela iria junto e queria saber se Carlinhos estaria lá.
É claro que ele disse sim e combinou com o pai, que esclareceu:
— Amanhã vou sair muito cedo. É melhor vir dormir aqui esta noite. Fale com sua mãe.
Vou mandar o carro buscá-lo.
Clara concordou. Estava decidida a deixar os filhos escolherem como queriam passar as férias. Ele arrumou a mala, pegou o violão e foi para a casa do pai.
Eles se recolheram cedo. Osvaldo pretendia sair às quatro da manhã. Por isso, às duas da madrugada a casa estava às escuras. Todos dormiam.
Um carro de faróis apagados parou no portão dos fundos e dois homens encapuzados portando armas desceram enquanto outro ficou esperando no carro.
Eles haviam calculado tudo e decidido não esperar mais. Válter havia convencido Neco a não levar nada da casa.
— Vamos pedir um bom resgate. Esse dinheiro será para vocês. Eu só quero tirar esse cara do caminho. Ficarei satisfeito com isso.
— Quer dizer que, mesmo se pagarem, ele não vai voltar para casa — disse Bertão rindo.
— Claro que não — confirmou Válter. — Mas o dinheiro será de vocês.
— Vamos logo — impacientou-se Neco.
Eles pularam o muro e foram à porta dos fundos. Neco começou a trabalhar na fechadura e logo a porta se abriu.
Os dois entraram. Sabiam qual era o quarto de Osvaldo. Durante a vigia, Neco havia observado tudo. Podia entrar na casa mesmo no escuro.
Em poucos minutos estavam no quarto de Osvaldo, que dormia. Aproximaram-se da cama,
e Bertão colocou o revólver na cabeça dele, dizendo:
— Acorde. Isto é um assalto!
Osvaldo abriu os olhos ainda sonolentos mas logo viu o brilho da arma e o vulto ao lado da cama.
— Levante-se em silêncio. Você vai comigo.
Osvaldo obedeceu.
— O que querem? — indagou.
— Você. Vista-se rápido e vamos embora.
Osvaldo procurou ganhar tempo.
— Está muito escuro aqui. Vou acender o abajur para poder me vestir.
— Não vai acender nada — disse Neco.
— Não estou vendo nada. A luz do abajur é fraca. Não haverá perigo.
— Acenda e vista-se rápido, então. Temos pressa.
Osvaldo acendeu e procurou vestir-se devagar, mas eles o ameaçaram insistindo:
— Depressa, depressa, vamos! Pegue a chave e os documentos do seu carro. Vamos descer.
Se fizer o menor barulho, eu atiro — garantiu Bertão.
Osvaldo obedeceu. Desceram e foram à garagem.
— Entre no carro, vamos — disse Neco.
Nesse momento, Carlinhos apareceu na porta chamando:
— Pai, você já vai? Por que não me chamou?
— Volte para o quarto, meu filho. Não vou para o sítio agora.
Carlinhos entrou na garagem:
— O que está acontecendo? Pai...
Os dois pegaram Carlinhos, e Neco empurrou-o para dentro do carro. -
— É um assalto. Entre no carro e não faça barulho se não quiser levar um tiro.
Trêmulo, Carlinhos encolheu-se no banco enquanto forçavam Osvaldo a entrar no carro.
— Por favor — pediu ele —, deixem meu filho sair. Eu irei com vocês. Ele é só um menino.
— Não. Ele vai junto — disse Bertão.
— Eu farei o que quiserem, mas deixem-no ir — disse Osvaldo, nervoso.
— Para ele telefonar à polícia? Acha que somos bobos? Vamos embora.
Bertão sentou-se na frente ao lado de Osvaldo e mandou-o tirar o carro. Saíram. Depois de fechar a porta da garagem para não levantar suspeitas, Neco, de arma em punho, voltou ao
carro e sentou- se ao lado de Carlinhos.
— Siga em frente — ordenou Bertão.
Depois de rodarem algum tempo sob orientação de Bertão, eles pararam em uma rua deserta e o carro de Válter, que os havia seguido, parou atrás.
—Fique de olho neles enquanto converso.
Bertão desceu e foi ter com Válter.
— O que aconteceu? Quem é a outra pessoa que vocês pegaram?
— É o filho dele. Apareceu de repente e não tivemos outro remédio senão colocá-lo no carro.
— Não é possível! Como puderam fazer isso? Vai atrapalhar tudo. Não vai atrapalhar nada.
Teremos de dar cabo dos dois.
—Não posso fazer isso. Se Clara souber que matamos o filho dela, nunca vai me perdoar.
— Bobagem. Ela nunca vai saber. Podemos fazer o trabalho agora e depois jogar os corpos na represa.
— Não. Vamos esperar.
—É perigoso. Não foi isso que combinamos.
—Claro que foi, não se lembra?
Válter estava assustado e procurou ganhar tempo:
—Você pode não receber o dinheiro do resgate. Antes de pagar eles sempre exigem uma prova de que a pessoa está viva.
— Ih... Não foi isso que você disse.
—Mas estou dizendo agora. É melhor prender os dois em algum lugar e só fazer o serviço após receber o dinheiro. Não quero depois que você diga que não recebeu e fique me cobrando.
— Não estava em nossos planos. Aonde vamos levá-los?
— Você tem tantos esconderijos. Precisamos de um lugar de que ninguém desconfie.
Bertão pensou por alguns instantes, depois disse:
— Já sei. Tenho um na periferia onde guardo algumas muambas. Deve servir. Mas depois terei de encontrar outro lugar para colocar tudo. Não posso facilitar.
— Com o dinheiro que você vai ganhar, vai arranjar outro fácil e melhor. Vá, que eu vou atrás.
Bertão voltou para o carro. Fez Osvaldo e Carlinhos descerem do carro e obrigou-os a entrar no porta-malas.
Apertados, abafados e muito assustados, os dois sentiam o coração bater descompassado.
Osvaldo esforçou-se por recuperar a calma e disse ao filho:
— Vamos rezar, meu filho. Deus vai nos ajudar.
Segurou a mão trêmula de Carlinhos e continuou:
—Nós vamos sair desta, filho. Somos pessoas de bem. Nada vai nos acontecer.
O carro começou a andar e eles rezavam baixinho na escuridão do porta-malas.
Depois de algum tempo o carro parou. Eles desceram e Osvaldo notou que havia mais alguém com eles. Susteve a respiração, esforçando-se para ouvir o que diziam:
—Abra a porta que eu quero ver o lugar.
Osvaldo estremeceu. Onde ouvira aquela voz? Pareceu-lhe familiar, mas não conseguiu descobrir. Ouviu passos, depois a mesma voz disse:
— Pode ser aí. Vou indo. Não quero me encontrar com eles.
— Pode deixar. Tomaremos conta de tudo.
— Amanhã combinamos o próximo passo.
— Não estou gostando dessa mudança. Eu queria terminar tudo hoje.
Osvaldo estremeceu. Eles estavam querendo matá-los?
— Tenha calma. Tudo vai dar certo.
Escutou o barulho de um carro. Depois o carro deles andou alguns metros e parou. Abriram o porta-malas e os obrigaram a sair. Carlinhos, que estava de pijamas, tremia de nervoso e
de frio.
— Vamos andando — disse Neco, empurrando-os.
Estava escuro, e Osvaldo tentou olhar em volta para ver onde estavam, mas levou um safanão e Neco resmungou:
— O que está olhando? Vamos em frente, ande. Entre aí.
A porta estava aberta e eles obedeceram. A sala estava escura. Eles foram levados para outro aposento e a porta foi trancada por fora.
Osvaldo abraçou o filho, tentando confortá-lo.
— Você está tremendo de frio.
Tirou o paletó e fez Carlinhos vesti-lo. Depois olhou em volta.
O aposento era pequeno e sem janelas, cheirando a mofo.
— Pai, o que vai acontecer agora?
— Não sei, meu filho. Imagino que vão pedir dinheiro para nos soltar.
Tenho medo.
— Eu também tenho. Mas não podemos nos entregar ao pessimismo. É preciso ter fé. Deus pode tudo e vai nos ajudar. Você verá.
Apesar de tentar ser forte, Osvaldo estava muito assustado por causa de Carlinhos. Não conseguiam enxergar quase nada. Osvaldo puxou o filho e sentaram-se no chão abraçados.
— Vamos rezar. Estamos nas mãos de Deus.
Abraçados, eles oraram pedindo ajuda espiritual.
Bertão estendeu-se no velho sofá que havia na sala, dizendo:
— Vou dormir um pouco. Você fica vigiando. Não tire os olhos daquela porta.
— Também estou cansado.
— Acorde-me daqui a uma hora, e aí você dorme e eu vigio.
O despertador tocou e José levantou-se de um salto. Chamou Rosa e trataram de preparar-se para a viagem. Depois José foi chamar Osvaldo. A porta do quarto estava aberta. Ele entrou, procurou, mas não o encontrou.
Talvez estivesse no quarto de Carlinhos. A porta estava encostada. Bateu ligeiramente, mas ninguém respondeu. Entrou e viu a roupa do menino sobre a cadeira, e deles nem sinal.
Foi ter com Rosa.
— Não sei o que aconteceu, mas parece que já foram.
— Como já foram? Não pode ser. Osvaldo não iria partir sem nos esperar.
— Já procurei, mas os dois não estão. Vou ver se o carro está na garagem.
Voltou alguns segundos depois, dizendo:
— O carro também não está.
— Deve ter acontecido alguma coisa. Estou ficando com medo.
— Não. Vai ver que foram à padaria comprar alguma coisa.
— Duvido. As malas estão no quarto e a roupa de Carlinhos, na cadeira. Ele não sairia de pijama.
Desceram novamente à garagem.
— A porta está só encostada. Osvaldo nunca teria saído e deixa do a casa aberta.
Foram para o quintal nos fundos e José apontou o muro:
— Veja, Rosa, uma marca de tênis na parede. Alguém entrou aqui.
— Meu Deus! Deve ter sido um ladrão. Vamos chamar a polícia.
— Vamos ligar primeiro para o Dr. Felisberto.
O advogado assustou-se e aconselhou:
— Vou avisar a polícia. Não toquem em nada. Podem atrapalhar a perícia.
Rosa estava pálida e trêmula. José foi à copa e preparou água com açúcar para ambos.
— Beba, Rosa. Precisamos manter a calma.
Felisberto chegou com alguns policiais, que interrogaram os dois criados, mas eles não tinham visto nem ouvido nada. Percorreram to das as dependências da casa procurando encontrar vestígios.
Avisado por Felisberto, Durval chegou em seguida.
— Os ladrões eram dois e pularam o muro dos fundos. As marcas estão visíveis — disse um dos policiais.
Durval perguntou a José:
— Verificou se abriram o cofre? Deu por falta de alguma coisa?
— A primeira vista, não levaram nada. Vamos ver o cofre.
O advogado, Durval e o policial acompanharam José até o escritório. O cofre não havia sido violado.
— Pode ser que tenham obrigado o Sr. Osvaldo a abri-lo disse o policial.
— Pode. Mas não teriam o cuidado de fechá-lo novamente nem de colocar o quadro no lugar — disse Durval.
Eles levaram apenas os dois comentou Felisberto.
— Então não foi um assalto, mas um seqüestro. Vamos avisar o grupo anti-seqüestro e esperar que os bandidos se comuniquem pedindo o resgate — considerou o policial.
— Para mim trata-se de uma vingança — disse Durval. — Nesse caso, a vida deles corre perigo. Esperar pode ser fatal. Temos de agir depressa.
Baseado em que diz isso? — perguntou o delegado, que havia se aproximado.
— É uma longa história, doutor. Vou lhe contar.
Durval em poucas palavras contou o que sabia. O delegado ouviu com atenção.
— De fato, é uma hipótese. Vamos à delegacia tomar providências. Dois homens ficarão aqui para o caso de eles se comunicarem.
Felisberto e Durval acompanharam o trabalho policial. Para o sucesso das investigações, o delegado pediu sigilo.
— Precisamos falar com a mãe do menino — disse Felisberto, preocupado.
— É melhor esperar mais um pouco. Não vamos tomar nenhuma providência antes de falar com o chefe da divisão especial.
Durval deu o nome e endereço de Válter.
— Não vou prendê-lo agora. Vamos vigiá-lo. Se tiver alguma coisa a ver com o caso, nos dará a pista.
No estreito aposento em que estavam confinados, Osvaldo e Carlinhos continuavam sentados no chão, abraçados.
— Ainda está escuro tornou Carlinhos.
— O dia já amanheceu, mas daqui não podemos ver.
Já devem ter dado pela nossa falta. O que vai acontecer?
— Talvez avisem Durval ou o Dr. Felisberto. Eles saberão o que fazer.
— Pai, estou com medo.
— Vamos continuar rezando, meu filho. A força do mal é menor que a do bem. Nós estamos do lado mais forte.
— Espero que seja assim..
O tempo foi passando. Um dos seqüestradores abriu a porta, colocou um pacote no chão e uma garrafa de água. Fechou a porta de novo sem dizer nada.
Osvaldo apanhou o pacote. Continha um filão de pão.
—Você deve estar com fome.
— Não, pai. Meu estômago está embrulhado. Este cheiro é horrível. Essa privada ao lado
cheira mal.
Osvaldo levantou-se tateando, tentando descobrir os objetos que havia lá. Lembrou-se de que tinha fósforos no bolso. Acendeu um e olhou em volta. Havia alguns caixotes velhos,
uma mesa tosca a um canto e muita poeira.
Osvaldo pegou os caixotes e colocou-os em frente da privada, tentando isolá-la.
— Se ao menos tivéssemos uma vela — disse ele.
— Este lugar é horrível!
Osvaldo sentou-se novamente ao lado do filho. Dividiu o pão ao meio e deu-o a ele, dizendo:
— Vamos comer. Temos de conservar as forças. Nós vamos sair daqui, você vai ver.
Carlinhos pegou o pão sem vontade.
— Coma, Carlinhos. Não está ruim, é fresco.
Ele obedeceu. Depois de comer, diminuiu o enjôo.
— Vamos procurar descansar, poupar nossas forças.
Estenderam-se no chão. Osvaldo segurou a mão do filho para dar lhe coragem. Eles não podiam fazer nada senão esperar.

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