Capítulo 29

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Era madrugada. Clara deitara-se vestida e, vencida pelo cansaço, adormecera.
Sonhou que estava sentada no jardim do hospital e viu Osvaldo aproximar-se.
Ele se sentou a seu lado. Estava muito abatido e havia tanta tristeza em seu rosto que Clara se assustou.
— Osvaldo! Você ainda não pode se levantar!
Ele não respondeu. Seus olhos estavam apáticos, imóveis. Clara continuou:
— Osvaldo, você tem de reagir. Não pode ficar desse jeito! Nossos filhos estão
desesperados.
Ele estremeceu. Por seus olhos passou um lampejo de emoção.
—De que me vale viver sem você? De que me vale voltar para sufocar este
amor que nunca me deixou? É melhor eu partir. Assim, você ficará livre.
Clara sentiu que as lágrimas molhavam suas faces.
— É possível que continue me amando depois de tudo?
— Esse tem sido meu segredo. Mas estou muito cansado. Estou sem coragem de
retornar.
— Não diga isso. Você tem de viver!
Ele se levantou e foi se afastando. Clara chamou-o, mas ele se desfez como
fumaça e ela acordou chorando, sentindo o peito oprimido, o coração
descompassado.
Ela se levantou, tomou um pouco de água e respirou fundo.
— Foi apenas um sonho — murmurou.
Mas a imagem de Osvaldo, suas palavras não lhe saíam do pensamento. O
médico dissera que ele não dava acordo de si. Tanto podia voltar como entrar em coma e morrer.
Ela estremeceu horrorizada. E se ele morresse?
Sentiu o peito apertado enquanto as lágrimas continuavam molhando seu rosto.
Clara compreendeu:
“Eu ainda o amo! Se ele morrer, nunca mais serei feliz. Isso não pode
acontecer.”
Saiu do quarto e foi para a porta da UTI. Tentou entrar, mas a enfermeira não
deixou.
— Por favor — pediu Clara. Preciso vê-lo. É muito importante!
— Sinto, Dona Clara, mas não posso permitir. A senhora está muito emocionada.
Disse isso e fechou a porta.
Clara sentou-se no banco em frente. O dia estava clareando quando o médico
apareceu. Ela o abordou:
— Doutor, quero entrar para ver meu marido.
— Não convém. Ele precisa de repouso.
— Ele precisa de mim. Eu sinto. Por favor! Juro que não vou atrapalhar. Mas ele tem de saber que estou aqui.
— Se me prometer que vai se controlar, deixarei que o veja e fique por cinco
minutos.
Clara vestiu o avental branco, colocou a máscara e com o coração aos saltos
entrou. Osvaldo, pálido, respiração lenta, não parecia vivo.
Ela se sentou ao lado da cama e segurou sua mão gelada. Emocionada, fez uma
prece pedindo a Deus que salvasse a vida dele.
Depois aproximou os lábios de seu ouvido e disse:
— Volte, Osvaldo. Eu preciso de você. Nunca deixei de amá-lo. Quero que viva
para mim, para nossos filhos.
Ela repetiu essas palavras várias vezes.
— Não adianta dizer nada. Ele está inconsciente, não pode ouvir — disse o
médico.
— Ele vai me ouvir, doutor. Tenho certeza. Seu corpo pode estar doente, mas seu espírito está vivo. Ele vai voltar para a família.
A enfermeira ia intervir, mas a um sinal do médico conteve-se.
— Você está me ouvindo, não é, Osvaldo?
Naquele instante Clara sentiu que a mão dele apertara a sua e exclamou
contente:
— Ele está me ouvindo. Apertou minha mão.
— Agora chega. O paciente precisa descansar — disse o médico.
Clara não queria sair, mas ele insistiu e ela obedeceu.
— Tenho certeza de que ele me ouviu. Ele vai reagir e voltar. O senhor vai ver.
— É melhor não se entusiasmar.
Todos estamos torcendo para que ele reaja, mas é comum nesses estados o
paciente ter um espasmo. Ele não apertou sua mão conscientemente. Ele teve um espasmo.
Clara não respondeu. Tinha certeza de que Osvaldo a ouvira. Entrou no quarto e encontrou Neusa de pé.
— Eu ia sair à sua procura. Acordei e não a vi. Fiquei assustada. Aconteceu
alguma coisa?
— Sim. Consegui ver Osvaldo. Tenho esperança de que ele vai reagir.
— Graças a Deus! Estou rezando para isso. A enfermeira trouxe o café e Clara
tomou:
— Vamos comer, Dona Neusa. Precisamos estar bem de saúde para cuidar de Osvaldo quando ele sair.
Enquanto tomavam o café com leite, Clara, olhando nos olhos da sogra, disse
séria:
— Esta noite tive um sonho muito forte com Osvaldo.
— Será que ele vai morrer?
Em poucas palavras, Clara contou o sonho. Finalizou:
— Senti que, apesar de tudo, Osvaldo ainda me ama. Senti que nunca amei outro homem, O que a senhora acha disso?
— Sempre desconfiei que vocês ainda se gostavam. Você nunca teve outro, nem
ele teve outra. Isso sempre me intrigou. Só pode ser amor mesmo. Eu gostaria
muito que voltássemos a ser uma família de verdade. Agora estamos mais
experientes, tenho certeza de que viveríamos muito bem.
Clara aproximou-se de Neusa e beijou-lhe delicadamente a face. Rita, que ia entrando, olhou-as admirada. A cena era difícil de crer.
— Chegou na hora, Rita. Quer um café? — disse Clara.
— Acabei de tomar em casa. Como está Osvaldo?
Antes que Clara respondesse, a porta se abriu e o médico entrou.As três olharam em sua direção, esperando suas palavras.
— Seu marido acordou. Chama pela senhora. É melhor ir.
Clara acompanhou-o, o coração aos pulos.
— Eu disse que ele estava me ouvindo, doutor.
O médico meneou a cabeça, dizendo:
— Existem reações inexplicáveis. Pode ser coincidência.
Clara sorriu e não respondeu. Vestiu o avental e a máscara e entrou. Sentou-se ao lado da cama e pegou a mão de Osvaldo, que gemeu levemente, abriu os olhos e disse baixinho:
— Estou sonhando ou é você mesma?
— Você não está sonhando. Sou eu.
— E Carlinhos?
— Está bem. Todos estamos aqui, rezando pela sua cura. Sua mãe, seu irmão, estamos todos juntos.
Ele sorriu levemente.
— Tenha paciência com eles, Clara.
— Não se preocupe. Estamos todos nos entendendo, nos conhecendo de verdade.
Dona Neusa tem ficado comigo desde que você foi ferido.
— É bom demais para ser verdade.
Clara beliscou levemente seu braço.
— É para você sentir que está vivo e que estamos todos juntos. Agora é melhor
descansar. Está tudo bem. Não há nada com que se preocupar.
Ele se remexeu inquieto.
—Quer alguma coisa?
Ele respirou fundo e tomou:
— Sei que você está aqui, que estão todos juntos, mas...
Ele hesitou. Clara esperou. Como ele ficou calado, ela disse:
—Continue, O que ia dizer?
—Estou atordoado. Misturando as coisas. Não sei se sonhei ou se você me disse
algumas coisas..
— Eu disse que nunca deixei de amar você.
Ele fechou os olhos tentando esconder a emoção. Quando conseguiu falar,
tornou:
— Você ficou com pena de mim. Pensou que eu fosse morrer.
— Não. Eu amo você. Nunca mais duvide disso. Se deixar, vou cuidar de você
pelo resto da vida. Agora trate de descansar.
Ele apertou a mão que ela detinha entre as suas e não disse nada.
Sua voz estava embargada. Quando se acalmou, murmurou:
— Se este é um sonho, não quero acordar.
O médico chegou, examinou-o e a enfermeira aplicou-lhe uma injeção.
— Venha, Dona Clara. Seu marido agora vai dormir. Quanto mais ele descansar,
mais rápido será o processo de cicatrização.
Ela obedeceu. Uma vez fora do quarto, perguntou:
— Ele está fora de perigo?
— Está melhor, mas ainda não posso afirmar isso. Vamos esperar até amanhã.
Se a melhora se mantiver, ele irá para o quarto. Então poderei saber.
— Amãe dele e os filhos gostariam de vê-lo.
— Vou permitir a visita de um de cada vez, mas devem ficar em silêncio. Ele
está sob efeito de calmante. Não devem acordá-lo.
Clara voltou ao quarto animada. Neusa esperava-a ansiosa.
— Ele acordou e está melhor — informou Clara. — Perguntou por todos.
— Ele vai sarar? — quis saber Marcos.
— Se a melhora se mantiver, amanhã ele deixará a UTI.
Neusa quis ir ver o filho, e Antônio acompanhou-a.
Rita sentou-se ao lado de Clara.
— Quando entrei, você estava beijando a face de Dona Neusa ou foi sonho?
— Eu vi que você ficou assustada.
— Cheguei a pensar que Osvaldo tivesse piorado.
— É que nós estivemos conversando. Dona Neusa mudou muito.
— Eu notei, mas não pensei que fosse tanto.
— Pois foi. Ela chegou a se declarar culpada até do que eu fiz.
—Não diga!
Os dois rapazes, que estavam cada um lendo uma revista esperando o momento de ir ver o pai, aproximaram-se interessados. Rita procurou ser discreta:
— Conversaremos depois.
— Não, Eles precisam saber o que está acontecendo. Chega de mal entendidos,
de coisas mal explicadas. Vou contar.Eles a rodearam satisfeitos e ela relatou
minuciosamente tudo.
Finalizou:
— Não sei o que vai acontecer daqui para frente. Mas, se Osvaldo me quiser,
voltaremos a viver juntos.
Os dois rapazes abraçaram-na efusivamente, beijando-a com alegria.
— Claro que ele vai querer — disse Carlinhos. — Bem que eu notei como ele
ficava quando falávamos de você.
— É uma notícia maravilhosa.
No fim da tarde, Durval apareceu.
— Trago boas notícias. Válter confessou tudo. Conseguimos prender os dois
malandros no sul. Esta noite chegarão à delegacia.
— São pessoas conhecidas? — indagou Clara.
— Trata-se de Bertão, um ex policial que se tornou marginal, e de Neco,
indivíduo com várias passagens na polícia, especializado em arrombamento.
É difícil acreditar que Válter tenha sido capaz de se juntar a marginais e tentar
matar Osvaldo.
— Esse sujeito nunca me enganou — disse Marcos.
— E agora? Ele vai ficar preso? Tenho medo de que ele saia e volte a nos
perseguir — acrescentou Carlinhos.
— O que ele fez foi muito grave. Tenho certeza de que ficará preso por muitos
anos.
A melhora de Osvaldo se manteve e dois dias depois foi transferido para outro
quarto. Estava pálido, abatido, mas, rodeado pela família, foi se recuperando.
Clara foi incansável. Suas férias estavam para terminar e ela telefonou para
Domênico relatando o que havia acontecido, pedindo uma licença.
Depois disso, o quarto de Osvaldo estava sempre cheio de visitantes. Primeiro
Gino e Domênico, que demonstraram quanto gostavam de Clara, só tendo
palavras elogiosas. Depois, as melhores clientes do ateliê, para abraçá-la e
desejar que Osvaldo se recuperasse.
Quando Osvaldo foi para o quarto, Neusa disse que ficaria para dormir com o
filho e que Clara poderia ir para casa descansar. Mas ela não aceitou:
— Não, Dona Neusa. A senhora é quem precisa descansar. Meu lugar é aqui, ao
lado de Osvaldo.
Ele as ouvia, procurando esconder a emoção. Estava fraco e fragilizado. Neusa concordou em dormir em casa, mas iria ao hospital todos os dias.
Assim Neusa pôde ver como sua nora era querida e admirada. Sentiu-se
orgulhosa e satisfeita. Clara era digna e merecedora de sua estima.
Uma semana depois, no fim da tarde, o médico examinou Osvaldo e disse com
satisfação:
— Amanhã vou dar-lhe alta. Pode se preparar para retomar sua vida. Mas no
começo não pode fazer esforço nem dirigir, está bem?
Ele concordou. Depois que o médico se foi, Clara fechou a cortina e sentou-se
novamente ao lado da cama. Estavam sozinhos.
— Que bom que você vai deixar o hospital — disse ela com alegria.
— Não sei se será bom. Por mim ficaria aqui mais tempo. Ela olhou
surpreendida para ele.
— Por que diz isso? Acha que ainda não está bem?
— Estou muito bem.
— Então...
— Ao sairmos daqui, você irá para sua casa e eu ficarei sozinho. Clara, você tem se dedicado todos esses dias. Tem me tratado com carinho. Preciso ser sincero.
Sua presença me trouxe de volta à vida. Você disse que ainda me ama. Eu
gostaria que fosse verdade. Mas tenho dúvidas. Você deixou de me amar há
muitos anos. Agora está grata por eu ter salvado a vida de Carlinhos, confundindo gratidão com amor.
Ela tentou falar, mas ele a impediu:
— Não diga nada. Deixe-me terminar. Eu a amei sempre. Esse amor sem
esperança machucou meu coração durante muito tempo, até que, cansado de lutar, compreendi que precisava aceitar essa verdade. Eu amo você e a amarei por toda a minha vida. Esse amor é tão grande, tão verdadeiro, que eu não
gostaria que você ficasse a meu lado por gratidão. É nobre de sua parte, mas eu
não aceito isso. Não quero que um dia você se arrependa.
— E me apaixone por outro? É disso que tem medo? Você me ama mas não
confia mais em mim, em meu amor. A mágoa do passado ainda está viva dentro de você.
— Não é verdade. Eu admiro você. Sei que é digna, fiel.
Os olhos de Clara encheram-se de lágrimas.
— Eu sabia que você não ia aceitar meu amor.
Havia tanta tristeza em sua voz que ele a abraçou emocionado.
— Clara, seu amor é o que eu mais quero no mundo.
Abraçou-a, puxou-a para junto de si e beijou-a com ardor. Ela retribuiu, e a
emoção reprimida de tantos anos tomou conta deles. Continuaram beijando-se
com paixão.
— Osvaldo, estou com você porque o amo. Sempre amei. Sinto que você é o
amor da minha vida. Não me expulse de seu lado. Não quero mais viver sem
você.
Inebriado, ele ouvia, o coração batendo descompassado, a emoção
transbordando.
— Clara, como eu sonhei com este momento! Como desejei ter você novamente em meus braços como agora.
— Diga que me quer. Que vai voltar para mim. Que nunca mais vai me deixar.
— Eu a quero.
Nos braços um do outro, entregaram-se ao sentimento que os unia.
Quando se acalmaram, deitados um ao lado do outro, Osvaldo disse:
— Gostaria que vocês se mudassem para minha casa amanhã mesmo. É uma
casa grande, boa, ficaremos bem. Nossos filhos gostam de lá.
— Eu também gostaria. Mas preciso resolver minhas coisas.
— Quero que vá à minha casa para ver se gosta.
— Eu disse que vou resolver minhas coisas, mas não vou deixa-lo nem por um dia. Já perdemos muito tempo.
Osvaldo beijou sua face com carinho.
No dia seguinte ele foi para casa. Clara e os filhos o acompanharam. Os rapazes
estavam comovidos com a reconciliação dos pais.
Na tarde do mesmo dia, Marta foi visitá-lo. Quando chegou, Osvaldo estava em uma poltrona na sala segurando a mão de Clara, que estava sentada a seu lado.
Vendo os dois, Marta empalideceu. Osvaldo apresentou Clara com naturalidade:
— Esta é Clara, minha esposa.
A outra estendeu a mão que tremia e tentou dissimular a contrariedade. Clara olhava curiosa para Marta. Era uma mulher mais nova do que ela e muito bonita.
Olhou para Osvaldo um pouco enciumada.
Ele, porém, conversou com naturalidade, informando-se de como estavam seus
projetos. Marta deu todas as informações, depois, sentindo-se mais calma, disse:
— Eu tentei ir ao hospital visitá-lo, mas disseram-me que as visitas não eram
permitidas.
— Eu pedi a José que dissesse isso porque preferia receber os amigos aqui em casa. No hospital é sempre desagradável. Mas isso não se aplicava a você.
— Ele não me disse. Foi por isso que só apareci hoje. Mas todos rezamos muito
para seu restabelecimento.
Continuaram conversando e, a pretexto de combinar algumas coisas com Rosa,
ela foi à cozinha:
— Ninguém me avisou que ex-esposa vinha visitá-lo — reclamou.
— Não pensei que você se interessasse em saber—defendeu-se Rosa. Eles não se falavam. Não pensei que ela fosse aparecer.
— Não só apareceu como voltaram a viver juntos.
Marta estremeceu.
— Eles voltaram?
— Olhe, Marta, eu sei que você gosta muito de Osvaldo e nutria a esperança de conquistá-lo. Mas, mesmo separado, ele nunca deixou de amar a esposa.
Nunca quis ter outra mulher. Por isso, o que tem a fazer é esquecer e partir para
outra.
— Claro. Pensei que ele fosse livre, mas agora...
— Não perca seu tempo alimentando essa ilusão. Pelo que eu vi até agora, desta vez é para sempre. Nunca mais vão se separar.
— Tem razão. Vou tirá-lo da minha cabeça.
Quando ela voltou para a sala, estava mais calma. Depois que ela se foi, Clara
conversou com Osvaldo:
— Estive pensando... Acho que vou deixar de trabalhar todos os dias no ateliê.
Participarei dos desfiles, dos eventos e até como relações-públicas, que é o que
tenho feito nos últimos tempos. Quero ter tempo para ajudá-lo nos trabalhos
espirituais. Dona Lídia me falou a respeito e fiquei entusiasmada.
Carlinhos, que havia entrado e ouvido essas palavras, interveio:
— Eu sei por que pensou nisso agora. Encontrei Marta saindo... Clara fez que não entendeu:
— Não sei o que quer dizer. Eu gosto do trabalho espiritual. Freqüento Dona Lídia.
Osvaldo sorriu satisfeito. O ciúme de Clara alegrava-o. O ambiente estava
agradável e todos estavam felizes.
— Contar com você vai ser muito bom — disse ele.
Nos dias que se seguiram, ele foi ganhando forças rapidamente. Clara decidiu que Rita continuaria morando no mesmo lugar e cuidando da loja, o que ela fazia muito bem.
Mudou-se com os filhos para a casa de Osvaldo. Ele queria que Clara reformasse tudo a seu bel-prazer, porém ela gostou muito da casa e não quis mudar nada.
Rosa e José, que a principio ficaram um pouco preocupados em tê-la na casa,
logo se habituaram e passaram a gostar dela. Clara tinha classe, sabia respeitar os empregados e tratá-los bem.
Rosa logo estava fazendo docinhos para ela, e José, cercando-a de gentilezas.
Foram para o sítio e Clara adorou o que viu. Interessou-se logo pelo trabalho e
procurou aprender tudo. Ficaram por lá uma semana recebendo os amigos que
apareciam para abraçar Osvaldo, felizes com sua recuperação.
Quando voltaram para a capital, Osvaldo teve a idéia de fazer uma reunião
espiritual em sua casa. Convidou Dona Lídia, dizendo que ela poderia levar
alguns médiuns. Queria agradecer o auxílio recebido e obter orientação para o trabalho.
Estava ansioso para recomeçar a atender às pessoas e precisava saber se já
estava em condições.
Ao redor da mesa coberta com uma linda toalha branca bordada na sala de
jantar, sentaram-se Felisberto, Antônio, Neusa, Clara, Carlinhos, Marcos, Lídia e
mais duas senhoras que ela convidara. Sobre a mesa, alguns livros e uma
bandeja com copos e a jarra de água.
As luzes foram apagadas e, na penumbra da sala iluminada apenas por um
abajur, Osvaldo proferiu sentida prece agradecendo a Deus pela cura e pela
união de sua família. Estava comovido, sentindo o corpo leve e no peito um
brando calor.
No final, pediu orientação dos espíritos. Uma das convidadas de Lídia começou a
falar:
— É com alegria que venho hoje visitá-los e dizer que completaram mais um ciclo no caminho da evolução. Isso significa que de agora em diante terão pela frente uma etapa de progresso e alegria.
No fim do século passado, um fidalgo muito rico vivia no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Bonito, requisitado pelas mulheres em virtude de seu dinheiro e sua boa aparência, Dom Ricardo, como se chamava, vivia com a mãe, mulher
arrogante e autoritária, que controlava os gastos do solar onde residiam com
avareza, vigiando os escravos com rigor.
Ricardo levava vida social intensa, viajando pela Europa, conquistando belas
mulheres. Em uma dessas viagens, conheceu Denise em Paris. Era uma
dançarina do Moulin Rouge, muito disputada. Bonita, cheia de vida, alegre,
Ricardo apaixonou-se perdidamente. Por ela esqueceu todas as mulheres. Levou-a para o Brasil e casou-se com ela, apesar de a mãe tentar impedir de todas as
formas, porque ficou sabendo a vida que a nora levava em Paris e ficou
horrorizada. Por isso vigiava Denise, tendo discutido muitas vezes com o filho.
Apesar de amar o marido, Denise sentia falta do palco, dos aplausos, da alegria
de sua vida em Paris, tendo a sogra sempre desconfia da e irritada por perto.
Ricardo fazia tudo para agradar à esposa, proporcionando-lhe uma vida de luxo,
levando-a a festas na corte, onde ela brilhava sempre.
Foi em uma dessas festas que Denise conheceu André, um jovem bonito e fútil que a cercou de atenções. Ele não tinha renda, por isso conquistava ricas
mulheres que acabavam por sustentá-lo.
Ricardo, cego pela paixão, não percebia nada. Ofélia, sua mãe, tentou abrir-lhe
os olhos, mas ele se zangava, porque percebia a implicância da sogra com a
nora.
Denise começou cedendo aos galanteios de André mais por divertimento, mas
acabou se envolvendo. Algum tempo depois, teve a surpresa desagradável de ser chantageada por ele. Dizia que sua irmã conseguira provas do relacionamento deles e para se calar exigia jóias.
Ela se arrependeu de sua leviandade, mas era tarde. Estava nas mãos dele.
Apavorada, rompeu a relação, mas começou a dar-lhe algumas jóias.
Ofélia, que percebeu que as jóias haviam desaparecido, exigiu que Ricardo
encontrasse o ladrão. Ele não gostava de se incomodar com os negócios e
deixava tudo a cargo da mãe. Deu-lhe carta-branca para investigar.
Assustada, Denise tentou despistar. Apanhou o saco de jóias de Ofélia e colocou-o do lado de fora da casa, em meio às plantas do jardim. Tinha certeza de que a sogra o encontraria.
Ofélia deu pela falta do saco de jóias e ficou desesperada procurando.
Encontrou-o e chamou o filho, acusando um dos escravos que vira passando pelo
local momentos antes.
Jerônimo trabalhava dentro de casa e era estimado por todos. Chamado a tomar
providência, Ricardo, aborrecido, tratou de resolver aquela situação o mais
rapidamente possível. Ele não gostava de enfrentar situações desagradáveis.
Jerônimo chorou, jurou que não tinha feito nada, mas Ofélia foi implacável:
exigiu que Ricardo o castigasse. Contrariado, porque ele gostava do escravo, mandou que o capataz o colocasse no tronco, não desejando enfrentar uma briga
com a mãe.
Assustada, Denise rogou que não o castigassem, porém Ofélia foi irredutível e Ricardo preferiu esquecer o assunto. Jerônimo, depois das cinquenta chicotadas controladas por Ofélia, foi deixado no tronco a pão e água.
Na manhã seguinte, Jerônimo estava morto. Denise chorou muito, arrependeu-se, mas não teve coragem de dizer nada. Dali para frente, mudou muito. Sentindo
o peso da culpa, tinha pesadelos, deixou de frequentar a côrte, vivia triste e
deprimida.
Ricardo fazia tudo para alegrá-la, mas ela aos poucos foi se consumindo. Aos
quarenta anos, uma pneumonia a trouxe de volta ao mundo espiritual.
Não tiveram filhos. Ricardo nunca mais se casou. Viveu o resto de seus dias triste e desinteressado de todas as coisas. Ofélia cuidou de tudo e viveu mais do que Ricardo. Quando ele voltou ao mundo espiritual, partiu em longa busca por Denise. Enfim encontrou-a perambulando dementada, tendo ao lado o escravo que havia se colado a ela, exigindo justiça.
Levou tempo para Ricardo conformar-se com a verdade. Porém o amor que
sentia por Denise ainda estava em seu coração. Por isso, tudo fez para ajudá-la.
Assistido pelos espíritos superiores, conseguiu que ela se equilibrasse.
Arrependida, Denise pediu perdão. Ofélia, sabendo que castigara um inocente, arrependeu-se. Descobriu que, para livrar-se da culpa e das perturbações que a acometiam de vez em quando, precisava fazer alguma coisa que lhe devolvesse a dignidade.
Descobriram que só a reencarnação poderia ajudá-los a conseguir o equilíbrio que tanto queriam. Ofélia, sabendo quanto havia errado como mãe de Ricardo, pediu para tentar de novo. Foi-lhe concedido recebê-lo outra vez como filho, mas, para que ela ficasse bem, era preciso receber também Jerônimo. Ela concordou.
Ricardo, ansioso por ajudar Denise, pediu para casar-se com ela novamente. Foi alertado de que não precisava fazer isso, que eles se amavam, mas que ela
precisava amadurecer. Ele poderia ficar no astral e esperar até que ela voltasse,
então ficariam juntos.
Ricardo, porém, preferiu reencarnar, mesmo sabendo que André também
reencarnaria e se encontrariam novamente, Decidiu correr o risco.
— Meu amor é tanto que a ajudará.
Assim, começaram essa nova vida. Ricardo como Osvaldo, Denise como Clara, Ofélia como Neusa, e Jerônimo como Antônio. André renasceu como Válter.
No mundo, os desafios mais difíceis são os do sentimento, por que em meio aos
problemas do dia-a-dia, mesmo havendo esquecido o que aconteceu em outras
vidas, os assuntos não resolvidos continuam no inconsciente, refletindo-se no presente.
Só a fé na espiritualidade, a certeza de que a vida contínua após a morte do corpo ajudam a encontrar o rumo melhor na conquista da vitória. A mediunidade é uma ferramenta abençoada para abrir a consciência e mostrar a verdade.
— Estamos felizes por vocês terem vencido. Osvaldo aprendeu a olhar as pessoas com olhos do amor. Clara descobriu os verdadeiros valores da alma. Neusa, na dificuldade e na carência, descobriu que a bondade traz felicidade. Antônio aprendeu que a valorização independe da cor da pele, conquista-se pela dignidade do trabalho e da honestidade. Infelizmente Válter não conseguiu. Mas a vida cuidará dele no momento certo.
A verdade é que ele nunca mais os perturbará. A energia de vocês agora é
diferente e ele desistirá de persegui-los.
Ela fez uma pausa, depois continuou:
— Você pode recomeçar o trabalho espiritual, Osvaldo. Muitos amigos no astral esperam ansiosos o momento de participar. O mundo está conturbado. A
violência plantada indiscriminadamente por alguns polariza as disputas, e a
vaidade, a luta pelo poder imperam.
Não se deixem dominar pelo pessimismo. A luz vence as trevas, e o futuro será
de progresso e paz. A firmeza na fé é necessária, mas o discernimento é fruto do bom senso. Tenho certeza de que saberão fazer o melhor. Que Deus os abençoe.
Ela se calou e Osvaldo encerrou a reunião. Eles estavam tocados pelo momento.
Cada um tomou seu copo de água. Conversaram um pouco sobre as belezas da vida espiritual e do conforto que proporciona.
Quando todos se despediram, Osvaldo tomou a mão de Clara, passaram pelo
quarto dos rapazes, que já se haviam acomodado.
Depois foram para o quarto. Osvaldo abriu a janela e chamou Clara.
— Venha ver as estrelas.
Abraçados, ficaram contemplando o céu.
— De onde será que viemos? — indagou ela.
— Não sei. Só sei que estamos juntos, e desta vez nada e ninguém vai nos
separar.
Clara abraçou-o e seus lábios procuraram os do marido. E a brisa delicada que passava através da janela os envolvia com carinho, como a dizer que tudo estava em paz!


                          ***FIM***

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