Capítulo 13

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No dia seguinte Clara acordou pensando na conversa que tivera com os filhos. Não achava justo que Osvaldo voltasse depois de tantos anos reclamando seus direitos de pai.
Ele deixou claro que voltara por causa do dinheiro. Se Ester não houvesse deixado a herança, nunca mais o veriam. Era esse o amor, a saudade que dizia sentir dos filhos?
Ela, abandonada, sem profissão, sem dinheiro, nunca os abandonou. Lutou para sustentá-los. Depois de tudo ele aparecia, usando o poder do dinheiro para seduzi-los.
Carlinhos estava certo: não precisavam dele, não queriam seu dinheiro.
Marcos deixara-se seduzir. Havia sido criado com pouco dinheiro.Se não faltou o essencial, também não puderam permitir-se a nenhum luxo. Um jovem fica fascinado com certas
facilidades que o dinheiro pode comprar. Certamente ele já estaria pensando no que faria com a mesada que o pai lhe dera.Não pretendia recusá-la. Seria difícil convencê-lo. Para ela isso sentava um perigo maior. Com o tempo, Marcos poderia querer viver com o pai.
Pensando nisso, ela sentiu um aperto no peito. Osvaldo não tinha esse direito. Os filhos eram dela, uma vez que ele os abandonara durante tantos anos.
Iria falar com o advogado e recusar sua oferta.
Desceu para tomar café e Rita olhando-a perguntou:
— Você está bem?
- Mais ou menos. Não me conformo com tudo isso que está acontecendo.
Como foi o encontro de Marcos com o pai?
— Veio todo entusiasmado só porque Osvaldo vai dar-lhe uma boa mesada. Nem me consultou e já aceitou.
— É natural. É seu pai.
— Que nunca se importou com eles. Carlinhos foi taxativo: não quer nada do pai.
Rita não respondeu. Sabia que estava sendo difícil para Clara aceitar aquela mudança.
Clara mal tocou nos alimentos. Rita considerou:
— Você não comeu nada. Hoje vai trabalhar o dia inteiro. Precisa alimentar-se melhor.
— Meu estômago está embolado. Parece que não digeri o jantar de ontem.
— Você não digeriu a volta de Osvaldo. Nunca pensou que um dia isso aconteceria?
— Não. Pensei que tivesse morrido, casado de novo, sei lá. Quanto mais o tempo passava, menos eu acreditava que ele pudesse voltar.
— Mas voltou. Você precisa aceitar essa realidade.
— Vou procurar o advogado dele e dizer que não queremos seu dinheiro.
— Não pode fazer isso. Ele tem o direito. Depois, os filhos são seus herdeiros. Você não vai poder evitar.
— Isso é que me apavora. Por que ele voltou, por quê?
— Não adianta questionar. Aconteceu e você não vai poder fazer nada. Por acaso ele falou com Marcos sobre o passado?
— Deu uma de bonzinho. Marcos mencionou o assunto e ele se mostrou compreensivo. Não me acusou de nada.
— Isso é bom. Ele não tem intenção de colocar seus filhos contra você.
Isso é pior. Sua generosidade aumenta minha culpa diante deles.
— Você está exagerando. Preferia que ele a acusasse? Clara calou-se. A atitude digna do marido aumentara sua sensação de culpa.
Vendo que Clara não respondia, Rita continuou:
— Marcos mostrou-se magoado com o passado?
— Não. Ao contrário: foi carinhoso, disse o quanto me amava.
— Você tem dois filhos maravilhosos. Não deve se preocupar tanto. Eles a amam muito. Não precisa ter receio da amizade deles com o pai. Seu lugar sempre estará garantido no coração deles. Não quer um pedaço deste bolo? Está uma delícia.
Quando Clara chegou ao ateliê, Domênico logo notou que ela não estava bem. Procurou conversar, e ela lhe contou o que a preocupava. Depois de ouvir tudo, ele comentou:
— Rita tem razão. Ele é o pai. Tem o direito de dar o que desejar aos filhos. Desista de procurar o advogado. Não vai poder fazer nada.
— Mesmo assim quero tentar. É um direito meu.
— Vai torturar-se inutilmente.
Clara passou o dia inteiro nervosa. Fez imenso esforço para controlar-se, Gino exigia que as clientes fossem tratadas com carinho e alegria. Não podia deixar que seus problemas
particulares prejudicassem seu trabalho.
O dia custou a passar, e Clara esforçava-se para controlar a inquietação. No fim da tarde,
quando se preparava para sair, Domênico aproximou-se, dizendo:
— Você está precisando de ajuda. Por que não procura aquela sua amiga do centro espírita?
— Ela não vai poder fazer nada. Estou nervosa por causa da situação com meu ex-marido.
Domênico olhou sério para ela e respondeu:
— Não é apenas isso. Há todo um envolvimento espiritual que está agravando o problema.
— Se ele não tivesse aparecido, eu não estaria deste jeito.
— Mesmo assim, uma ajuda espiritual vai acalmá-la. Você se sentirá melhor.
— É. Pode ser. Dona Lídia é pessoa bondosa, e conversar com ela só pode me fazer bem.
Ao sair do trabalho, Clara foi direto procurar Lídia. Encontrou-a rodeada de algumas pessoas, separando roupas usadas que deveriam dar a algumas famílias assistidas pelo
centro.
Vendo-a, Lídia foi abraçá-la, dizendo alegre:
— Que bom vê-la! Vamos entrar.
—Queria conversar um pouco, mas não desejo interromper seu trabalho. Voltarei outro dia.
— Nada disso. Estamos terminando. Vamos até minha casa to mar um café.
Clara acompanhou-a. Lídia convidou:
— Venha até a cozinha.
— Não se incomode com café.
— Pensando melhor, acho que seria bom um chá. Você está precisando. Sente-se aqui enquanto apanho as xícaras.
Clara sentou-se sentindo o aroma delicado do chá que ela colocara nas xícaras e estava enchendo com água fervendo da garrafa térmica.
Você está muito nervosa, Clara. Prefiro que não fale nada agora. Aproveite este momento para harmonizar seu espírito conturbado. Confie em Deus. Na vida tudo acontece para o melhor. Não se torture questionando o futuro. Não desperdice sua força com coisas que
ainda não aconteceram.
Clara fez menção de falar, mas Lídia não lhe deu tempo e continuou:
— Hoje quero que volte aqui às oito. Não se atrase porque a porta estará fechada. Não falte.
— Está bem. Virei.
— Sinto que está inquieta, angustiada. Essa sensação poderá aumentar à medida que se aproximar a hora de vir. Não tenha medo. Venha mesmo assim.
— O que está acontecendo? Domênico me disse que há um envolvimento espiritual.
—É verdade. Está na hora de você começar a compreender a espiritualidade. Temos conversado. Você tem tido algumas oportunidades, mas não as aproveitou.
— Tenho receio.
— Confie. A vida faz tudo certo. Agora vá. Estarei esperando. Não se atrase.
Clara saiu pensativa. Chegando em casa, desabafou com Rita:
— Não sei por que as pessoas são tão fanáticas. Estou nervosa, e Domênico me mandou procurar o centro espírita. Falei com Lídia e ela me mandou ir à noite à sessão. Não tenho vontade nenhuma de ir.
Rita olhou para Clara e comentou:
— Pois eu acho que deve ir.
— Você também? Domênico disse que estou com envolvimento espiritual. Lídia pensa o mesmo. Essas pessoas têm mania de culpar os espíritos por tudo que nos acontece. Estou
nervosa por causa de Osvaldo. Não tem nada a ver com espíritos.
— Nesse caso, por que fica tão nervosa quando fala nisso?
— Reconheço que o aparecimento de Osvaldo me tirou o sossego. Mas daí a ter de ir ao centro..
Rita deu de ombros.
— Se pensa assim, não vá. Seja lá o que for que aconteça, você pode agüentar sozinha mesmo.
— Do jeito que você fala, parece que vai mesmo acontecer alguma coisa ruim.
— Você está sendo muito pessimista. Não aconteceu nada de mau e você já está vendo tudo negro.
— Vocês é que dão a entender que, se eu não for ao centro, tudo pode piorar.
Rita sorriu e considerou:
— Isso não é verdade. Os problemas, os desafios em nossa vida aparecem pela necessidade que temos de aprender e evoluir. Ninguém nem nada os poderá evitar. Acontece que, com a ajuda espiritual, você poderá enfrentá-los com mais coragem. Por isso eu disse: se você acha que pode fazer isso sozinha, não precisa ir.
— Você sabe que não vou conseguir. Estou muito deprimida, inquieta, com medo.
— Nesse caso deveria buscar ajuda. Por que está sendo tão resistente?
— Gosto de questionar as coisas. Vou tomar um banho. Não quero me atrasar.
Rita sorriu satisfeita. Havia muito notava que Clara estava sensível, nervosa, mesmo antes de Osvaldo aparecer. Percebia que a sensibilidade dela estava desabrochando. Fizera
algumas tentativas de interessá-la no assunto, mas sentia sua resistência. Por experiência própria, sabia que tudo tinha o tempo certo e que deveria esperar amadurecer.
Faltavam cinco minutos para as oito quando Clara entrou no salão do centro, onde Lídia a conduziu a uma cadeira ao redor da enorme mesa em que na penumbra algumas pessoas já estavam sentadas, meditando em silêncio.
Clara sentia o peito oprimido, uma desagradável sensação de opressão, uma vontade enorme de sair correndo, de gritar. Arrepios corriam-lhe pelo corpo, suas mãos estavam geladas e inquietas.
Foi difícil controlar-se enquanto Lídia fazia uma prece, evocando a proteção de Deus e a ajuda espiritual.
Clara arrependia-se de ter ido. Seu corpo formigava e ela fez menção de levantar-se, porém suas pernas não lhe obedeceram. Sentia um suor gelado molhando-lhe o corpo e tremia qual folha sacudida pelo vento.
Não suportando mais a pressão, deu violento soco na mesa e gritou com voz rouca:
— O que querem de mim? Não acham que já sofri o bastante? Por que me atormentam?
Até quando sofrerei pelo meu crime? Não acham que já paguei pelos meus erros?
—Que justiça é essa que exige cada vez mais, sem dó nem piedade?
Os soluços irromperam fortes e Clara sentiu que perdia completamente o controle.
Apavorada, quis deixar o corpo, porém Lídia colocou a mão em sua nuca, dizendo com voz suave:
Acalme-se. Queremos ajudá-la.
— É mentira! Querem me expor ao vexame de um julgamento público. Não vou suportar isso!
— Não há aqui nenhum juiz. Somos todos amigos e companheiros interessados em seu bem-estar.
— Não acredito! Minha culpa está mais viva. Por mais que eu tente esquecer, os fatos se repetem. Não suporto mais.
—Peço aos presentes que orem em favor dela.
Os presentes oravam e só se ouviam os soluços de Clara. Lídia continuou:
— Há quanto tempo carrega essa chaga viva em sua alma? Está na hora de libertar-se dela.
— Como?
— Perdoando, deixando o passado ir, esquecendo. Impossível. Ainda está doendo. A traição não se esquece assim. Acham que fui dura? A vingança era meu prêmio. E eu pensei que com ela pudesse apagar meu sofrimento. Mas foi inútil. A culpa tem me atormentado.
— Desejamos ajudá-la. Mas precisamos que coopere conosco. Pense que a vingança só
agravou sua dor e procure perdoar-se compreendendo que errou porque não tinha entendimento para agir de outra forma. O que faria se tudo acontecesse hoje?
— Faria tudo diferente. Mas naquele tempo eu não sabia.
— Compreenda isso e não se culpe mais. A vida está lhe oferecendo uma nova oportunidade de progresso. Você é um espírito eterno destinado a viver na luz. A felicidade é o objetivo maior da vida. Está na hora de deixar o passado e recomeçar.
— Ah, se eu pudesse...
— Você pode. A seu lado há um amigo que irá conduzi-la a um lugar de refazimento. Deus a abençoe.
Clara suspirou e estremeceu. Sentiu um brando calor invadir seu corpo. Lídia aproximou-se colocando em sua mão um copinho com água. Clara bebeu e sentiu-se muito aliviada.
Quando a sessão terminou, esperou que as pessoas se fossem e aproximou-se de Lídia. Perguntou:
— Poderia me explicar o que aconteceu comigo hoje?
— Você não sabe?
— Fiquei muito mal. Falei todas aquelas coisas, mas elas não fazem nenhum nexo para mim. Era como se eu fosse outra pessoa.
— Isso mesmo. Era outra pessoa falando através de você. Como se sente agora?
— Muito aliviada. Toda a minha inquietação desapareceu como por encanto.
— Você tem mediunidade.
— Eu? É difícil acreditar. Nunca me envolvi com essas coisas.
— Por que duvida? Passou pela experiência e continua resistente?
— Mediunidade é um dom especial. Uma missão. Eu sou uma pessoa comum, nunca fui dada aos assuntos religiosos.
— Engana-se. Mediunidade é um dom natural, comum a todas as pessoas. Manifesta-se em determinadas circunstâncias.
— Sempre ouvi dizer que os médiuns têm uma missão especial. Confesso que não me sinto preparada para nada disso.
Lídia sorriu e considerou:
— A abertura da sensibilidade ocorre por vários motivos. Problemas emocionais, fraqueza ou doença física, amadurecimento do espírito, necessidade de cuidar dos problemas da própria alma sob a óptica espiritual. Você falou em missão. Cuidado com isso. A verdadeira missão de cada um é cuidar do próprio desenvolvimento interior, desenvolver a lucidez, aprender como a vida funciona.
— Sempre me disseram que a missão de um médium era dedicar sua vida a ajudar os outros.
— Para fazer isso é preciso sentir o amor incondicional, sem o qual ninguém está preparado. Para dar é preciso ter. É sempre muito agradável pensar que somos melhores do
que os demais porque praticamos o que chamam de caridade. Mas a ajuda verdadeira, efetiva, que eleva as criaturas ensinando-as a caminhar com as próprias pernas, raramente é
feita. Ao desenvolver a mediunidade, muitos se apressam a fundar obras assistenciais, sem meios nem recursos próprios para manutenção de seus projetos. Para isso procuram
arrecadar dinheiro, incomodando os outros para que comprem suas rifas e mantenham seu projeto.
— Mas a senhora mantém aqui um trabalho de ajuda aos pobres.
— Mas não peço nada a ninguém. Abrimos nossa livraria, que mantém as despesas do centro. Dessa forma, além de divulgar os ensinamentos espirituais, não incomodamos
ninguém.
Apesar do que diz, ainda acho que a senhora tem uma missão especial. É tão dedicada!
— Quando despertamos para a espiritualidade, o bem se torna natural como o ar que respiramos. Ainda assim, erramos muitas vezes, porque nosso conceito de bem é ainda precário. No desempenho das minhas atividades tenho aprendido muito com a vida. A cada dia descubro uma coisa nova, portanto estou cuidando do meu progresso espiritual, que é o
mais importante para mim. Sabe, a mediunidade nos abre as portas do mundo espiritual, descortina as infinitas possibilidades que nos esperam no futuro. A noção de eternidade nos faz olhar o mundo de maneira mais serena. Pense nisso, Clara. Agradeça a Deus ter
revelado a você esse caminho.
Lídia falava com fluência. Seus olhos brilhavam luminosos e suas palavras vibrantes tocaram o coração de Clara.
De fato, sinto que alguma coisa mudou em mim. Gostaria de aprender. O que me aconselha?
— Estudar o assunto.
— Quem era a mulher que falou através de mim? Senti que era mulher.
— Um espírito necessitado que você atraiu. Como assim?
Ela sentia muita culpa pelos erros passados.
— Mas então ela era ligada a mim de alguma forma? Por que me procurou?
— Não creio que fosse ligada ao seu passado. Você ainda não se perdoou pelos erros que cometeu. Ultimamente essa sensação tornou se mais presente. Ela se aproximou por
afinidade. Viu você e sentiu se confortada porque pensava igual a ela.
— Nos últimos dias tenho estado muito inquieta, nervosa. Tenho dormido mal. Seria por causa da presença dela?
— Quando um espírito se liga a alguém sensível, ambos se influenciam, trocam energias.
Com a influência dela, sua sensação de culpa tornou-se muito maior. Entendeu?
— Sim. Se eu não me sentisse culpada, não a teria atraído?
— É provável que não. Mas há outras emoções que poderiam atraí-la. O que você precisa compreender é que, de acordo com nossos sentimentos, atraímos companhia das pessoas. E
isso vale também para as pessoas encarnadas.
Clara ficou pensativa por alguns segundos. Depois considerou
— Não sabia disso. Mas noto que é difícil progredir espiritualmente.
Se por um lado a consciência do bem nos faz enxergar melhor nossos erros, por outro a culpa atrai espíritos desequilibrados.
— Não é a consciência do bem nem o conhecimento da verdade que nos prejudicam, mas a maneira como encaramos esses fatos.
— Como assim?
— Você alguma vez desejou fazer algo errado?
— Claro que não.
— Mas errou mesmo assim.
— É que eu era inexperiente. Hoje teria agido de outra forma.
— Então do que se culpa? A inexperiência é natural.
Clara fitou-a admirada. Lídia prosseguiu:
— Você sempre fez o melhor que sabia. Mas é claro que não sabia tudo.
— É verdade.
— É difícil admitir que pretendia ser melhor do que é. A pretensão é porta aberta ao desequilíbrio.
— Não me julgo pretensiosa..
— Engana-se. Você não se conforma em ter errado, continua se punindo. Gostaria de nunca errar, de fazer tudo certo para ser uma pessoa maravilhosa. Mas acontece que a sabedoria só se conquista pela experiência. Como experimentar sem errar?
Clara ouvia emocionada. Vendo que Lídia se calara, disse:
— Reconheço que naquele tempo eu não tinha amadurecimento.
— Nesse caso, por que exige de si uma coisa que não tinha para dar? Reconheça que você foi inteligente o bastante para não repetir o erro. Soube reconquistar sua dignidade,
recuperar sua integridade. Você transformou um ato leviano numa preciosa lição de vida.
Ganhou muito através dela.
Clara levantou a cabeça e olhou séria para Lídia. Havia em seus olhos um brilho novo.
— Entendo o que quer dizer. Tenho perdido muito tempo me criticando pelo que fiz, me culpando, imaginando como teria sido minha vida se eu não tivesse feito o que fiz. Mas a verdade é que, por mais que me culpe, por mais que me condene, não poderei voltar atrás.
O passado não tem remédio. O melhor é esquecer.
— O melhor é compreender. Enquanto conservar a mágoa pelo que fez, pelo que seu marido fez, não conseguirá libertar-se dessa culpa. Torna-se preciso ir fundo na questão.
Assim como você não soube fazer o melhor e resistir à tentação do momento, seu marido
também não conseguiu reagir aos fatos de outra forma. Você está apreensiva com relação a
ele, sente-se ofendida porque ele desapareceu deixando em suas mãos toda a responsabilidade de manter a família.
Mas entenda que ele também fez o que acreditou melhor para ambos. Certo ou errado, quem tem condições de avaliar? Eu não me atreveria a fazê-lo. Quem poderia entrar dentro
do coração dele e sentir o que ele sentiu?
As lágrimas desceram pelas faces de Clara, que não encontrou palavras para responder.
Lídia abraçou-a com carinho, dizendo:
— Pense nisso, Clara. “Não julgueis para não serdes julgados”. São palavras de Jesus.
— Tem razão. Farei isso.
— Sua sensibilidade se abriu. Você tem mediunidade. Precisa estudar esse assunto para entender as leis universais. Lembre-se de que você é a responsável por tudo quanto lhe
acontece. Assim, apesar de registrar com mais intensidade as energias que a cercam e perceber os pensamentos dos outros, deverá guiar-se pelo seu bom senso, comandar sua vida do seu jeito, sem se impressionar com as idéias alheias. Estará cercada de energias de todos os tipos, e é preciso ter discernimento para escolher o próprio caminho.
— Não sei se estou preparada...
— Se não estivesse, a vida não lhe teria concedido essa capacidade. Tenho alguns livros básicos que gostaria de emprestar-lhe.
—Gostaria muito de me informar.
Lídia foi à outra sala e voltou com um livro que entregou a Clara. Ela leu: “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec.
— Lerei com prazer.
— Como está se sentindo?
— Muito mais leve. Parece que me livrei de um grande peso.
—É assim mesmo. Agora vá e volte na próxima semana para continuar seu tratamento.
Clara chegou em casa e Rita esperava-a. Vendo-a, disse:
— Fiz um chá com aqueles bolinhos de que você gosta. Você não comeu quase nada hoje.
— Aqueles de banana?
— Esses mesmo. Estão quentinhos.
Sentadas na mesa da copa, elas se serviram e Rita considerou:
— Você parece muito melhor.
— Agora. Mas a princípio fiquei muito mal. Nem sei como não saí de lá correndo.
— Em certos casos é assim mesmo. O que importa é o resultado. Clara contou o que havia acontecido e Rita comentou:
— Bem me pareceu que você possuía mediunidade. Você tem muita intuição. Às vezes sabe das coisas antes de acontecerem.
— É verdade. Mas acho que sou muito ignorante em relação a esses assuntos. Eles são muito mais importantes do que eu supunha. Agora quero estudá-los. Tenho perdido muito
tempo com coisas que só me prejudicaram. É hora de aprender a conhecer mais da vida
para poder viver melhor.
— Assim é que se fala. Que bom que entendeu.
Clara foi ver os filhos que estavam dormindo, depois foi se deitar. As palavras de Lídia não lhe saíam da cabeça.
Lembrou-se de Osvaldo, de como ele era carinhoso com ela e com os filhos. De seu envolvimento com Válter. De como fora ingênua deixando-se levar pela conversa dele.
Pelos elogios que ele fazia de sua beleza, de sua inteligência. Da proximidade que ele explorava furtivamente quando não havia ninguém por perto. Da mediocridade de sua sogra, sempre vigiando seus passos, criticando tudo. Osvaldo nunca lhe deu ouvidos. Se ele
pensasse como sua mãe, não teriam vivido tantos anos juntos.
A recordação provocava nela sensação desagradável, mas ao mesmo tempo reconhecia que
havia aprendido muito. Lídia tinha razão ao afirmar que a vida ensina.
Acendeu a luz do abajur, levantou-se e foi até uma gaveta da cômoda. Tirou uma caixa onde guardava as fotos de família. Abriu-a e começou a contemplá-las. As fotos dos
meninos desde quando nasceram, as suas, as de seus pais.
Desde que se separara de Osvaldo, havia jogado fora todas as fotos dele, inclusive a do casamento. O passado era página virada, e estava disposta a esquecer.
Levou um susto quando encontrou uma foto dos dois sorrindo. Como ela ficara entre as outras? Segurou-a disposta a rasgá-la, mas ficou olhando. Aquele havia sido um tempo
feliz. Naquele tempo amava o marido. Viu a data: o primeiro aniversário de casamento.
Tinham ido jantar fora para comemorar.
Olhos perdidos no tempo, Clara recordou-se daquela noite e algumas lágrimas brilharam em seus olhos.
O que havia feito de suas vidas? Como tinha sido capaz de jogar fora aqueles momentos felizes?
Pôs-se diante do espelho e examinou detidamente seu rosto. Era ainda moça e bonita.
Muitos homens a haviam cortejado depois da separação. Por que nunca mais fora capaz de amar?
Medo de sofrer, de assumir responsabilidades, falta de confiança em si, em seus
sentimentos?
Por que ao pensar no marido sentia um aperto no peito, uma desagradável sensação de
opressão, de tristeza, de fracasso? Seria arrependimento, culpa?
Apesar de ter errado, ela não era uma fracassada. Estava cuidando da família, havia recuperado a dignidade, sabia que tinha capacidade para sustentar os filhos com conforto.
Tornara-se independente.
Então, que sentimento era esse que a incomodava? Lembrou-se das palavras de Lídia:
“Você sempre desejou fazer o melhor. Acontece que não sabia tudo.” Era verdade. Ela havia se iludido com Válter, mas em nenhum momento pensara em magoar o marido nem
em provocar aquele drama. Reconhecia que fora ingênua e pagara um preço alto por isso.
Em compensação, tornara-se mais consciente, amadurecida. Lídia estava certa. Ela não tinha culpa de ter sido ignorante nem Osvaldo por não haver encontrado forças de voltar e
enfrentar a situação.
A esse pensamento, Clara sentiu-se aliviada. Ao mesmo tempo, reconhecia que, se Osvaldo
voltara, tinha sido porque decidira encarar a família de frente. Estava sendo corajoso, e ela
precisava fazer o mesmo.
Decidiu não intervir mais no relacionamento dele com os filhos.
Com sua leviandade já o punira uma vez. Não faria isso de novo. Apanhou novamente a foto e olhou-a pensativa. Osvaldo era um homem atraente, elegante, inteligente. Depois de
tantos anos vivendo no campo, como estaria?
Respirou fundo, guardou a caixa e deitou-se novamente. Sentia se melhor e desta vez não demorou a adormecer.
Osvaldo olhou para o relógio com certa impaciência. Estava na hora de Carlinhos sair.
Fazia dois meses que ele se encontrara com Marcos e seu relacionamento com ele estava
melhor a cada dia.
Contudo, Carlinhos se negava a encontrá-lo, não tocando na generosa mesada que ele estava mandando. Cansado de esperar, Osvaldo havia tomado uma resolução. Estava
esperando-o na saída do colégio. Ele teria de ouvi-lo.
Os meninos estavam saindo e Osvaldo observava-os com atenção, tentando reconhecer o filho. Marcos havia lhe dado algumas fotos.
Depois de uns poucos minutos, ele o viu em companhia de um colega. Conversava animado. Emocionado, Osvaldo aproximou-se:
— Carlinhos!
Ele parou surpreendido e empalideceu. O rapaz fez menção de se afastar, mas Osvaldo segurou-o pelo braço.
— Quero falar com você.
— Mas eu não quero. Vou embora.
O amigo olhava-os surpreendido e perguntou:
— O que está havendo? Quem é ele?
— Sou o pai de Carlinhos. Precisamos conversar.
O menino olhou admirado para ambos e tomou:
— Nesse caso vou indo. Até amanhã.
Carlinhos não respondeu. Estava pálido e nervoso. Osvaldo disse-lhe sério:
— Não suporto mais esta situação entre nós. Temos de esclarecer as coisas.
— Para mim está muito claro. Vivi até agora sem você, posso continuar vivendo. Minha mãe nunca nos abandonou.
— Venha. Vamos conversar em outro lugar.

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