Capítulo 26

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Trocaram um abraço amigo, e, depois de agradecer o donativo, ela convidou:
— Vamos até minha sala tomar um refresco. Está muito calor. Ele a acompanhou satisfeito.
Admirava o trabalho daquela mulher simples e bondosa. Conversaram durante quinze minutos. Depois Osvaldo se despediu:
— Não vou tomar mais seu tempo.
— Fique mais um pouco. É um prazer falar com você.
— Obrigado, mas tenho de viajar logo mais. Não quero pegar estrada à noite.
Ele saiu e encontrou um conhecido, que o abraçou. Quando se voltou, Clara, segurando alguns pacotes coloridos, estava na sua frente. Ficaram olhando-se por alguns segundos.
Depois ele estendeu a mão e disse:
— Como vai, Clara?
Ela apertou a mão que ele lhe estendia.
— Bem. E você?
— Vim cumprimentar Dona Lídia. Acho que você teve a mesma idéia.
É. Trouxe alguns brinquedos para a distribuição.
— É bom saber que você também se interessa em ajudar. Dona Lídia faz um trabalho maravilhoso.
— É verdade. Os meninos já foram para sua casa. Não pensei encontrá-lo aqui.
— Combinamos de sair às cinco. Tenho muito tempo. Você está corada, o sol está quente, vamos tomar um refresco na lanchonete da esquina?
Ela hesitou um pouco, depois decidiu:
— Aceito. Antes vou entregar os brinquedos.
Ele ficou esperando, o coração batendo forte. Clara voltou logo e foram caminhando até a lanchonete.
— Você mora aqui perto. Rita me disse que sua loja tem bom movimento.
— Dá para viver. Ela é quem cuida. Eu trabalho em um ateliê. É um bom emprego. Gosto do que faço.
Eles entraram na lanchonete e sentaram-se em um canto. Osvaldo pediu refrigerantes.
— Quer comer alguma coisa?
— Não, acabei de almoçar. Estamos com muito serviço no ateliê. Tenho de voltar para trabalhar. Nem poderia ter saído.
— Foi bom tê-la encontrado. Os meninos gostam muito de ir ao sítio nos fins de semana.
Prepararam-se para a festa de amanhã. Disseram que você concordou de boa vontade que eles fossem comigo. Não fica aborrecida por eles a deixarem sozinha?
— Sinto falta deles. Mas preciso me acostumar. Não são mais crianças. Um dia, cada um tomará seu rumo e terei de aceitar. É a vida.
— Por que não se junta a nós?
Clara estremeceu. Baixou a cabeça pensativa. Ele continuou:
— Somos pessoas civilizadas querendo nos espiritualizar. Por que não podemos conviver amigavelmente? Nossos filhos ficariam felizes.
Eles se ressentem da nossa falta de diálogo.
— Falando assim parece fácil. Mas fico constrangida. Sua família freqüenta lá. Não gostaria de encontrá-los.
—Clara, precisamos deixar ir o passado. Todos sofremos, mudamos, aprendemos muitas coisas, mas a vida continua. Conservar mágoas, desentendimentos no coração impede-nos de encontrar a felicidade. Sei que guarda uma lembrança desagradável de minha família.
Mas eles também mudaram. Entenderam que cuidar da própria felicidade é mais importante do que se meter na vida dos outros. Se você fosse ao sítio com nossos filhos, seria muito bem recebida. Ninguém se atreveria a mencionar o passado. Isso eu garanto.
— Pode ser. Mas sou eu que não estou preparada. Vê-los significa lembrar da minha culpa.
Osvaldo pegou a mão dela com carinho e respondeu:
— Não se machuque mais do que já fez. Esqueça o passado. Não é bom conservar ressentimentos. Atrai forças negativas. Não dá para voltar atrás, mas podemos ser amigos.
Estavam tão entretidos que não notaram alguém parado atrás da coluna da lanchonete observando-os com raiva. Era Válter.
Havia seguido Clara esperando oportunidade para lhe falar. Vendo-a sair do centro com Osvaldo, escondeu-se e seguiu-os.
De onde estava não podia ouvir o que diziam mas, vendo-o segurar a mão dela olhando-a com carinho, ficou furioso.
Então era verdade. O que ele temia estava acontecendo. Por certo estavam combinando os detalhes para reatar o casamento. Isso ele não iria admitir. Eles ficariam juntos e seriam
felizes, enquanto ele estaria sofrendo, só, desprezado.
Trincou os dentes com raiva. Osvaldo não perdia por esperar.
Não iria ficar com Clara. Ela lhe pertencia por direito. Por ela havia suportado o desprezo dos amigos, tornara-se incapaz de amar outra mulher.
Nunca se casara. Por causa do seu desprezo, enterrara-se na bebida, perdera o emprego. Vivia de expedientes.
Osvaldo tomara-se rico. Andava elegante, carro bonito... Claro que ela o havia preferido.
Quando os dois se levantaram, ele se escondeu. Despediram-se.
Osvaldo voltou para o carro enquanto ela se dirigia para sua casa.
Válter entrou na lanchonete e pediu uma bebida. Precisava pensar, encontrar um jeito de tirar seu rival do caminho.
Clara chegou em casa pensativa. Rita notou:
— Aconteceu alguma coisa?
—Encontrei Osvaldo no centro. Conversamos sobre Marcos e Carlinhos.
— Isso a deixou triste?
— Não. É que ele me convidou para ir com eles ao sítio. Ás vezes me pergunto se ele está bem da cabeça.
— Por quê?
— Porque as pessoas da família dele são as últimas que eu gostaria de ver. Ele disse que é preciso esquecer o passado. Do jeito que fala, parece até que já esqueceu. Eu não sei até que ponto diz a verdade. Quando nos separamos, ele largou tudo, sumiu, jogou-se do trem,
e agora fala no assunto como se nada tivesse acontecido.
— Osvaldo compreendeu que não adianta lembrar o que já foi. O passado não volta mais.
Depois, não há como modificá-lo. Por isso o melhor é mesmo esquecer.
— Talvez tenha razão. Por que não consigo tirar essa mágoa do coração? Depois que Osvaldo voltou, ela ficou mais viva.
Rita abraçou-a com carinho.
— Talvez você ainda goste dele. Você nunca amou Válter nem outro qualquer.
— Não é nada disso. O problema é que vocês o elogiam tanto, exaltam suas qualidades, que eu me sinto ainda mais culpada. Ele é bom, nobre, maravilhoso, enquanto eu sou a esposa adúltera que se deixou iludir por um Don Juan barato. É isso que me entristece.
— Em nenhum momento nós criticamos você. Todos a consideramos muito. Você tem nosso respeito, nossa amizade. Seus filhos a amam e admiram. Não se deixe envolver por esses pensamentos deprimentes. Isso não é verdade.
Clara sacudiu a cabeça negativamente, como querendo jogar fora aqueles pensamentos.
— Tem razão. Nem sei por que estou dizendo isso. É que a presença de Osvaldo mexe comigo.
— Se eu fosse você, pensaria melhor no que ele disse. Se você pudesse conviver, manter um relacionamento cordial, mesmo que convencional, com Osvaldo e sua família, acabaria por enxergar as coisas de outra forma. Iria se livrar da sensação de culpa que tanto a tem
atormentado. Teria mais paz, seus filhos viveriam em um ambiente mais harmonioso.
— Você realmente acredita nisso? Quando me separei de Osvaldo, a única coisa boa que me aconteceu foi livrar-me de Dona Neusa e de Antônio. Não consigo nem imaginar ter essa mulher de novo por perto, ainda que seja socialmente.
— Sabe, Clara, quando pedimos ajuda espiritual, saúde, paz, harmonia em nossas vidas, esperamos ser atendidos. Rezamos, mas nos esquecemos de que para obter tudo isso há
determinadas condições sem as quais nunca alcançaremos o que pedimos. A conquista da felicidade é o resultado das nossas atitudes. Lembre-se disso.
— Você está cada vez mais insistente. Acha que todos têm de pensar como você.
— Se é assim que pensa, mudemos de assunto. Você é livre como sempre foi para escolher seu caminho. E melhor tratarmos da lista de compras para a ceia. Já escolheu o cardápio?
— Deixemos isso para quando eu chegar à noite. Preciso ir ao ateliê. Domênico já deve estar reclamando minha ausência.
Depois que ela saiu, Rita ficou pensando naquela conversa. Sentia que Osvaldo estava sendo sincero. Embora ele nunca lhe houvesse dito nada, sabia que continuava amando Clara. Por outro lado, embora Clara não quisesse admitir, suspeitava que ela ainda conservava o amor do marido no coração.
Admitir isso seria tornar ainda mais grave a culpa que carregava. Imaginando que havia deixado de amá-lo, ela não tinha de enfrentar a dor da perda desse amor.
Era uma pena que ela estivesse jogando fora a oportunidade de refazer a vida e ser feliz.
— Um dia ela vai perceber, tenho certeza. Só que aí poderá ser tarde demais.
Ela murmurou essa frase pensando em Marta. Ela era bonita, inteligente, amorosa, tinha todas as qualidades, além de gostar das atividades de Osvaldo. Estava certa de que Marta
estava interessada nele.
Osvaldo não nutria nenhuma esperança de reconquistar o amor de Clara.
Tinha certeza de que ela não o amava. Um dia ele poderia se sentir sozinho, desejar companhia. Marta estaria por perto, atenta, amorosa. Seria natural que se unissem definitivamente.
Para Osvaldo não seria ruim. Marta era uma moça boa, dedicada, e com certeza o faria muito feliz.
Mas e Clara, como reagiria? Talvez descobrisse que nunca havia deixado de amar o marido, mas, sabendo que ele estava com outra, nunca teria coragem de confessar. Arrastaria pelo
resto da vida a frustração e mais culpa por ter deixado passar a oportunidade.
Notou que, quanto mais demonstravam entusiasmo com o trabalho no sítio, elogiavam Osvaldo, mais Clara resistia. Decidiu não tocar mais naquele assunto.
Várias vezes tentara aproximá-los, sem sucesso. Suas tentativas provocavam efeito contrário: estavam atrapalhando ao invés de ajudar. Não iria tentar mais nada. O futuro estava nas mãos de Deus.
A vida promovera o encontro deles por duas vezes. Se tivessem de ficar juntos, ela teria meios de dar um empurrãozinho.
Na véspera do Natal, Clara trabalhou até a metade do dia. Quando chegou em casa, Rita já havia providenciado quase tudo. A árvore montada na sala de estar estava brilhando, os presentes já haviam sido colocados à sua volta.
Clara não estava com vontade de comemorar o Natal. Sentia-se cansada, deprimida. Suspirou resignada. Preferia que aquela data já tivesse passado. Desejava ficar quieta no seu canto, mas não podia por causa dos filhos.
Depois, Rita e Diva haviam feito tudo para alegrá-la. Não desejava desgostá-las.
—Você tem trabalhado demais nestes últimos dias — considerou Rita. Está abatida. Vá descansar, nós faremos tudo. Clara sorriu.
— Não mesmo. Este ano não pude ajudar em nada. Vou trocar de roupa e já volto. Vamos deixar tudo ainda mais bonito.
Quando ela desceu novamente, seu rosto estava mais animado. Entregaram-se às
arrumações. Tudo pronto, elas foram se preparar. Clara havia comprado um vestido longo verde-escuro de seda pura que Gino havia confeccionado para uma cliente que nesse meio tempo ficou grávida e decidiu suspender a encomenda.
Clara encantou-se com o vestido e comprou-o a preço de custo.
Apesar de não ir a festas, aproveitou a oportunidade.
— Se eu não o usar, acabo vendendo — disse na ocasião. Porém naquela noite queria reagir, jogar fora a depressão. Os filhos mereciam que ela se arrumasse, ficasse bonita. Eles gostavam de vê-la elegante e bem vestida.
Quando ela desceu, Rita já estava pronta na sala. Vendo-a, não conteve uma exclamação:
— Nossa, como você está linda!
Os olhos de Clara brilharam alegres. O verde do vestido realçava o tom de sua pele contrastando com o castanho-dourado dos cabelos.
— Decidi jogar fora a tristeza. De agora em diante vou mudar, você vai ver.
— Estava na hora!
Clara olhou para o relógio.
— Os meninos já deveriam ter chegado. São nove horas.
— Logo estarão aqui.
Tudo pronto, as duas serviram-se de vinho branco e sentaram- se para esperar. À medida que o tempo passava, Clara ia ficando mais inquieta.
— Será que aconteceu alguma coisa?
— Não. Devem estar chegando.
Passava das dez quando Marcos entrou. Carlinhos vinha logo atrás. Clara foi ao encontro deles no hall, dizendo:
— Finalmente chegaram! Estava preocupada. Vocês não têm consideração..
Então ela viu que Osvaldo entrara atrás deles. Calou-se surpreendida. Ele se aproximou:
— Não brigue com eles. Não tiveram culpa. Entrei para pedir-lhe desculpas. Houve um pequeno problema com o carro. Saímos de lá cedo, mas só conseguimos chegar agora. Nem
fomos para minha casa, viemos direto para cá.
— Eu disse que ela ia achar ruim — tomou Carlinhos para Marcos. Depois continuou: — Nossa, como a árvore está linda! Vocês fizeram tudo melhor do que nós.
Rita aproximou-se, estendendo a mão para Osvaldo.
— Que bom vê-lo! Feliz Natal!
— Obrigado, feliz Natal para vocês também.
Clara refez-se da surpresa.
— Obrigada. Eu estava mesmo zangada. Estamos esperando faz tempo.
— Bem, agora que já está explicado, vou embora.
— É cedo, pai. Por que não fica aqui um pouco mais? — disse Carlinhos.
—Obrigado, meu filho, mas preciso ir.
— Pelo menos aceite um copo de vinho — disse Rita estendendo o copo para ele. Vamos brindar juntos.
Ele segurou o copo, o coração aos pulos. Não conseguia desviar os olhos de Clara. Ela estava mais linda do que quando a conhecera.
Mais requintada, mais fina.
—A felicidade de todos nós — disse Rita. Eles repetiram em coro, tocando os copos levemente.
— Como foi a festa? — indagou Clara, tentando controlar o nervosismo.
— Foi maravilhosa! — disse Marcos.
— Claro. Em tão boa companhia! — comentou Carlinhos sorrindo.
Rita apanhou um prato com salgadinhos e ofereceu-o a Osvaldo:
—Experimente um desses. Devem estar com fome.
Osvaldo apanhou um e respondeu:
— De fato, os meninos estão com fome mesmo. Por isso já vou indo. Não quero atrasar ainda mais a ceia de vocês.
— Por que não fica para cear conosco? — indagou Carlinhos.
— Obrigado, meu filho, mas as pessoas lá em casa estão me esperando.
Osvaldo colocou o copo sobre a mesinha e despediu-se. Depois que ele saiu, Carlinhos tornou:
— Mãe, por que você não pediu a ele para ficar?
— É mesmo — interveio Marcos. — Se você tivesse convidado, ele teria ficado.
—Ele disse claramente que não podia. Há pessoas esperando em sua casa — respondeu Clara.
— Rosa e José! Papai vai passar a véspera de Natal sozinho com os empregados —
comentou Carlinhos.
— Ele tem família. Certamente ficarão juntos.
— Vovó e tio Antônio estiveram no sítio. Estavam cansados e disseram que iam dormir cedo — retrucou Marcos.
— Chega de conversa. Vão tomar um banho rápido para espantar o cansaço — pediu Clara.
Os dois subiram e Clara os acompanhou. Ela havia comprado roupas novas para aquela noite e queria que eles as vestissem.
Os dois entraram no banheiro e Clara ficou colocando sobre a cama as roupas que iriam vestir. Ouviu perfeitamente quando Marcos comentou:
— Acho que papai não vai ficar só com os empregados.
— Por que diz isso?
— Ouvi Marta combinando com Rosa de fazer uma surpresa para ele.
— Ela vai aparecer na casa dele hoje?
— Vai. Disse que comprou um presente maravilhoso. Comentou que não ia permitir que papai ficasse sozinho.
— Eu disse que ela está caidinha por ele. Qualquer um pode notar isso. Será que ele sabia?
— Claro que não. Ela queria fazer surpresa, mas ele vai gostar. Também, uma surpresa dessas!
— Rosa pode ter contado a ele. Vai ver que foi por isso que não aceitou nosso convite.
Clara desistiu da arrumação e desceu. De repente seu entusiasmo desapareceu, a depressão voltou. Não tinha por que se importar com Osvaldo. Era natural que ele encontrasse outra
mulher e fosse feliz.
Mas a sensação desagradável não passava. Pegou outro copo de vinho e sentou-se pensativa.
Rita aproximou-se:
— Por essa você não esperava.
— Não mesmo.
— Por isso está com essa cara?
— Que cara? Eu estou muito bem. É que os meninos me deixam nervosa com a demora.
Estou com fome.
—Sei. Você gostaria que Osvaldo tivesse aceitado o convite?
— Isso não tem cabimento. Tiraria nossa privacidade. Ainda bem que ele teve o bom senso de recusar. Carlinhos continua inconveniente.
— Pois eu gostaria que ele ficasse. Afinal, Natal é festa de família. Os meninos ficariam contentes.
— Eles já ficaram tempo demais com ele. Agora é minha vez.
Rita sorriu. Os dois desceram e Carlinhos comentou:
— Nós saímos cedo do sítio porque papai queria que passássemos na casa dele para poder nos dar nossos presentes. Ainda nem os abrimos. Estou morrendo de curiosidade.
Clara impacientou-se:
— Vamos servir a ceia. Já é quase meia-noite.
Osvaldo deixou a casa dos filhos emocionado. Clara sempre fora bonita. Todavia os anos a haviam transformado em uma mulher de classe, muito atraente.
Daria tudo para ter ficado lá, mas de que adiantaria? Serviria apenas para aumentar seu sofrimento. Vê-la perto sem poder tocá-la, sentir seu perfume, sem poder beijá-la, seria um
tormento constante.
Perdido em seus pensamentos, não viu que Válter estava do outro lado da rua,
acompanhando-o com os olhos.
Era fora de dúvida que Osvaldo estava reatando com a família. Trouxera os filhos, entrara na casa. Talvez até estivessem planejando a vida juntos. Precisava fazer alguma coisa. Não
podia mais esperar.
Depois que Osvaldo entrou no carro e se foi, Válter decidiu procurar dois conhecidos na periferia. Bertão, ex-policial, era seu companheiro de bar. Várias vezes abrira-se com ele
contando os próprios problemas.
Quando Bertão foi mandado embora da polícia por tráfico de drogas, Válter depôs a seu favor, dizendo que aquela droga era para consumo de ambos.
Bertão foi exonerado, mas livrou-se da prisão. Depois disso, passou a prestar pequenos serviços a quem pagasse. Encontrou-o no bar de sempre, bebendo. Abraçaram-se, reclamaram da vida, da solidão, da falta de dinheiro.
—Neco não apareceu por aqui hoje? — indagou Válter.
— Não. Ele não está abandonado como nós. Arrumou uma viúva que o convidou para ceia. Vai passar a noite lá.
— Sabe, Bertão, estou resolvido a dar um jeito na minha vida. Chega de ficar em segundo plano. Preciso que vocês dois me façam um serviço.
— Eu topo. Estou precisando de dinheiro. Meu aluguel está vencido. Se não pagar logo, serei despejado.
— Verei o que posso arrumar. Você sabe que atualmente estou sem dinheiro.
— Você é meu amigo. Se eu não estivesse nesta situação, nem falaria em dinheiro. Mas, nas atuais circunstâncias, só posso aceitar se me pagar.
— Mas você vai ser recompensado.
— Nesse caso, pode me contar tudo.
— Você sabe dos meus problemas. A mulher que eu amo, pela qual sacrifiquei tudo nesta vida, não quer nada comigo. O ex-marido reapareceu rico e anda no pedaço, e ela prefere voltar a viver com ele.
— Que ingratidão! Depois de tudo que você fez por ela...
— Para você ver. Mas, se ele desaparecer, ela acabará voltando para mim. Clara me amava. Traiu o marido por minha causa.
— Você quer dar um susto nele?
— Susto? Eu quero que vocês apaguem esse cara. Deve desaparecer para sempre.
— Isso é perigoso. Não estou disposto a correr riscos.
— Vocês sabem como fazer isso. Olhe, o sujeito é muito rico. Só o carro de luxo dele vale um dinheirão. Vocês podem ficar com todo o lucro. Eu não quero absolutamente nada, só que ele saia do meu caminho de uma vez.
Bertão tomou alguns goles, tirou umas baforadas do cigarro jogando a fumaça para o ar, depois respondeu:
— Falarei com Neco. Vamos estudar esse caso.
— Garanto que não vão se arrepender. Podem entrar na casa e levar muita coisa. Ele vive em uma mansão, sozinho com alguns criados. Forneço os dados, depois nos reunimos para programar a ação.
— Eu ainda não disse que vamos aceitar.
— Estou certo de que, depois de estudar, vocês não vão recusar.Vai ser sopa.
Os sinos da igreja badalaram a meia-noite comemorando o Natal, mas os dois, imersos em energias escuras e viciadas, nem sequer perceberam. Continuaram bebendo e tecendo seus
nefandos planos para o futuro.
Nos dias que se seguiram, Osvaldo não conseguia esquecer o rosto de Clara. Ela povoava seus pensamentos, e ele recorreu à oração, suplicando aos amigos espirituais que o ajudassem a controlar aquele amor que depois do reencontro se acendera mais do que nos tempos de juventude.
Marta, vendo-o calado e pensativo, fazia tudo para alegrá-lo.Apesar de continuar amável, trabalhando como sempre, ela notava que havia um brilho triste em seus olhos.
Tinha conversado com Rosa tentando descobrir o que estava acontecendo.
— A senhora sabe o que está havendo com Osvaldo? Ele anda quieto, diferente. Nosso projeto está melhor a cada dia. Ele deveria estar satisfeito.
Rosa olhou séria para Marta e respondeu:
— Não aconteceu nada. Ele é assim mesmo.
— Não creio. Antes ele era mais alegre, entusiasmado. Agora há momentos em que me parece distante, sem vontade de conversar. Alguma coisa está acontecendo com ele.
— Talvez ele não tenha boas recordações. Ele sofreu uma desilusão amorosa no passado. Mas agora está tudo bem.
Marta ficou pensativa por alguns instantes, depois considerou:
— Não pode ser só o passado. Sinto que ele está sofrendo, e é coisa de agora. Ele mesmo diz que é preciso soltar o passado e viver no presente.
Rosa, apesar de haver notado, não quis comentar. Respondeu:
— Esqueça isso. Não está acontecendo nada.
Ela sabia que Osvaldo havia se encontrado com Clara. Comentara com o marido que ele ficara mais introvertido depois disso.
Na véspera do Natal, ele lhe contou que fora falar com Clara sobre o atraso dos filhos. Rosa notou que os olhos de Osvaldo brilhavam emocionados ao mencionar isso. Logo depois
chegaram Marta e alguns amigos para cumprimentá-lo, conforme haviam planejado.
Rosa observou que foi difícil para Osvaldo manter a atenção na conversa dos amigos.
Quando se despediram, uma hora depois, ficou aliviado. Conversou com o marido:
— Acho que Osvaldo ainda gosta de Clara. Você notou como chegou aqui hoje?
— Muito inquieto, distraído.
— Isso mesmo. Ele entrou na casa dela e conversaram. Justino não disse nada?
— Não. Ele é um motorista muito discreto. Depois, não sabe nada sobre o passado.
Marta veio perguntar se eu sabia o que estava acontecendo. Ela também notou.
— Vocês estão sempre vendo coisas. Há dias que as pessoas gostam de estar sozinhas, descansar. Osvaldo está cansado. A festa no sítio deu muito trabalho. Ele atendeu a muita
gente.
— Pois eu acho que aí tem coisa. O futuro dirá.
Osvaldo havia programado férias para os trabalhos do sítio. Voltariam no mês de fevereiro.
Só o laboratório estava funcionando. Ele queria dedicar mais tempo às pesquisas que estavam realizando sob a orientação dos espíritos.
Haviam montado um aparelho que registrava os tipos de energias das plantas, e a cada dia que passava eles estavam mais entusiasma dos com as descobertas.
Nos dias que se seguiram,Osvaldo entregou-se ao trabalho, tentando não pensar em Clara.
Mas estava difícil. Percebendo que era inútil, decidiu não lutar mais contra seus sentimentos. Amava Clara. Não adiantava fugir. Aceitou essa verdade resignado e assim conseguiu acalmar um pouco sua ansiedade.
Sentia que seria assim pelo resto de sua vida. Não havia nada que pudesse fazer para apagar esse sentimento do coração.

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