Capítulo 14

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— Não quero. Vou embora.
Osvaldo continuava segurando o braço dele.
— Não vai, não. Venha, vamos até o carro.
— Você está me obrigando a fazer uma coisa que eu não quero.
— Não compreende que não podemos deixar como está? Se depois de nossa conversa você decidir que nunca mais quer me ver, saberei respeitar. Mas precisa me dar a chance de
explicar o que aconteceu. Vamos.
Carlos não respondeu e acompanhou-o. Uma vez no carro, Osvaldo considerou:
— O que vou lhe dizer não significa uma crítica à sua mãe. Reconheço que o amor independe da nossa vontade. Assim como ele vem, pode ir embora. Foi o que nos aconteceu. Sua mãe apaixonou-se por outro e não teve coragem para me dizer.
— Isso não é verdade. Depois que você nos abandonou, ela não quis nada com ele.
— Ela tomou essa decisão depois. Mas, quando os surpreendi juntos, fiquei louco. Essa possibilidade nunca havia passado pela minha cabeça. Eu continuava a amá-la como no
primeiro dia.
— Do jeito que você fala, ela foi a única culpada. Mas eu não penso assim. Mamãe tem sido maravilhosa. Trabalhou muito para nos manter enquanto você não se importou com
nossas necessidades.
— Você tem razão, mas eu também não tinha como sustentá-los. Minha cabeça estava perturbada. Havia abandonado o emprego e não podia pensar em nada que não fosse a dor
que me atormentava. Você não pode saber o que é esse inferno: o ciúme, a sensação de fracasso, a perda da confiança e até da vontade de viver.
— Você fugiu, não teve coragem de enfrentar. Desapareceu quando nós mais precisávamos de você.
— Reconheço que fui fraco. Não me culpo, porque sei que naquele momento estava impossibilitado de fazer outra coisa. Meu mundo desabou de tal forma que perdi o senso. Pensei em morrer.
Carlos olhou para ele assustado. Osvaldo continuou:
— Minha família me cobrava uma atitude. Queriam que matasse meu rival, mas sou contra qualquer tipo de violência. Não desejava me vingar. Resolvi desaparecer. Tomei um trem, mas meu tormento era tanto que em um momento de irreflexão quis morrer e pulei do vagão em movimento.
Carlinhos ouvia em silêncio, mãos crispadas, rosto ansioso. Osvaldo, olhos perdidos em suas lembranças, prosseguiu:
— Deus quis me poupar de cometer esse desatino. Fiquei desacordado e fui salvo por um camponês e seu filho que passavam pela estrada e me recolheram. Sua família, gente
simples e boa, fez tudo para salvar minha vida. Foi Antônio, um curandeiro da roça, quem
me fez voltar à vida e cuidou de mim. Mais tarde, fui morar com a família dele em seu sítio, onde ele me ensinou muitas coisas. É um homem sábio, que muito me ajudou a retomar aos
poucos a coragem de continuar vivendo. Eu gostaria de ter agido diferente, mas não pude.
As lágrimas lavavam o rosto de Carlos e ele não conseguia falar.
Emocionado, Osvaldo continuou:
— Durante esse tempo todo senti muita saudade de vocês, da nossa vida juntos, mas não tinha coragem de voltar. Pretendia viver o resto dos meus dias naquele ambiente simples, com aquelas pessoas que me ensinaram a bondade, uma vez que eles vivem ajudando todos
que os procuram. Porém não suportei a saudade e, uma tarde em que fomos à vila, telefonei para tia Ester. Então fiquei sabendo como vocês estavam. Desde então, passamos a nos
corresponder. Tia Ester falava com Rita para saber de vocês, depois me escrevia contando.
Soube que vocês me davam por morto. Achei melhor deixar assim. Mas tia Ester morreu e me encarregou de cuidar de tudo que possuía. Fez-me seu herdeiro e decidi voltar. Pensei
que podia dividir esses recursos com vocês e compensá-los de alguma forma pelo tempo que ficamos separados.
— Nós não precisamos do seu dinheiro — disse Carlos com voz magoada.
— Não é apenas isso que vim lhes oferecer. Não entende como me sinto? Vivi todo o tempo sem nenhum recurso financeiro, e isso pouco me importava Voltei para dizer que sempre amei vocês, que não pude fazer melhor do que fiz porque sou fraco. Mas o amor que existe em meu coração continua o mesmo. Não houve um dia sequer que eu tenha
deixado de pensar em vocês, em como gostaria de abraçá-los e dizer o que me vai no coração.
Carlos esforçava-se para manter-se firme, mas não pôde conter os soluços. Osvaldo abraçou-o, beijando seus cabelos com carinho, misturando suas lágrimas.
— Filho, como desejei abraçá-lo como agora! Diga que me perdoa e não me negue o conforto da sua amizade.
Carlos não pôde responder de pronto. Continuaram abraçados durante alguns instantes.
Depois ele respirou fundo e respondeu:
— Perdoe-me, pai. Eu também sofri muito por não ter você e não saber onde se encontrava.
Muitas vezes acordava durante a noite e não conseguia mais dormir pensando onde e como você estaria, se havia morrido, se estava doente, passando necessidade. Foi horrível.
Osvaldo apertou-o de novo em seus braços e beijou-lhe a testa, dizendo:
— Esse tempo passou, meu filho. Eu voltei e pretendo nunca mais deixá-los.
— Você vai voltar para casa?
— Isso não é possível. Mas estarei sempre com você e seu irmão.
— Você não perdoou mamãe. Ainda guarda ressentimento do passado.
— Eu não a condeno. Assim como eu, ela fez o que pôde diante do que sentia. Mas compreenda que nosso relacionamento rompeu- se naquele tempo e não tem volta. Ela não
me ama mais. Depois, muitas coisas aconteceram todos estes anos. Nossos caminhos são diferentes. Mas isso não muda em nada o fato de que vocês são meus filhos e eu os amo muito.
— Você não a ama mais?
Apanhado de surpresa, Osvaldo não soube o que dizer. Ficou calado por alguns instantes, e Carlinhos continuou:
— Você diz que ela não o amava mais. Contudo, ela nunca arranjou outro. Teve oportunidade. Eu vi. Mas nunca quis. Sempre pensei que ela nunca o esqueceu.
— Não alimente ilusões, meu filho. O que passou não volta, por mais saudade que tenhamos.
— Você tem outra mulher?
— Não.
— Vocês são novos ainda. Por que continuam sozinhos?
— Talvez porque uma vez foi o bastante para não desejar repetir a dose. Mas falemos de você. Gostaria que me falasse do que gosta, quais seus planos para o futuro.
Osvaldo sentia-se feliz por ter rompido a barreira que o separava do filho. Dali para frente, ele poderia tomar-se mais amigo deles, ajudá-los a viver melhor, com mais conforto, amor e alegria.
Deixou o filho em casa com a promessa de se encontrarem para um jantar no fim de semana.
— Vou ligar para Marcos e combinar — disse ele na despedida.
Carlos entrou em casa e Rita fixou-o admirada.
— Aconteceu algo? — indagou, notando seus olhos vermelhos
— Papai estava me esperando na saída da escola. Estivemos conversando.
Rita parou o que estava fazendo e disse:
— Vocês se entenderam?
— Sim. Ele me explicou muitas coisas e fez-me mudar de idéia.
— Fico feliz. O Sr. Osvaldo foi sempre um homem bom, um pai amoroso.
— Acho que ele ainda ama mamãe.
— Pode ser. Ele era muito apaixonado por ela.
— Bem que eu notei. Quando ele falava nela, seus olhos brilhavam. Mas ele disse que não pretende voltar para casa.
— É melhor você não se envolver nesse assunto. Sua mãe pode não gostar.
— Ela já chegou?
— Ainda não. Mas ela tem estado nervosa. Teme que vocês se apeguem a ele e a deixem.
— Isso nunca vai acontecer. O lugar dela é sagrado. Tanto eu quanto Marcos sabemos como ela nos quer bem e tem se esforçado para nos dar conforto e amor.
Rita sorriu e passou a mão no rosto dele, acariciando-o.
— Eu sei disso. Vocês são os melhores filhos do mundo. Agora vá tomar banho que sua mãe logo estará aqui para o jantar.
Enquanto ele subia contente, Rita não continha a alegria. Depois de tantos anos, as coisas estavam começando a voltar aos devidos lugares. Não acreditava na reconciliação de
Osvaldo e Clara. Mas achava muito bom que os meninos pudessem conviver com o pai, usufruindo seu carinho e proteção.
Clara chegou em casa uma hora depois e Marcos já estava presente. Rita mandou servir o jantar e não lhe contou nada. Preferia que Carlinhos o fizesse.
Depois do jantar, Carlos chamou a mãe, dizendo:
— Aconteceu uma coisa que preciso lhe contar.
— O que foi? — indagou Clara, preocupada.
— Vamos nos sentar na sala.
Depois de acomodados, ele continuou:
— Papai foi me esperar na escola e tivemos uma conversa.
Clara empalideceu, mas esperou que ele prosseguisse.
— Ele me contou tudo que lhe aconteceu depois que saiu de casa.
Com voz emocionada, Carlos relatou o que Osvaldo lhe contara. Clara sentia o peito oprimido, enquanto a sensação de culpa reaparecia com toda a força.
As lágrimas começaram a cair e ela disse em tom amargurado:
—Eu sei que fui culpada de tudo. Você deve estar me odiando. Se soubesse como me arrependo! Mas agora é tarde. O mal já está feito e não há como voltar atrás.
Carlos abraçou-a com carinho:
—Não se culpe, mãe. Papai fez-me entender que tanto você quanto ele eram muito jovens e não tinham maturidade para agir de outra forma. Ele não a condena. Ao contrário. Aceita os fatos como são. Disse que ninguém manda no coração, que você deixou de amá-lo, apaixonou-se por outro e não teve coragem para dizer a verdade.
Clara levantou o rosto lavado em lágrimas e perguntou admirada:
— Ele disse isso mesmo? Não me odeia pelo que fiz?
— Não vi ódio nem ressentimento em seus olhos. Notei só amor. Cheguei a pensar que ele ainda ama você. Ele também não se casou mais. Vive sozinho.
Clara ficou calada por alguns instantes. A postura nobre do marido a comovia. Era a primeira vez que via um homem traído, da forma como aconteceu, não guardar rancor.
— Pode ser que ele não me odeie. Mas amar não, acredito. Você está exagerando. O que eu fiz, nenhum homem perdoa. O que mais ele lhe Contou?
— Mais nada. Só disse que o relacionamento de vocês não tem nada a ver com seu amor de pai. Ele quer conviver conosco, nos apoiar e proteger. Por fim, combinamos jantar no sábado.
Clara suspirou resignada. O aperto no peito continuava, mas e sentia que não poderia impedir Osvaldo de conviver com os filhos. Seria puni-lo duas vezes.
Vendo que ela continuava pensativa, Carlos abraçou-a, dizendo que Papai é um homem bom e eu gosto dele. Mas você vem em primeiro lugar. Não pense que vou esquecer o que
tem feito por nós. Beijou-a na testa e continuou: — Não fique triste por ele ter voltado. Tenho Certeza de que vamos viver muito melhor sem aquela mágoa no coração. Eu
gostaria muito que você também esquecesse o passado. Chega de culpar-se, de ficar lembrando o que já foi e não tem remédio. Mãe, de agora em diante, vamos começar uma
vida nova. Meu maior desejo é vê-la feliz.
Clara apertou o filho nos braços, beijando-o na face.
— Obrigada, meu filho. Você tem razão. Precisamos enterrar passado de uma vez. Vocês são jovens, precisam viver em um ambiente alegre e merecem ser felizes. Nunca mais voltaremos a este assunto
— Agora gostei! — disse Marcos, que havia alguns minutos estava parado na soleira ouvindo a conversa sem querer interromper.
—Finalmente vocês entenderam. O passado está morto e não tem volta vamos tocar nossas vidas para frente com alegria. Nossa felicidade é de como olhamos a vida. Vamos pensar
sempre no melhor.
Clara abriu os braços e os três juntaram-se no mesmo abraço.
Mais tarde, quando os rapazes se recolheram, Rita, satisfeita, aproximou-se de Clara.
— Agora está tudo bem.
—Não sei. Ainda sinto meu peito oprimido.
—Deveria sentir-se aliviada. Estava com tanto medo!
—Ainda estou. Você acha que Osvaldo pode estar fingindo?
—Como assim?
—Dizendo aos meninos que não me odeia. Isso não é natural. No fundo ele deve estar com raiva, me culpando.
—Você está fantasiando. Não sabe o que vai no coração dele. Osvaldo sempre um homem muito bom.
—Nenhum homem perdoa o que eu fiz.
—Você também precisa parar de culpar-se. Você se odeia pelo que fez por isso não aceita que ele não faça o mesmo. Quer dividir sua culpa com ele. Só que ele entendeu diferente.
Carlinhos me contou reconhece que vocês eram imaturos. Cada um foi fraco em um ponto, e deu no que deu. Aliás, já ouvi Dona Lídia falando sobre isso.Ela pensa como ele. Clara
suspirou pensativa.
—Ele sempre foi melhor do que eu. Pode ser mesmo que tenha do não guardar rancor.
—Assim é melhor. Você não pode julgar os outros por você.
Cada pessoa tem seu próprio modo de ver e sentir as coisas. — Fez pequena pausa e comentou: — Deu para perceber que você continua gostando de Osvaldo.
—É verdade. Eu o admiro e desejo muito que ele seja feliz. Carlinhos disse que ele também não se casou mais. Depois do que passamos não dá para começar tudo de novo. Eu nunca mais quero ninguém.
Naquele momento em sua casa, Neusa, mãe de Osvaldo, preparava-se para dormir quando Antônio bateu na porta do quarto e foi entrando:
— Mãe tenho uma novidade.
Ela interessou imediatamente:
—O que é?
— Hoje fui ao bar de José e encontrei Válter.
— Aquele sem-vergonha?
Antônio deu de ombros e disse malicioso:
— Homem é homem. Clara é que foi sem-vergonha. Se ela não desse trela, ele não teria feito nada.
— Os dois são farinha do mesmo saco. Já disse que não gosto você converse com ele.
— De vez em quando nos encontramos, e não posso evitar. A final, ele é meu amigo,
sempre foi bom para mim. Arranjou aquele emprego que eu nunca deveria ter largado.
Nunca mais arranjei emprego tão bom. Temos vivido mal. Para dizer a verdade, é Válter
que ai tem me arrumado uns bicos para ganhar algum. Não posso perder amizade por causa
de um irmão que nunca se importou conosco. Agora que voltou rico, bem que podia nos ajudar. Mas até hoje nem perguntou se precisamos de alguma coisa.
— Deixe seu irmão em paz. Ele sempre foi ingrato mesmo.Mas temos de engolir tudo e nos
aproximarmos dele. Uma hora ele vai ver quanto precisamos de dinheiro e vai nos ajudar.
— Tomara. Mas Válter ouviu falar sobre a herança de Osvaldo me procurou para saber dos
detalhes. Estava muito irritado. Disse que tia Ester deveria ter deixado esse dinheiro para nós, não para Osvaldo.
— Conheço aquele bajulador. Disse isso para agradar, e você entrou logo na dele.
— Ora, mãe, que interesse ele pode ter? É ele quem tem no ajudado. Sabe o que ele me disse?
Neusa balançou a cabeça negativamente e ele continuou:
— Que ainda ama Clara. Está disposto a casar-se com ela.
— Casar como, se ela já é casada?
— Há jeito para tudo. Basta ter dinheiro. Conheço gente desquitada que se casou por contrato ou em outro país e hoje vivem muito bem, criaram família e são respeitados.
— Ele nunca deveria pensar em fazer isso com Clara. Assim ela traiu Osvaldo, pode fazer o mesmo com ele.
— Foi o que eu disse a ele. Mas Válter acredita piamente na honestidade dela. Tem vigiado seus passos e disse que ela nunca saiu com ninguém. Nem com ele.
— Ainda bem. Já pensou nos meninos?
— São seus netos, mas nunca nos visitam. Ela não deixa.
— Por isso não a perdôo.
— Eu acho que Clara não vai dar mais confiança a Válter.Se não ficou com ele quando estava sem saber de Osvaldo, agora que ele voltou rico vai querer dar em cima dele de
novo.
Neusa pôs as mãos na cabeça.
— Deus nos livre e guarde! Tudo menos isso!
O pior, mãe, é que aquele bobo pode bem cair nessa. Nunca vi ninguém mais mole do que ele.
— Amanhã mesmo vou fazer-lhe uma visita. Preciso sondar o que ele pensa e, se for preciso, abrir-lhe os olhos.
— Tempo perdido. Ele nunca nos ouviu!
— Mas vou tentar. É meu dever de mãe.
No dia seguinte, Neusa foi à casa de Osvaldo. José atendeu-a e informou que o patrão estava tomando café na copa. Ela foi entrando sem esperar que ele o avisasse. José seguiu-a
contrariado.
Quando entraram na copa, ele foi logo dizendo:
— Desculpe, mas não pude evitar.
— Está tudo bem — respondeu Osvaldo, levantando-se para cumprimentar a mãe.
— Meu filho! Eu vim porque estava com saudade. Você nunca vai nos visitar, saber como estou.
— Sei que está muito bem. Já tomou seu café?
— Já. Mas é claro que não foi tão farto quanto este. Antônio está desempregado desde...
Hesitou um pouco. Depois, vendo que Osvaldo continuava calado, continuou: — Você sabe: ele perdeu aquele ótimo emprego por causa de Clara. Nunca mais conseguiu outro
igual.
Osvaldo havia se sentado novamente, levou a xícara de café com leite aos lábios e disse calmo:
— Se ele se esforçar, poderá arranjar outro melhor.
— Eu sou testemunha de como ele tem se esforçado. Mas está difícil.
— Sirva-se à vontade — disse ele.
Ela se serviu de café com leite e uma generosa fatia de bolo, dizendo com voz queixosa:
— Ainda bem que você voltou. Precisa saber como temos sofrido todos estes anos. Há dias em que não temos nada para cozinhar. Suspirou resignada e concluiu: — Mas eu não vim
aqui para me queixar nem lhe trazer problemas.
— É bom saber disso.
— Vim para dizer que Antônio esteve com Válter e ficou sabendo muitas coisas.
Osvaldo olhou para ela com seriedade e respondeu:
— Não quero falar sobre esse assunto.
— Mas eu preciso dizer. Ele ainda está apaixonado por Clara, deseja casar-se com ela, por contrato ou sei lá como. Está achando que ela não vai aceitá-lo porque você voltou rico. Ela
agora vai preferir voltar para você. Isso seria uma vergonha. Você não pode concordar com uma coisa dessas.
Osvaldo trincou os lábios, procurando conter a raiva. Fitou-a sé rio e respondeu:
— Eu disse que esse assunto não me interessa. Você insiste, e isso me irrita.
— É que eu sou sua mãe. Não posso permitir que você volte para ela. O que os outros vão dizer? Diga-me que não pretende perdoá-la. Ela infelicitou toda a nossa família e merece ser castigada.
Osvaldo levantou-se tentando manter o controle.
— Não lhe dou o direito de meter-se em minha vida, muito menos dizer o que devo ou não fazer. Este assunto diz respeito apenas a mim e a meus filhos. Não admito que se intrometa.
— Apesar de tudo, você ainda a defende! Antônio tem razão: se ela quiser voltar, você vai cair feito um bobo.
— Eu lhe disse para não falar nisso, mas você insiste. Não vou ficar ouvindo. Tome seu café e depois vá embora. Enquanto estiver pensando dessa forma, não venha mais aqui.
— Meu filho! Está expulsando a mim, que sou sua mãe, para de fender aquela desclassificada? Não posso acreditar.
— Acredite — disse ele com voz fria. — Agora preciso sair. Se for para falar do passado, não venha mais me visitar.
Ele saiu, deixando Neusa, que estava com cara chorosa mas logo mudou a fisionomia e tratou de saborear as guloseimas que havia sobre a mesa. José observava-a furtivo e não
conteve o riso. Conhecia Neusa o suficiente para saber o quanto era fingida. Considerou que felizmente o patrão não se deixara envolver pelas palavras dela.
Osvaldo fechou-se no escritório pensativo. Apesar de não levar a sério nada do que Neusa dizia, não conseguiu deixar de pensar em suas palavras. Não acreditava que Clara aceitasse casar-se com Válter. Se ela gostasse dele, teria ficado a seu lado quando se separaram.
As informações que lhe deram eram de que Clara rompera com Válter havia muitos anos,
demonstrando claramente que não desejava viver com ele. Por que agora, tantos anos depois, quando a vida o trouxe de volta, Válter reaparecia insistindo no mesmo propósito?
E se desta vez Clara se dispusesse a aceitá-lo? Osvaldo sentiu um aperto no peito e levantou-se nervoso.
Ele não tinha mais nenhum direito sobre Clara. Ela era livre para fazer o que quisesse com sua vida. Por que então essa inquietação, esse medo? A mágoa que tentara eliminar e
julgava extinta ainda estaria em seu coração?
Lembrou-se dos filhos. Era por isso que ele não desejava que eles reatassem. Só pelos filhos.
Esse pensamento o acalmou. Clara era dona de si e não lhe de via nenhuma explicação.
Mas a idéia de que Válter a estivesse procurando para reatar deixava-o irritado.
— Qualquer um, menos ele — pensava nervoso.
Habituado a estudar os acontecimentos do dia-a-dia na tentativa de compreender o que a
vida desejava ensinar-lhe, pensava que o fato de sua volta ter reacendido o interesse de Válter por Clara precisava ser analisado.
Sentia que a vida os estava reunindo, trazendo o passado à tona por alguma razão. Mas para quê?
Se ele não odiava ninguém, se havia conseguido compreender a atitude de Clara, se via em Válter um conquistador como tantos outros que se prevaleceu da fraqueza de uma mulher, por que tinha que rever tudo outra vez?
Sabia que, quando uma situação está espiritualmente resolvida, ela não se repete e as pessoas envolvidas só voltam a se encontrar se o quiserem. Se o passado estava de volta, se
a vida estava reunindo as pessoas, era porque ainda havia problemas inacabados, fatos a a esclarecidos.
Osvaldo suspirou fundo. Bem que ele gostaria de não voltar a esse passado, mas ao mesmo tempo sentia que, se a ferida doía, ainda estava preso a ele.
Seu primeiro impulso foi de ir embora, voltar para o interior, onde a vida era simples e calma. Daria toda a sua fortuna para os filhos e viveria o resto de seus dias trabalhando com
Antônio. Tinha saudade dos momentos de oração e da alegria de viver entre pessoas amorosas e sinceras.
Sentou-se na cama e passou a mão pelos cabelos angustiado. Lembrou-se dos filhos, de seus encontros com eles e o prazer que havia sentido em estar a seu lado. Lembrou-se dos
projetos que haviam feito. Ele não queria separar-se deles de novo.
Fugir não era solução. Onde quer que fosse viver, os problemas não resolvidos iriam junto, dentro do seu coração.
Enquanto trabalhava com Antônio, muitas vezes tinha sido procurado por pessoas que em meio aos próprios problemas emocionais buscavam a ajuda espiritual para um conselho,
uma palavra de esclarecimento.
Ele as ouvia com atenção e sob a inspiração dos amigos espirituais procurava tornar clara a
situação, analisando-a sob a óptica da espiritualidade.
Respeitando o livre-arbítrio de cada um, esclarecia as possibilidades, nunca opinando sobre
o que deveriam fazer.
Algumas frases que os amigos espirituais costumavam dizer vieram-lhe à mente:
“Cada um é responsável por tudo quanto lhe acontece. Como é que você atraiu tudo isso?”
Reconheceu que era mais fácil ser canal dos espíritos, aconselhar os outros, do que fazer.
Uma coisa era certa: fugir seria repetir o mesmo erro. Não. Ele precisava ficar e enfrentar o
que viesse. Sentia-se arrastado de volta ao passado. Nos fatos que tanto o infelicitaram ainda havia lições que ele não aprendera. Por isso a vida o chamava a recapitular.
Emocionado, Osvaldo ajoelhou-se e orou pedindo aos amigos espirituais que o inspirassem para que conseguisse perceber a verdade.
De repente sentiu-se forte, disposto a enfrentar o futuro e aprender as lições que lhe faltavam. Certa vez firmara interiormente o propósito de trabalhar a favor das energias da
vida.
Sabia que, para isso, teria de ficar atento aos sinais que ela lhe daria. Para segui-los era preciso não julgar ninguém, estar aberto aos acontecimentos, olhar os fatos sempre pelo lado positivo.
Para trabalhar a favor da vida é indispensável acreditar que ela sempre faz o melhor, visando o progresso de todos.
Osvaldo levantou-se sentindo um brando calor dentro do peito. O aperto e a angústia haviam
passado.

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