Capítulo 28

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Clara chegou em casa no fim da tarde. Pouco depois recebeu a visita de
Felisberto e Durval.
Surpreendida, mandou-os entrar. Uma vez na sala, Durval disse sério:
— Dona Clara, precisamos conversar.
— Aconteceu alguma coisa?
— Infelizmente aconteceu — tornou Felisberto.
Clara levantou-se nervosa:
— Meu filho viajou com Osvaldo. Aconteceu algum acidente?
— Não. Mas, a casa do Sr. Osvaldo foi assaltada e eles levaram os dois —
respondeu o advogado.
— Meu Deus! Levaram como?
Rita apoiou Clara, que cambaleou.
— Calma, Clara. Vamos ouvir.
— Por favor, digam o que aconteceu.
Ele contaram tudo, e Clara deixou-se cair no sofá transtornada.
— Quero ir à polícia, falar com o delegado. Isso não pode ter acontecido com eles.
— O delegado vai mandar um investigador aqui para conversar com todos da casa. Eles querem guardar sigilo por enquanto para não prejudicar as
investigações. Na delegacia há repórteres.
Rita suspeitou de Válter, más não quis dizer. Perguntou apenas:
— Os ladrões levaram muita coisa?
— Nada. Apenas os dois — esclareceu o detetive. — Suspeito que Válter esteja
metido nisso.
Clara deu um salto.
— Não pode ser. Ele não faria isso! Se fosse só Osvaldo eu até poderia acreditar.
Mas levar Carlinhos... isso não.
— Suspeitamos que eles o tenham levado por força das circunstâncias. O rapaz
acordou, viu-os e ficaram com medo. Ao que tudo indica, ele nem teve tempo
para se vestir. As roupas dele ficaram em cima da cadeira.
Clara, apavorada, olhou para Rita.
— O que vamos fazer? Meu Deus! Carlinhos e Osvaldo na mão de bandidos.
— Eles vão pedir dinheiro para soltá-los — disse Felisberto tentando acalmá-las.
— Estamos atentos.
— Temos de estar preparados. Precisaremos arranjar o dinheiro— disse Clara aflita.
— Não se preocupe, Dona Clara. Tenho como fazer isso — esclareceu Felisberto.
— Meu Deus! O que faremos enquanto isso? Carlinhos pode estar com frio,
passando fome, apavorado.
— Vamos rezar, Clara. E o que podemos fazer. Deus não vai nos desamparar.
— Um investigador vai ficar aqui e eu vou deixar um dos meus homens também — disse Durval. — Tenho algumas suspeitas. Vou investigar.
— Tome cuidado—aconselhou Felisberto. — A polícia não quer ninguém no caso.
— Tenho minhas suspeitas e não vou esperar. Sei fazer as coisas. Fique tranqüilo.
Durval saiu com Felisberto, que foi à casa de Osvaldo consolar Rosa e José e
esperar alguma notícia.
Começou para eles o tempo terrível da espera. Rita tratou de ligar para Lídia
pedindo ajuda espiritual. Clara andava de um lado para o outro inquieta. Marcos chegou na hora do almoço e juntou-se a elas nervoso.
As horas passavam, e nada. Nenhum telefonema. Antônio não foi ao sítio porque tinha serviço a fazer na cidade. No fim da tarde, ligou para o sítio. Precisava falar com Osvaldo.
Marta atendeu e informou que eles ainda não haviam chegado.
— Como não? Ele me disse que iria bem cedo.
— Mas não veio. Talvez tenha resolvido vir amanhã.
Antônio desligou o telefone preocupado. Ligou para casa de Osvaldo e José
contou-lhe o que havia acontecido, pedindo-lhe segredo.
Antônio foi até lá e informou-se dos detalhes. Não se conformava. Ficou também à espera, mas nenhuma notícia chegava.
Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o
informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.
Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor
esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele
não iria conseguir pregar olho.
Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e
Marcos deitou-se a seu lado.
— Mãe, o que será que está acontecendo com eles?
— Não sei. Isso está me matando.
Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela.
Deve estar arrependido de ter ido.
— Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.
— Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.
Clara suspirou aflita.
— Meu Deus! Ninguém telefona.
— Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.
— Não sei o que dizer.
Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:
—Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.
Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos
encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.
—Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?
Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.
— Ele não seria capaz disso.
— Eu penso que seria. Ele odeia papai.
— Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me
conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.
— Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.
— Você acha mesmo?
— Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode
muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.
—Durval também acha.
— Se foi ele, será pior. Ele não faria por dinheiro. Nesse caso, pode tentar
alguma coisa contra Osvaldo.
Clara sentou-se na cama nervosa. Marcos arrependeu-se de haver sugerido isso.
Tentou disfarçar.
— São suposições. Vai ver que não foi nada disso. Logo vão telefonar,
entregamos o dinheiro e eles estarão de volta.
— Deus queira, meu filho.
— Você precisa descansar. Deite-se e tente dormir um pouco.
Clara deitou-se e fechou os olhos. Sabia que não conseguiria dormir. O rosto
querido de Carlos não saía de sua lembrança. Seu sorriso, sua alegria, seu
carinho... Sentia o coração apertado e o tempo parecia não passar.
Deitados no chão duro, Osvaldo e Carlinhos continuavam presos na sala escura.
Osvaldo ouviu vozes, mas o som chegava baixo e ele não conseguiu entender o que diziam. Por baixo da porta passava um pouco de luz. Levantou-se procurando
não fazer ruído, encostou o ouvido na porta. Ouviu:
— Não estou gostando nada da mudança de planos.
— Eu também não.
— Válter ficou cheio de dedos por causa do garoto. Amãe deles não precisa
saber quem fez o serviço.
— Mas ele pode se vingar, nos denunciar.
— Só se for muito burro. Não se esqueça de que a idéia foi dele.
— Bom, isso é.
— Não acho, prudente esperar, ficar aqui. Eles podem ter dado queixa à polícia.
É madrugada. Vamos acabar com eles e pronto. Ninguém vai ver.
Osvaldo recuou horrorizado. Precisava fazer alguma coisa. Acendeu um fósforo
e olhou em volta à procura de algo com que se defende, mas não encontrou
nada.
Carlinhos, vencido pelo cansaço, havia adormecido. Acordou-o dizendo baixinho:
— Levante-se.
Ele acordou, e nesse instante Bertão abria a porta.
— Vamos dar um passeio — disse.
Enquanto isso, Neco tirou dois lenços escuros, vedou os olhos dos prisioneiros e amarrou suas mãos com uma corda.
— Vamos andando — disse Neco conduzindo-os pelo braço.
Abriu o porta-malas, mas fechou imediatamente ao ver o farol de um carro se aproximando.
Empurraram os dois prisioneiros rapidamente para dentro da casa.
Bertão ficou do lado de fora. O carro parou diante do portão. Ele reconheceu
Válter e foi abrir.
— Você me pregou um susto! O que faz aqui uma hora destas?
— Fiquei de vir antes, mas tive medo de ser seguido. Notei um tipo suspeito perto de minha casa.
— Não deveria ter vindo. Tem certeza de que não o seguiram?
— Tenho. Tomei muito cuidado. O que estava fazendo aqui fora?
— Tomando ar.
— Vamos entrar.
Quando entraram, Válter viu os dois de olhos vendados e desconfiou. Disse
baixinho:
— Por que eles não estão presos?
— Por que decidi fazer diferente. Você está pondo em risco nossas vidas e não
posso admitir.
Encostou o revólver no peito de Válter, dizendo:
— Vamos, entre ali.
— Você não pode fazer isso comigo. Não combinamos de pegar o dinheiro?
— Sinto que as coisas estão mal paradas. Não vou esperar. Você vai entrar lá e
esfriar a cabeça.
Osvaldo se mexeu e Neco encostou a arma na cabeça dele, dizendo:
— Se tentar alguma coisa, eu atiro.
Carlinhos interveio assustado:
— Pai, cuidado. Não faça nada!
Osvaldo conteve-se. Eles trancaram Válter no pequeno quarto. Bertão ordenou:
— Vamos embora rápido. Isso está demorando demais.
Obrigaram os dois a entrar no porta-malas. Neco foi dirigindo.
Osvaldo ouviu distintamente Bertão dizer:
— Vamos para bem longe daqui.
— Pai, para onde estão nos levando? O que vão fazer?— perguntou Carlinhos
baixinho.
Osvaldo sabia mas não teve coragem de dizer.
— Vamos rezar, meu filho. É hora de manter a fé.
Osvaldo pensou em Alberto e pediu ajuda. Se eles tivessem de morrer, que
fossem amparados pelos amigos espirituais.
— Se ao menos eu pudesse soltar as mãos — disse Osvaldo.
Eles haviam sido colocados no porta-malas de forma que a cabeça de um ficava nos pés do outro. Carlinhos pediu:
— Estique os braços o mais que puder. Vou ver se consigo desatar seus nós com
os dentes.
Osvaldo obedeceu e Carlinhos curvou-se até alcançar os pulsos do pai. Então
começou a tentar desatar o nó com os dentes. O carro sacudia e não era nada
fácil. Seus lábios ardiam, mas ele continuou. Quando conseguiu desatar uma parte, Osvaldo liberou as mãos.
— Agora vou soltar você.
Eles conseguiram e tiraram as vendas.
— Temos de estar preparados quando abrirem o porta-malas — disse Osvaldo.
— Eu saio na frente.
— Tome cuidado, pai.
O carro parou. Neco abriu o porta-malas. Osvaldo deu violento soco na mão dele
e a arma caiu longe.
Bertão, que estava olhando o lugar para ver se era adequado, voltou-se rápido:
— O que foi?
Osvaldo, aproveitando que Neco estava desarmado e surpreso, deu-lhe violento
soco no rosto e ele caiu.
— Vá, Carlinhos, corra para o mato.
Bertão estava na sua frente com a arma apontada:
— Ele não vai a nenhum lugar. Vocês vão ter o que merecem.
Osvaldo, percebendo que ele ia atirar, pulou em cima dele segurando seu pulso, tentando fazê-lo largar a arma.
— Vá, Carlinhos, corra.
O menino obedeceu. Viu a arma de Neco no meio da estrada e chutou-a para
bem longe. Depois, embrenhou-se no mato, mas não quis se afastar muito.
Ouviu dois tiros e estremeceu. Depois a voz de Bertão gritando:
— Vamos pegá-lo. Não deve estar longe. Não pode escapar. As lágrimas corriam
pelo rosto de Carlinhos. Aqueles tiros o faziam crer que seu pai estava morto.
Precisava fugir.
Começou a correr mato adentro em busca de socorro. A noite era de lua mas, seja pelo nervoso ou pelo medo, ele não conseguia divisar o caminho.
Sentiu-se mal. Pensou:
“Eu vou desmaiar e eles vão me matar.”
Tentou reagir, mas sua vista toldou-se e ele perdeu os sentidos, rolando o
barranco.
Quando acordou, pouco depois. Seu corpo doía, sua boca ardia. Ele se sentou. O que teria acontecido?
Lembrou-se de repente. Precisava procurar pelo pai. Era possível que estivesse morto.
O barranco era íngreme, mas Carlinhos subiu quase se arrastando, segurando nos arbustos. O dia estava clareando. Chegou à estrada e não viu nada. Eles teriam levado Osvaldo?
Começou a procurar. Eles queriam matá-lo. Não o levariam de volta. Andou por ali olhando nas encostas. Finalmente viu Osvaldo. Eles o haviam atirado em um barranco e o corpo ficara preso a um arbusto logo no começo.
Soluçando desesperado, Carlinhos foi até ele e debruçou-se sobre seu corpo.
Sentiu que ele estava respirando.
— Ele está vivo!
O sangue empapara a camisa e Carlinhos abriu-a para ver de onde saía. O
ferimento era na cintura. Ele tirou a própria camisa e amarrou-a fortemente na cintura de Osvaldo, tentando estancar o sangue.
Precisava buscar socorro, mas não queria deixar o pai sozinho. Não tinha tempo a perder. Foi para a estrada, rezando para que aparecesse alguém.
Naquele instante pensou em Alberto e pediu ajuda. Mesmo andando de um lado para o outro da estrada, fez um apelo aflito aos espíritos. Naquele instante apareceu um furgão. Carlinhos fez gestos desesperados e ele parou.
— Por favor, fomos assaltados. Meu pai está ferido no barranco. Ajude-nos, pelo
amor de Deus!
O homem desceu logo e Carlinhos levou-o para ver Osvaldo.
— Ele está mal. Acho que não vai agüentar a viagem. É melhor eu ir buscar uma ambulância.
— Por favor, não nos abandone.
— Calma. Não vou abandoná-los. Vou buscar socorro. Meu furgão está cheio de mercadoria. Ele não vai ficar bem acomodado sacudindo lá dentro. Fique aqui e espere. Logo o socorro vai chegar.
De coração apertado, Carlinhos viu-o afastar-se. Osvaldo, pálido, respirava com dificuldade. Se não viessem logo, ele poderia morrer. As lágrimas corriam pelo rosto de Carlinhos enquanto ele ia e vinha da estrada ao lugar onde estava o pai, inquieto.
Finalmente a ambulância chegou e com ela uma viatura policial.
Osvaldo foi colocado na maca e recebeu os primeiros-socorros. Carlinhos não
queria separar-se do pai, mas o policial não deixou:
— Você vai conosco, contando o que aconteceu. Nós vamos juntos ao hospital.
O telefone tocou na casa de Clara e o policial atendeu. No mesmo instante, Clara e Marcos estavam ao lado dele ansiosos.
— Sim, ela está aqui. Fale com ela. — E, voltando-se para Clara:
—É seu filho.
Clara pegou o telefone. Sua voz tremia:
— Filho. O que aconteceu?
— Mãe. Estamos no hospital. Papai está ferido. Venha logo.
— Eu vou já. Diga o endereço.
Ela estava tão nervosa que não conseguia entender. O policial tomou o telefone.
Do outro lado, a atendente do hospital forneceu o endereço, porque Carlinhos mal conseguia falar.
— Vamos, vou levar vocês lá — disse o policial.
Meia hora depois, Clara chegou com Marcos e o policial. Foram conduzidos à
sala onde estava Carlinhos. Vendo-os, atirou-se nos braços da mãe, soluçando.
Filho, você está ferido!
— Eu estou bem. Papai é que está mal. Quero ficar com ele!
A enfermeira explicou:
— Ele está sendo atendido pelos médicos. Temos de esperar.
— Como ele está? — indagou Clara.
— Ainda não sabemos. Precisamos aguardar.
— Ele está mal, mãe. Perdeu muito sangue. Ele se arriscou para me salvar.
Clara abraçou Carlinhos.
—Calma, meu filho. Ele está sendo medicado. Vamos rezar para que fique bom.
A enfermeira aproximou-se.
— A senhora é esposa do paciente?
Clara hesitou, mas respondeu:
— Sim.
— Precisa me acompanhar para preencher a ficha.
Clara estava atordoada.
— Tem de ser agora?
— É melhor.
Marcos interveio:
— Meu pai tem um procurador que cuida de tudo. Vou avisá-lo.
Marcos ligou para Felisberto, que imediatamente se dirigiu ao hospital.
Chegou com Durval. Enquanto o advogado cuidava da internação, Durval foi ao encontro de Carlinhos na outra sala. Com voz trêmula, o jovem relatou o que havia acontecido e finalizou:
— Temos de falar com o médico. Papai não pode morrer! Aqueles homens iam
nos matar. Se não fosse a coragem dele, eu não estaria aqui.
Clara abraçava Carlinhos tentando acalmá-lo, mas sentia o coração oprimido.
— Fui me informar. Seu pai está em boas mãos. Os médicos aqui são excelentes
disse Durval.
— Como ele está? Soube de alguma coisa? — perguntou Carlinhos aflito.
—Ainda não. Mas vamos pensar no melhor. Você conhecia aqueles homens?
—Não. Estavam encapuzados. Mas ouvimos um terceiro conversando com eles.
A voz era conhecida. Papai comentou isso.
— Você acha que pode ser Válter?
— Não tenho certeza. Mas ele tentou evitar que nos levassem. Desentenderam-se e depois o levaram para dentro da casa. Acho que o deixaram preso lá.
— Vamos investigar.
Quando Felisberto entrou na sala, Durval chamou-o em um canto e disse:
— Acho que minhas suspeitas eram reais. Havia um terceiro homem cuja voz era familiar a Osvaldo. Brigaram e prenderam-no na casa onde se esconderam.
Ainda deve estar lá. Vou ver se o encontro.
— Vai agora?
— Sim. Eles pensaram que Osvaldo estava morto e foram embora. Quando
souberem que está vivo, vão ficar com medo e querer acabar o serviço. Temos
de evitar isso.
O médico apareceu na porta e todos o fixaram preocupados.
— E então, doutor, como está meu pai? — indagou Carlinhos.
— Fizemos o possível. Ele levou dois tiros. Um na coxa, outro no pâncreas. Foi necessária uma cirurgia muito delicada. Ele está fraco, perdeu muito sangue.
Estamos fazendo uma transfusão.
— Por favor, doutor, salve meu pai! — implorou Carlinhos.
— Faça o que for preciso, mas salve-o — pediu Marcos com os olhos cheios de
lágrimas.
Clara, pálida, não conseguia dizer nada. Olhava assustada, e por fim perguntou:
Passava das oito quando Antônio decidiu ir para casa, depois de pedir que o
informassem a qualquer hora, se tivessem alguma notícia.
Em casa, resolveu não contar à mãe o que estava ocorrendo. Seria melhor
esperar pela manhã seguinte. Pelo menos ela dormiria em paz, uma vez que ele
não iria conseguir pregar olho.
Por insistência de Rita e até dos dois investigadores, que prometeram avisá-la a qualquer notícia, Clara foi para o quarto, estendeu-se na cama mesmo vestida e
Marcos deitou-se a seu lado.
— Mãe, o que será que está acontecendo com eles?
— Não sei. Isso está me matando.
Puxa, Carlinhos quis ir com papai por causa de Liliana. Ele está gostando dela.
Deve estar arrependido de ter ido.
— Ninguém poderia prever uma coisa dessas. Ele deve estar apavorado.
— Papai é corajoso. Deve estar ajudando-o.
Clara suspirou aflita.
— Meu Deus! Ninguém telefona.
— Durval disse que eles demoram para dar notícias de propósito Assim a família paga o que pedirem.
— Não sei o que dizer.
Marcos ficou calado alguns segundos, depois disse:
—Se Carlinhos não tivesse ido, só papai teria sido seqüestrado.
Clara não respondeu. Pensou em Osvaldo, nos encontros que tivera com ele, na maneira como ele a olhava, como ele estava bonito, elegante. Seus olhos
encheram-se de lágrimas. Não queria que nada de mau acontecesse a ele.
—Mãe, Durval acredita que pode ser coisa de Válter. O que você acha?
Arrancada de seus devaneios, Clara estremeceu.
— Ele não seria capaz disso.
— Eu penso que seria. Ele odeia papai.
— Mas não teria coragem de levar Carlinhos. Ele tem a pretensão de me
conquistar. Essa seria a pior coisa que poderia fazer.
— Mas você ouviu Durval. Carlinhos acordou, surpreendeu-os. Acabou tendo de ser levado junto.
— Você acha mesmo?
— Se ele foi capaz de apontar uma arma para você, que ele diz que ama, pode
muito bem ter feito isso. Aquele sujeito é capaz de tudo.
—Durval também acha.
Naquele momento, Bertão e Neco estavam bem longe, rumo ao sul. Tinham pegado o dinheiro que havia no bolso de Osvaldo.
— Tem certeza de que ele estava morto? — indagou Bertão.
— Tenho. Esse não incomoda mais ninguém.
—Não sei como é que você pode ser tão mole. Não amarrou a mão deles direito
e depois ainda perdeu a arma.
— Eu não esperava aquele ataque. O cara tem parte com o diabo. Como é que se
livrou daquelas cordas?
— Você que é frouxo.
Estou pensando no rapaz. Você não devia desistir de pegá-lo.
— Não gosto de correr riscos. Aquele carro passou bem na hora que jogamos o corpo no barranco.
— Eles não viram nada, tenho certeza. Quando passaram, já estávamos voltando.
— Por via das dúvidas, foi melhor vir embora. Temos de aproveitar enquanto
eles não descobrem o corpo. Hoje mesmo chegaremos a Foz do Iguaçu.
Atravessamos a ponte e pronto. Vendemos o carro no Paraguai. Ficamos por lá um tempo. Assunção é uma cidade ótima. Podemos arranjar muitos bicos interessantes. Tenho alguns amigos lá.
— Quanto acha que pegamos por este carro?
— É novo e de luxo. Claro que terá de ser menos do que vale. Mas isso é assim
mesmo. Pelo menos estamos livres e com dinheiro.
— Válter deve estar furioso.
— Que nada. Fizemos o que ele queria, O caminho agora está livre para ele. É
por isso que não gosto de me amarrar em mulher. O cara desgraçou a vida por
causa dela.
— Pois eu gosto. Minha viúva vai achar falta de mim.
Os dois riram satisfeitos. Estavam acostumados a viver de expedientes. Para eles era uma aventura excitante.
Durval havia colocado um homem perto da casa de Válter à espera e depois foi
à delegacia. O delegado era seu amigo e costumavam trocar idéias sobre os
casos. Estavam conversando quando o telefone tocou e um investigador atendeu.
Imediatamente anotou e foi ter com o delegado.
— Alguém que não se identificou ligou para dizer que há um carro suspeito
parado na periferia, aberto. Parece carro roubado. Deu o número da chapa.
Durval olhou e reconheceu:
— É o carro de Válter, o suspeito de que lhe falei. Vamos até lá.
A viatura saiu e Durval acompanhou-os. O carro estava com os vidros abertos,
mal estacionados em frente ao muro de uma casa que parecia abandonada.
Revistaram o carro e só encontraram alguns jornais.
Olharam em volta. Durval bateu no portão e ninguém atendeu.
Alguns curiosos apareceram.
— Não adianta bater. Aí não mora ninguém. É um depósito não sei de quê. De vez em quando aparece um homem, mas não mora aí.
O portão estava preso só com o trinco. Um policial tirou a arma e entrou,
enquanto o outro ficava do lado de fora. Durval entrou com ele.
A sala estava vazia, mas havia vestígios de comida. Alguém estivera lá
recentemente. Havia outra porta fechada, com a chave do lado de fora.
Abriram-na e encontraram Válter encolhido em um canto, tentando esconder-se.
— O que aconteceu com você? Por que o prenderam aí? — indagou o policial.
— Fui assaltado — mentiu ele. — Os ladrões levaram todo o meu dinheiro.
— O carro que está lá fora é seu?
— É.
— Você vai nos acompanhar até a delegacia.
— Mas eu não quero dar queixa. Tenho medo de represália.
Tendo reconhecido Durval, ele queria escapar.
— Você terá de ir conosco — tornou o policial.
Uma vez na delegacia, depois de revistado, foi levado a uma sala onde o próprio
delegado o interrogou. Ele negou qualquer participação no seqüestro de Osvaldo.
Mas Durval, que assistiu calado ao interrogatório, a um sinal do delegado
interveio:
— Não adianta negar, Válter. Temos seguido você todos estes dias e sabemos que os dois seqüestradores são seus amigos. Se não der o nome deles, você vai responder sozinho por esses crimes.
— Crimes? Não tenho nada a ver com a morte de Carlinhos nem de Osvaldo.
— Como sabe que os dois estavam juntos?
Válter engasgou e percebeu que não tinha como enganá-los. Assustado, começou a chorar, gritando:
— Eu não queria que eles matassem ninguém. Mas Carlinhos apareceu. Era só para dar um susto em Osvaldo. Não era para matá-lo. Eu disse para Bertão...
Depois da crise de choro e de desespero, Válter contou tudo.
Imediatamente a polícia levantou a ficha dos outros dois, que já tinham algumas
passagens pela delegacia. Mandou a foto para todos os distritos para que se
iniciasse a busca.
No hospital, Clara e os filhos continuavam esperando que Osvaldo melhorasse. O
médico dissera que ele não estava reagindo e continuava inconsciente. O caso tanto poderia evoluir para cura como para o coma e a morte.
Clara, muito abalada, não continha as lágrimas. Rita fazia o possível para
consolá-la e também aos dois rapazes. Depois do almoço, foi para casa buscar
roupas para eles.
Clara, recostada na cama, esperava calada. Os dois rapazes foram andar um
pouco pelo jardim do hospital. Alguém bateu levemente na porta e Clara mandou entrar.
Antônio apareceu na porta. Atrás dele vinha Neusa. Clara sentou-se na cama
assustada. Não estava com disposição de ouvir desaforos.
— Desculpe, Clara, termos vindo incomodá-la, mas só agora ficamos sabendo o
que aconteceu. Carlinhos está bem?
Neusa aproximou-se dela chorando.
— Clara, como foi acontecer uma coisa dessas com eles? Meu Deus! Estou
agoniada. Logo agora que tudo estava indo tão bem...
Apesar da antipatia que sentia pela sogra, Clara ficou penalizada. Também era mãe e podia avaliar o que Neusa estava sentindo.
— Carlinhos está bem — respondeu. — Temos de rezar para Osvaldo melhorar.
Neusa fixou nela os olhos cheios de lágrimas.
— Disseram que ele está muito mal. Eu gostaria de rezar, mas veja... —
Estendeu para ela as mãos trêmulas. — Estou tremendo. Sinto uma dor no peito.
Nunca pensei que isso pudesse acontecer.
Clara segurou suas mãos e fê-la sentar-se a seu lado na cama.
— Vamos esperar pelo melhor. Ele vai reagir, ficar bom. Vamos conservar a fé.
Antônio, pálido, olhos vermelhos, olhava aflito.
— Sente-se, Antônio.
— Não consigo ficar parado.
— Os meninos também não. Foram andar no jardim.
— Vou falar com eles. Posso deixar minha mãe com você?
— Pode.
Clara colocou água com açúcar em um copo e deu-o a Neusa.
— Beba, Dona Neusa. A senhora está pálida. E melhor estender-se na cama.
Neusa olhou admirada para Clara. Parecia estar vendo a nora pela primeira vez.
Sua cabeça estava atordoada e seu peito, oprimido. Estendeu-se na cama,
suspirando:
— Como pôde acontecer uma coisa dessas?
— O que importa agora é que Osvaldo melhore.
De repente ela começou a soluçar e Clara, preocupada, sentou-se na beira da cama, dizendo:
— Sei que é difícil, mas o desespero só vai arruinar sua saúde. Procure se
acalmar.
— Eu fui culpada de tudo. Eu permiti que aquele canalha freqüentasse minha
casa e desgraçasse nossa família.
Clara estremeceu. Não queria falar no passado. Ela continuou:
— Nunca me senti bem ao lado dele. Eu sentia que não era boa coisa. Mas fui
ambiciosa, interesseira. Não acreditava Antônio capaz de arranjar um bom
emprego e nos sustentar. Válter arranjou emprego, protegeu Antônio, eu fechei
os olhos. Mas eu sentia que ele não prestava. Não me enganei quanto a ele, mas quanto a Antônio eu estava enganada: ele é capaz, trabalhador, honesto. Não
precisava da proteção daquele marginal. Eu infelicitei Osvaldo, dei-o para Ester
criar, e ele ficou sentido. Mas eu não sabia o que sei agora. Juro que se fosse hoje eu nunca teria feito isso. Eu teria criado os dois filhos, porque meu amor me daria forças. Eu teria expulsado Válter de casa e ele nunca teria iludido você. Eu fui a única culpada, Clara. Agora estou sendo castigada. Deus me permitiu conhecer a verdade, mas está me punindo tirando meu filho.
Clara, emocionada, segurou a mão dela, dizendo:
— Isso não é verdade. Deus não pune ninguém. A senhora não tem culpa de
nada. Eu é que me iludi, errei, estou pagando pelo meu erro. O peso da culpa é terrível. A senhora não pode carregar isso no coração.
— É só no que eu penso. Por isso tenho tanto medo. Deus vai me castigar.
— Não creio.
Alguém bateu levemente na porta, e Clara foi abrir. Lídia abraçou-a com
carinho.
— Que bom que veio!
— Rita me contou. Como está ele?
— Por enquanto na mesma.
— Vamos confiar, minha filha.
— Entre, Dona Lídia. Venha conhecer a mãe de Osvaldo.
Neusa tentou conter o choro e limpou o rosto com a ponta do lençol.
— Dona Lídia é uma amiga muito querida. Veio nos ajudar. Lídia aproximou-se da cama e pegou a mão que Neusa lhe estendia, mantendo-a entre as suas.
Sempre desejei conhecê-la. Osvaldo me falou muito bem da senhora.
Obrigada. Desculpe, mas ainda estou muito chocada com o que aconteceu.
— Compreendo. Mas Deus está nos ajudando. Vamos confiar. Antônio e os
rapazes entraram no quarto. Depois de cumprimentarem Lídia, Carlinhos pediu:
— Dona Lídia, a senhora, que é tão boa, peça a Deus para salvar meu pai.
Vivemos tanto tempo separados. Não queremos perdê-lo de novo.
— Vamos orar juntos.
Ela pediu a todos que se dessem as mãos e proferiu comovida prece pedindo
calma e ajuda para todos. Quando terminou, Clara respirou aliviada. Lídia olhou-os com ternura e disse:
— Osvaldo precisa da nossa ajuda. Vamos todos manter o otimismo. O medo, o
desespero só atrapalham. Vamos envolver nosso doente com pensamentos de luz, recuperação. Agora é hora de confiar, de ter fé, de esperar o melhor.
— Dona Lídia tem razão — disse Marcos. — Papai sempre nos ensinou que o
pensamento positivo com a fé fazem milagres.
Depois que Lídia se foi, Antônio tornou:
— Vamos para casa, mãe. A senhora precisa descansar. Eu voltarei e ficarei
aqui.
— De jeito nenhum. Daqui não saio.
— Mas Clara e os rapazes precisam descansar. Vovó pode ficar — disse
Carlinhos. — Eu e Marcos dormimos em qualquer lugar.
Neusa interveio:
— À noite vou para outro lugar. Mas quero ficar no hospital.
— A senhora fica aqui comigo — decidiu Clara com firmeza. — É hora de
ficarmos todos juntos.
Os dois rapazes trocaram olhares admirados e Clara fingiu que não viu. Antônio sorriu levemente e respondeu:
— Eu também acho que temos de nos unir. Afinal nós somos uma família.
Quando anoiteceu, Antônio e os dois rapazes foram comer na lanchonete. Neusa não quis ir e Clara também não. Pediu que lhes trouxessem um lanche.
Quando eles saíram, Neusa, ainda estendida na cama, considerou:
— Você deve ter muita raiva de mim.
Apanhada de surpresa, Clara não respondeu logo, e ela continuou:
— Eu sei. Fui muito impertinente. Não que agora eu tenha me tornado uma santa.
Às vezes sinto vontade de brigar, de me meter nas coisas dos outros, mas procuro me conter. Osvaldo me ensinou muito. Agora eu quero ser bondosa, porque
descobri que fico muito alegre quando faço alguma coisa boa para alguém.
— De fato, a bondade traz alegria, felicidade.
— Sabe, Clara, eu fui muito implicante com você. Se fosse hoje, eu faria tudo
diferente. Por isso, gostaria muito que você esquecesse as coisas que eu disse e
fiz. Sei que agora é tarde, que você está separada de Osvaldo, mas continua
sendo a mãe dos meus netos. Gostaria que não tivesse mais raiva de mim por
causa do que passou.
Clara olhou admirada para ela. Nunca imaginou que Neusa pudesse lhe dizer
aquilo.
— De fato, reconheço que nós não nos demos bem no passado. Mas parece-me
que a senhora mudou. Eu também mudei. Meus filhos gostam da senhora. Seria muito bom que pudéssemos conviver em paz.
— Quer dizer que vai esquecer o que lhe fiz?
— Sim. O que a senhora fez não foi tão grave como o que eu fiz. Tenho
consciência da minha culpa. Não vou pedir que me perdoe porque sei que é
impossível. Mas aceito a paz que me oferece.
— Tenho pensado muito no passado. Cheguei à conclusão de que não tenho
condições de julgar nem condenar ninguém. Eu gostaria muito se pudéssemos apagar o que aconteceu e voltar a sermos uma família. Você com Osvaldo e os rapazes.
Clara estremeceu.Ficou calada por alguns segundos, depois respondeu:
— Eu também gostaria. Se eu pudesse voltar atrás, nunca teria feito o que fiz.
Mas agora é tarde. Osvaldo nunca me perdoará.
— Não tenha tanta certeza. Ele está muito mudado. Mas mesmo nos piores
momentos nunca condenou você.
— Ele é muito generoso. Mas, mesmo que ele me perdoe, eu nunca me perdoarei.
Neusa olhou surpreendida para ela. Não imaginava que Clara estivesse tão
arrependida.
— O arrependimento dói muito. Mas o passado não volta. Eu me arrependo de
muitas coisas. Osvaldo me aconselhou a esquecer. Disse que o arrependimento
serve para nos motivar a não repetir a mesma coisa.
— Ele está certo.
As duas continuaram conversando. Pela primeira vez desde que se conheceram,
falavam com sinceridade sobre seus sentimentos. Assim acabaram descobrindo que, apesar dos antigos desentendimentos, tinham muitos pontos em comum.

Quando é Preciso VoltarOnde histórias criam vida. Descubra agora