Capítulo 10

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Quando o advogado chegou, pouco antes da uma no dia seguinte, encontrou Osvaldo bem vestido e barbeado.
Depois dos cumprimentos, ele informou:
— Não sei se já entrou em contato com sua mãe e irmão. Eles virão para a abertura do testamento.
Osvaldo fez um gesto de contrariedade:
— O senhor me disse que seríamos apenas eu e os criados.
— Pelo testamento, sim. Mas Dona Neusa insistiu, dizendo que queria estar presente porque se considerava parente de Dona Ester e esperava que ela a houvesse contemplado no
testamento. Embora sabendo que ela não herdou nada, não pude negar-lhe esse direito. Parece que isso o contraria.
— Na verdade, não pensei em reencontrar minha família. Sempre vivi afastado deles. Para mim é suficiente saber que estão bem.
José aproximou-se, dizendo que Dona Neusa e Antônio haviam chegado. Osvaldo suspirou resignado e resolveu:
— Acomode-os na sala. Iremos em seguida.
— Pode ir, Sr. Osvaldo. Ficarei no escritório esperando para reunião.
Quando Osvaldo entrou na sala, Neusa levantou-se da poltrona chorando e dizendo:
— Meu filho! Finalmente! Por onde andou todos estes anos? Por que não deu notícias? Não pensou em nosso sofrimento?
— Preferi me afastar. Foi melhor assim.
— Como pôde ser tão ingrato? Sou sua mãe! Você fala com eu não existisse nem me preocupasse com você. Quase morri de desgosto com o que aconteceu. Sem falar que aquela infeliz afastou as crianças de nós. Não permite que nos visitem.
Osvaldo fez um gesto enérgico:
— O passado morreu e não quero falar nele. Só voltei porque o advogado pediu. Espero que se contenha.
— Está vendo, Antônio? Bem que você disse que não deveríamos vir. Você foi o mais prejudicado. Depois de tudo que sofreu, ele nem o cumprimentou.
— Teria cumprimentado se você me tivesse dado tempo. Como vai, Antônio?
— Mal. Depois do que aconteceu, nunca mais consegui um bom emprego. Vocês destruíram minha vida.
Osvaldo olhou com seriedade para eles e disse calmo:
— Você está nos dando um poder que não temos. Seria bom prestar mais atenção e procurar descobrir por que você não obtém sucesso profissional. Tenho certeza de que encontrará outras razões, mais verdadeiras.
Apanhado de surpresa, Antônio não respondeu de pronto. Havia um brilho diferente nos olhos de Osvaldo que o fez ficar calado.
Ele continuou:
— Quanto a você, mãe, já devia estar habituada com minha ausência. Desde criança vivi longe de casa. Não seria agora, depois de velho, que você gostaria de ficar a meu lado.
Depois, pensamos de modo diferente. Por isso é melhor continuarmos vivendo um longe do outro. Agora vamos para o escritório, O Dr. Felisberto está esperando para a leitura do testamento.
Os dois se entreolharam, não disseram nada e o acompanharam.
No escritório já estavam, além do advogado, os empregados da casa.
Depois que todos se acomodaram, o advogado procedeu à abertura do testamento. Ester havia deixado boa soma em dinheiro para o motorista e para as duas criadas. Quanto ao
casal, José e Rosa, além da soma em dinheiro, ela deixou uma casa na Vila Mariana. Todos os outros bens legou para Osvaldo.
Quando Felisberto encerrou a leitura, Neusa não escondia a decepção.
— Que ingratidão! — comentou amargurada. — Pensei que ela me fosse reconhecida por tudo que fiz por ela.
O advogado sentiu vontade de perguntar o que ela havia feito para Ester, mas conteve-se.
Ele não podia expressar opinião. Sabia que Neusa nunca se importou com a cunhada.
— Estou à sua disposição para as providências legais. Para quando deseja marcar nossa
reunião? — indagou Felisberto.
Podemos fazer agora?
— Sim. Tenho em mãos todos os documentos.
— Nesse caso, vamos fazer uma pausa para um café e depois continuaremos.
Foram para sala e Neusa aproximou-se de Osvaldo, dizendo conciliadora:
— Você agora é um homem rico. Tenho certeza de que não se esquecerá de sua família. O
mal que fizeram a Antônio precisa ser reparado.
Osvaldo respondeu com naturalidade:
— Nos últimos dez anos vivi sem dinheiro e posso garantir que foi uma experiência enriquecedora.
Antônio interveio:
— Não sei como. Tenho sofrido privações, vivido humilhado.
Osvaldo fitou-o sério:
— Só se sente humilhado quem é orgulhoso. É o orgulho é uma ilusão que fecha muitas portas.
— Não entendo aonde quer chegar. Sou uma pessoa humilde. Se não tivesse humildade, não teria me rebaixado vindo aqui hoje mendigar ajuda.
— Se você fosse humilde, não se sentiria rebaixado.
Neusa interveio:
— Não precisa ofender seu irmão. Pensei que você estivesse arrependido pelo mal que nos fez.
Osvaldo levantou-se dizendo com voz calma:
— Eu nunca lhes fiz mal. Estou em paz. Minha consciência não me acusa de nada. Quanto ao destino que darei ao dinheiro que tia Ester generosamente me deixou, ainda não sei o que farei. Agora, se nos der licença, tenho de conversar com o Dr. Felisberto.
Neusa levantou-se:
— Está nos mandando embora?
— Claro que não. Podem ficar, se quiserem.
— Agora você vai ficar morando aqui, com certeza — considerou Neusa. — Pretende ver seus filhos?
— Esse é um assunto meu. Não pretendo ficar aqui.
— Vai sumir de novo?
— Não, mãe.
— Pelo menos vá nos ver em casa e nos avise para onde vai.
— Antes de ir embora converso com vocês.
Osvaldo foi para o escritório com o advogado. Neusa, a pretexto de falar com Rosa, foi à cozinha, observando tudo com olhos cobiçosos. Tanta riqueza!
A conversa com Rosa não esclareceu nada. Onde Osvaldo teria ficado todos aqueles anos?
Só resolveu ir embora depois de ter percorrido a casa toda e se informado nos mínimos detalhes do que havia, desde roupas aos objetos de arte. Quanto a jóias, não conseguiu
descobrir nada. Ela sabia que Ester possuía muitas jóias de família. Onde estariam?
Quando saíram, ela comentou com Antônio:
— Osvaldo está mudado. Parece outra pessoa: calado, sério.
— Não gostou nada de nos ver. Ele não pretendia nos procurar. Ia embora sem nos ver.
— Não acredito nessa história de ir embora. Ele sempre gostou do luxo. Não terá coragem de abandonar uma casa tão rica. Disse isso para despistar.
— Para mim há um rabo de saia metido nisso. Ninguém me tira da cabeça que ele se arranjou com outra e não quer que ninguém saiba.
— Será? Depois do tombo que levou, ainda teria partido para outra?
— Por que não? Osvaldo não é homem para ficar sozinho. Mesmo quando era solteiro, vivia cheio de namoradas. Sempre deu sorte com as mulheres.
— Já você, não.
— Eu é que não quero. Mulher só serve para atrapalhar. Depois, não estou disposto a trabalhar para sustentar ninguém.
Neusa suspirou resignada:
— Para viver com você, só uma Amélia mesmo.
— Eu estava muito bem. Se não fosse pelo que aconteceu...
— Não vamos falar nisso de novo. Agora precisamos ficar de olho aberto. Aquela desavergonhada continua sozinha. Já pensou se ele resolve voltar com ela?
— Ele não seria tão trouxa!
— Você é que pensa. Osvaldo sempre foi louco por ela. Ele vai ver os filhos, se encontram, e aí só Deus sabe o que pode acontecer.
Se ele cair nas mãos dela de novo, não vai nos dar nada. Ela não vai deixar.
— Isso não pode acontecer. Você precisa conversar com ele. Clara está sozinha, mas isso não quer dizer que tem levado uma vida honesta.
— Por incrível que pareça, há quem diga isso.
— Temos de fazer com que ele acredite no contrário. Assim não irá à procura dela.
— É. Posso tentar. Mas você sabe como é: ele nunca me ouve. Precisamos semear. O resto
fica por conta da imaginação dele. Afinal, deve se lembrar do passado. Sabe o que vou fazer? Falar com Válter.
— Para quê? Ele prometeu nos ajudar mas não cumpriu.
— Ele pode cooperar. Pelo que sei, não esqueceu Clara. Depois que ela não quis mais, ele ficou morrendo de amores.
— Depois de tanto tempo!
— De vez em quando ele ainda fica cercando-a. Se Osvaldo os vir juntos, vai pensar que continuam se amando.
— Sabe que é uma boa idéia? Pode dar certo.
— Hoje mesmo vou procurá-lo.
Clara chegou em casa cansada. Tivera um dia exaustivo atendendo a uma cliente muito exigente preocupada com o enxoval da filha. Apesar disso, estava satisfeita. Os negócios
haviam prosperado.
Depois que deu toda a mercadoria para o centro espírita, ela e Rita decidiram abrir uma loja. As clientes de Gino, quando souberam do ocorrido, resolveram colaborar. Logo novas mercadorias começaram a chegar, não só roupas mas também muitos objetos antigos que elas restauravam para vender.
Abriram uma firma, alugaram por um preço módico uma casa antiga em um local movimentado e se mudaram para lá. Na parte térrea montaram a loja, e se instalaram no andar de cima. Assim, Rita poderia cuidar da loja e das crianças. O aluguel da casa de Clara ajudava nas despesas.
Com criatividade, disposição e pouco dinheiro, restauraram o prédio e abriram a loja com mercadorias usadas. Foi um sucesso. As clientes do ateliê as indicavam para as amigas e
elas mesmas compravam.
O movimento aumentou tanto que Clara pensou em deixar o ateliê. Gino, porém, não concordou. Reconheceu quanto ela contribuíra para o crescimento de seu negócio
oferecendo-lhe uma participação nos lucros igual à que Domênico recebia.
Satisfeita, ela colocou uma empregada para os serviços domésticos em casa e uma balconista na loja.
Quando a viu entrar, Rita comentou:
— Você não devia ficar no ateliê até esta hora. Está com cara cansada.
— Nada que um bom banho não resolva. Há momentos que não dá para deixar a cliente. Você sabe como é.
— Vá tomar seu banho enquanto Diva providencia o jantar.
Quando Clara, mais refeita, sentou-se à mesa, Rita sentou-se também
— Tenho uma novidade para contar.
Enquanto se servia, Clara respondeu:
— Conte. O que é?
Rita hesitou um pouco, depois disse:
— Você sabe que Dona Neusa telefona de vez em quando para perguntar das crianças, não sabe?
— O que ela quer é bisbilhotar sobre nossa vida. Você nunca me contou, mas eu sempre desconfiei.
— Pois é Afinal, ela é avó dos meninos e eu não vi nada de mau em dar-lhe notícias deles.
— Não a estou recriminando. Ela nunca aceitou meu casamento com Osvaldo. Aliás, ele também não se afinizava com ela. Nunca fomos muito próximos antes e não vejo motivo
para nos aproximar mos agora, depois que nos separamos.
— Ela ligou na semana passada. Perguntou se Osvaldo havia nos procurado.
— Ela pensa que eu sei onde ele está.
— Desta vez foi diferente. Ela disse que Dona Ester morreu e que ele estava sendo procurado pelo advogado.
Clara olhou com seriedade para Rita. Depois comentou:
— Dona Ester foi quem criou Osvaldo. Íamos à sua casa algumas vezes. Mas, apesar do respeito que ele tinha por ela, nunca fomos muito próximos. Ela era muito rica e não se dava com a família dele. O que será que esse advogado deseja?
— Ela não disse. Apenas comentou que, se nós sabemos onde ele está e não contamos, estamos prejudicando a justiça.
— Ela está jogando verde.
— Disse que viu o nome de Marcos na lista dos estudantes aprovados. Ela sabe que ele entrou na faculdade.
Clara suspirou fundo, depois deu de ombros e comentou:
— Ainda bem que os meninos se conformaram com a ausência da família do pai. Nunca demonstraram vontade de procurá-los.
— Mas o pai eles ainda não esqueceram. De vez em quando voltam ao assunto.
— Comigo eles não comentam. O que dizem?
— Falam da falta que sentem dele. Eram muito ligados a Osvaldo. Preocupam-se com a falta de notícias.
— É natural. Às vezes penso que me culpam pelo que aconteceu. Nunca tocaram no assunto, mas é claro que sabem por que o pai desapareceu. Quando percebo isso, morro de
vergonha e arrependimento. É doloroso reconhecer que eles têm motivos para me culpar e
envergonhar-se de mim.
— Não pense assim. Eles a amam muito. Sabem como você tem trabalhado para criá-los.
Depois, você tem levado uma vida irrepreensível. Se bem que eu penso que ainda é muito moça para ficar sozinha. Deveria refazer sua vida.
— Estou muito bem. Sou livre e vivemos em paz. E só o que desejo agora.
— Será que esse advogado vai encontrar Osvaldo?
— Não sei. Depois de tantos anos...
— Devem ter anunciado no jornal. É o que fazem se o assunto for urgente.
Clara ficou pensativa por alguns instantes, depois disse:
— Gostaria de saber.
— Por que não telefona para a casa de Dona Ester e pergunta?
— Não.
— Por quê? Afinal você é esposa dele e precisa saber se ele está vivo. Os meninos gostariam de obter notícias.
— De fato, esta incerteza é preocupante. Em todo caso, se ele estivesse vivo, teria pelo
menos se interessado em saber dos filhos. Era tão apegado a eles! Não posso crer que os tenha esquecido.
— Vai ligar para lá?
— Não saberia o que dizer.
— Nesse caso eu ligo. Tenho certeza de que Dona Neusa não vai nos avisar se ele voltar. Ela não gostaria que vocês voltassem a se ver.
— Disso tenho certeza. Por outro lado, só em falar no assunto sinto-me angustiada. Parece que o tempo não passou e que de repente Osvaldo vai entrar por aquela porta para me
cobrar. Não sei o que faria se isso acontecesse.
— Se ele não fez isso durante todos estes anos, não o fará agora.
— O tempo apaga muitas coisas.
— Pois para mim não apagou. O trabalho me ocupa, os filhos me chamam à responsabilidade, me motivando a reagir. Porém, quando me recordo do que fiz, a consciência da minha culpa me atormenta. Eu gostaria de esquecer, mas reconheço que não é possível.
— Está sendo muito rigorosa. Você errou, arrependeu-se, assumiu a responsabilidade pela família com dignidade. Não pode se punir pelo resto da vida por haver sucumbido a uma paixão. Você é um ser humano. Se cometeu um erro, não é errada por isso. Tenho certeza de que aprendeu e não o faria novamente.
— Disso pode estar certa. Se eu pudesse voltar atrás, apagar o passado e começar de novo, jamais faria o que fiz.
— Dona Lídia sempre diz que nós aprendemos mais com nossos erros do que com os acertos.
— Ela está certa. Muitas vezes tem me ajudado com seus sábios conselhos. É uma amiga dedicada.
— Ela fica feliz quando você vai ao centro assistir suas palestras.
— Os meninos a adoram. Marcos está sempre lá. Às vezes tenho receio de que esteja abusando. Lídia é muito ocupada.
— Que nada! Ele a tem auxiliado. Sabe o que ele estava fazendo sábado passado? Ajudando a preparar as sacolas de alimentos para os pobres.
— Marcos?
— É. Também levou Carlinhos e mais dois colegas da escola. Você precisava ver a alegria deles separando os alimentos. Eu fiquei observando. No final, Dona Lídia fez uma oração e
serviu um lanche. Sabe o que era? Bolachas dessas mais baratas, refresco e bolo de fubá.
— Eles não gostam dessas coisas.
— Aqui em casa. Lá, comeram com vontade e alegria. Se não estivesse vendo, não acreditaria.
— É surpreendente. Fico contente por eles estarem ajudando Lídia. É muito bom fazer alguma coisa em favor dos necessitados.
Clara foi para o quarto. Rita procurou na lista o telefone da casa de Ester e ligou. Uma voz de homem atendeu e ela perguntou:
— Por favor, o Sr. Osvaldo está?
— Quem está falando?
Rita hesitou um pouco, depois disse:
— É a empregada de Dona Neusa, a mãe dele.
— Aqui é José. Ele já se recolheu, pediu para não ser incomodado. É urgente?
— Não. Pode deixar. Era só para saber como ele está.
— Muito bem.
— Obrigada.
Ela desligou sentindo o coração descompassado. Imediatamente subiu ao quarto de Clara.
— Acabo de telefonar.
— E então? Você parece que viu assombração.
— Ele está vivo, Clara, e voltou!
— Clara sentiu as pernas bambearem e sentou-se na cama. Tem certeza?
— Tenho. Perguntei por ele, e um tal de José disse que ele já havia se recolhido e pediu para não ser incomodado.
— Você falou que era daqui?
— Claro que não. Disse que era da casa de Dona Neusa.
— Então ele está vivo! Meu Deus! Não sei o que dizer.
— Será que ele vai aparecer? Vai querer ver os filhos.
— Nem fale uma coisa dessas! Sinto calafrios só de pensar nisso. Espero que não venha...
— É melhor se preparar. Ele pode aparecer a qualquer momento.
— Não sabe nosso endereço.
— Não será difícil descobrir.
Clara passou a mão pelos cabelos tentando controlar o nervosismo.
— Tem razão. Se ele voltou, é possível que procure os filhos. Precisamos estar preparadas.
— É melhor contar aos meninos.
— Não. Isso não. Eles vão querer procurá-lo. O melhor é esperar. Pode ser que ele vá embora de novo sem nos procurar.
— Não creio.
— Talvez tenha esquecido o passado, refeito sua vida e não queira mais nada com sua antiga família. Ele chegou e não nos procurou.
— Pode não ter tido tempo.
— Parece até que você quer que ele venha.
— Seria bom. Pelos menos seu desaparecimento seria esclarecido e todos ficariam em paz.
— Lídia garantiu que ele estava vivo. Ela estava certa. É verdade. Eu me lembro disso.
— Se ele aparecer, não sei o que fazer.
— Amanhã vou falar com Lídia e pedir ajuda espiritual. Pelo menos você ficará mais calma.
— Faça isso.
Osvaldo olhou para o relógio: passava das oito da noite. Seu pensamento estava nos filhos.
Como estariam? Fazia uma semana que voltara e quanto mais pensava neles mais sentia vontade de procurar uma aproximação.
Sua aparência modificou-se. Vestia-se com apuro, cortou os cabelos, modernizou-se. Ao tomar posse dos bens que Ester lhe deixara, descobriu admirado que se tornara rico.
Sentado em uma poltrona na sala de estar, Osvaldo analisava os últimos acontecimentos e se perguntava por que Deus o chamara de volta e colocara em suas mãos aquela fortuna.
Pressionado pela dor, ele abandonara tudo e se acomodara no ambiente singelo do campo, em meio aos amigos sinceros, fascinado pela descoberta da espiritualidade, disposto a dedicar-se à ajuda das pessoas simples daquela região pelo resto da vida.
De repente, quando menos esperava, tudo se modificou, arremessando-o de volta ao confronto com um passado que julgava enterrado.
A princípio, pensara em acabar logo com sua tarefa ali e voltar para o sítio de Antônio. Mas que destino dar a casa, aos objetos de estimação de Ester, suas jóias e lembranças? E o
dinheiro, o que fazer com ele?
Apesar da vida simples que seus amigos levavam no sítio, nada lhes faltava. Viviam alegres, dando graças a Deus por tudo que possuíam. Osvaldo pensava que eles não
precisavam de nada. Ao contrário. Eram ricos de valores espirituais que estão muito acima do que o dinheiro pode comprar.
Talvez fosse melhor ele ficar por algum tempo na cidade. Acreditava que os recursos que lhe chegaram às mãos tinham uma finalidade. Precisava descobrir qual.
Lembrava-se de que, quando conheceu Antônio, ele lhe disse que precisava se recuperar por causa dos filhos. Seria por causa deles que a vida o trouxe de volta? Estariam
precisando dele?
Precisava descobrir. Por outro lado, sabendo-os tão próximos, o desejo de vê-los se acentuara. Reconhecia que faltara à sua responsabilidade de pai, abandonando-os. Mas não se culpava. Fazia tempo que aprendera que a culpa só agrava o problema, impedindo a solução.
Tinha sido um fraco por ter se fechado em sua dor, deixando seus filhos. A vida estava agora lhe devolvendo a chance de retomar essa responsabilidade.
Porém como fazer isso? Fazia muito tempo. Talvez nem se lembrassem dele. Também não queria rever Clara. Só em pensar que estavam na mesma cidade, que de uma hora para
outra poderiam cruzar-se na rua, estremecia angustiado.
Claro que não a amava mais. Depois do que ela fez, o único sentimento com relação a ela era a mágoa.Tinha consciência de haver sido um marido amoroso, fiel, sincero.
Angustiado, passou a mão pelos cabelos como que tentando afastar os pensamentos desagradáveis.
Por que depois de tantos anos a ferida ainda estava aberta? Acre ditava haver esquecido, mas agora, seja pela proximidade, seja por saber que o confronto com o passado seria
inevitável, parecia-lhe que o tempo não havia passado.
Talvez fosse melhor mandar o advogado procurá-los. Estava disposto a dividir com eles a fortuna que herdara. Era o mínimo que podia fazer.
Mas, ao mesmo tempo, a saudade, a curiosidade de saber como eles eram, o que pensavam da vida, a vontade de reassumir sua função de pai eram muito fortes em seu coração.
Gostaria de vê-los, dizer-lhes que durante aqueles anos todos nunca deixou de pensar neles, que os amava muito. Pedir-lhes que o perdoassem pela omissão e compreendessem que ele não tivera forças para agir de outra forma.
Mas até que ponto eles sabiam a verdade? O que Clara lhes teria dito para explicar sua ausência? Certamente ocultou sua traição. Era provável que seus filhos o estivessem odiando, acreditando que ele se fora em busca de aventuras.
Inquieto, Osvaldo começou a andar pela sala de um lado para o outro angustiado. Depois decidiu. Não podia continuar cultivando esses pensamentos. Precisava encontrar a paz. Só na paz é que as soluções dos problemas aparecem.
Foi para o quarto, sentou-se em uma poltrona, fechou os olhos e começou a meditar, buscando jogar fora todos os pensamentos negativos. Aos poucos foi se sentindo melhor.
Depois, evocou a presença dos espíritos que sempre o ajudavam.
Sentiu-se como se ainda estivesse na modesta sala do sítio de Antônio, desenvolvendo suas atividades de ajuda. Uma brisa suave, leve, envolveu-o e ele orou pedindo orientação, lucidez, equilíbrio.
Viu formar-se diante de si uma claridade, e de dentro dela apareceu uma mulher linda, cujos olhos brilhantes e muito lúcidos o fixaram com amor. Emocionado, Osvaldo sentiu que as lágrimas desciam pelas faces.
Ela se aproximou dizendo:
— A hora é de calma e gratidão. Tudo passa e as pessoas amadurecem. Não permita que a mágoa tolde a lucidez do seu espírito, dificultando sua caminhada. Do passado resta apenas
o progresso alcançado na experiência vivida. Todos mudaram. Hoje tudo está diferente. Não olhe para trás nem julgue ninguém. Deixe falar o coração no amor incondicional e certamente você encontrará a paz e a felicidade que procura. Que Deus o abençoe.
A visão desapareceu e Osvaldo comovido orou agradecendo. Sentiu-se calmo e refeito. Não
ia decidir nada naquele momento. Trabalharia seu coração para manter o equilíbrio e a paz, cultivando pensamentos otimistas e generosos. Tinha certeza de que encontraria uma boa maneira para fazer o que deveria.

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