Capítulo 18

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— E então, nada ainda? — perguntou Válter irritado.
— Nada. Não consigo encontrar Osvaldo.
— Acho que você está com má vontade. Desse jeito não dá. Uma semana e não conseguiu
nada. Afinal é seu irmão. Ele se recusa a falar com você?
— Não é isso. Ele tem viajado muito. Fui lá a semana passada e me disseram que ele tinha
ido para o sítio em Jundiaí.
Válter olhou desconfiado:
— Que sítio é esse?
— O sítio de tia Ester. Ele agora deu para ficar lá o tempo todo. Veio à cidade duas vezes
nesta semana, fez compras e voltou no mesmo dia.
— Não está me enganando?
— Claro que não. Estou desesperado para ter aquele emprego que você me prometeu.
— Só depois de conseguir o que eu preciso. Por que não vai até lá?
— Eu? Nunca estive naquele lugar, nem sei onde fica.
— Como não sabe? Esse sítio não era de sua tia?
— Era, mas ela nunca nos convidou para ir lá. Você sabe que ela não ligava para nós.
— Hmm... ela devia ter seus motivos — resmungou ele.
— Ela era orgulhosa só porque era rica. Sabe como é...
— Sei. Você tem ao menos uma idéia de quando ele vai voltar.
— Não. Mas deixei o recado para a empregada me avisar assim que ele chegar.
— Acha que ela fará isso?
— Claro. Eu disse que era urgente, que mamãe está doente e precisando de ajuda.
— E se ele não se importar?
— Ele é durão, mas vai querer saber o que ela tem. Fique calmo. Ele volta e cumprirei
minha palavra.
— Espero que seja logo.
Quando Válter se foi, Antônio entrou em casa. Vendo-o, Neusa indagou:
— Válter estava esperando você. Está impaciente. Ainda não falou com Osvaldo?
— Não. Ele foi para o sítio e não voltou ainda. Eu contei isso para Válter.
Neusa deu de ombros. Não gostava de Válter, mas precisava suportá-lo por causa do
emprego que ele conseguiria para Antônio. Por isso concluiu:
— Espero que ele não demore muito. Em breve não teremos nada nem para comer.
— Vou ver se arranjo um bico enquanto isso. Talvez volte a ajudar Miguel no bar. Não gosto daquele serviço, mas em último caso...
— Faça isso, pelo menos.
Válter saiu nervoso do encontro com o amigo. Sentia-se inquieto. Pensava em Clara, e as
imagens dos momentos de amor que viveram juntos no passado voltavam à sua lembrança, exasperando-o.
Não podia compreender por que ela o recusava depois de ter traído o marido por sua causa.
Agora ela se tomara mais bonita, tinha mais classe, não era mais aquela jovem insegura, ingênua. Transformara-se em uma mulher atraente, e sua recusa só aumentava seu interesse.
Conquistar Clara tomou-se para ele uma obsessão. A noite imaginava fantasias sexuais com ela e acabava insone, insatisfeito, O que ele não sabia era que seus pensamentos atraíram a
presença de alguns espíritos que se alimentavam das energias sexuais e que o excitavam ainda mais a fim de conseguirem o que pretendiam.
Algumas vezes ele acabava se levantando e saindo em busca de alguém com quem pudesse satisfazer sua vontade, percorrendo o mundo dos escravos do sexo, dando vazão ao que
sentia. Depois, ao alívio temporário se seguia a depressão, a raiva, e a insatisfação continuava. A sede não se apagava, e no dia seguinte tudo recomeçava.
Era o inferno, e ele culpava Clara acreditando que, quando ela o aceitasse, tudo se resolveria. Só ela seria capaz de matar sua sede de amor, de acabar com aquela insatisfação que o atormentava.
Nessa fantasia, ele ficava a cada dia mais e mais envolvido por espíritos perturbados que somavam seus desequilíbrios aos dele em uma simbiose de difícil solução, uma vez que se
alimentavam mutua mente, misturando suas energias, numa cumplicidade absoluta.
Clara também sentia-se inquieta, perturbada. Não dormia bem,tinha pesadelos nos quais sempre havia um homem querendo agarrá-la, dizendo obscenidades, inspirando
pensamentos mórbidos. Ela havia conversado com Lídia, que a aconselhara a continuar freqüentando o tratamento
espiritual. Ela havia emagrecido e não se alimentava bem.
Domênico, conversava com ela tentando ajudá-la a sair desse estado aconselhando-a a resistir, colocando sua força interior em ação para rechaçar essas energias.
Ela tentava e, ao fazer isso, sentia-se melhor, porém os pensamentos depressivos e a culpa do passado reapareciam e ela voltava ao estado anterior.
Quando ela chegou ao centro naquela noite, Lídia esperava-a e levou-a até a sua sala, dizendo:
— Sente-se, Clara. Ontem à tarde conheci seu marido.
Clara sobressaltou-se:
— Ele veio aqui? Não desejo encontrá-lo.
Acalme-se. Ele veio, conversamos só isso.
Clara levantou-se
— Vou embora. Osvaldo pode aparecer de novo. Não quero encontrá-lo.
— Não se preocupe. Ele não virá.
— O que ele veio fazer aqui? Falar sobre nossos problemas?
— Não. Sente-se, por favor. Estou lhe contando porque pensei que gostaria de saber. Ele veio conversar sobre mediunidade. Rita falou- lhe sobre nosso trabalho e ele nos fez uma
visita.
Clara ficou calada por alguns segundos, depois tornou:
— Pode ser apenas um pretexto para se aproximar. Osvaldo nunca se interessou por esse assunto. Não creio que seja médium.
— Faz mal. Ele não só tem muita sensibilidade como assumiu voluntariamente o trabalho
espiritual.
— É difícil crer.
— Seu marido é homem de extrema sensibilidade e experiência no trato com os espíritos.
Conversamos sobre espiritualidade. Contou-me os trabalhos que realizava no interior em companhia de um Sr. Antônio. Aprendeu a utilizar-se das ervas e dos elementos naturais e,
sob a orientação de espíritos iluminados, trabalhava na cura e orientação das pessoas, ajudando-as.
— Não sei o que dizer. Para mim é difícil imaginá-lo como um missionário, prestando socorro.
— Ele fazia esse trabalho no interior e não sabia se deveria dar continuidade a ele aqui, na cidade.
— Se os espíritos de luz o acompanhavam, deveriam dizer-lhe o que fazer.
— Eles não fazem isso nunca. Inspiram e esperam a pessoa decidir o que deseja fazer.
Depois, Osvaldo confessou-me que as emoções que tem experimentado depois que voltou à cidade o deixavam em dúvida se estava preparado para o desempenho da mediunidade.
Clara baixou a cabeça tentando dominar a emoção. Falar de Osvaldo, saber como ele estava depois de tantos anos, conhecer o que ele sentia, deixava-a comovida. Lídia continuou:
— Gostei de conhecê-lo e também ao seu mentor espiritual, que se manifestou naquele momento. Foram momentos de iluminação e paz. Estou lhe contando para que não se deixe
dominar pelas emoções do passado. Seu marido é um homem bom, amadurecido, de sentimentos elevados. Queria que soubesse que pode confiar nele.
Clara levantou-se.
— Falar sobre ele ainda me perturba — disse ela tentando sorrir.
— Apesar disso, obrigada por ter me contado.
Quando Clara deixou o centro depois de receber o tratamento espiritual, não conseguia esquecer as palavras de Lídia.
Osvaldo seria mesmo um médium, um iniciado nas coisas do espírito? Estaria sendo sincero? Ela sabia que Lídia era uma pessoa séria, tinha conhecimento e não iria prestar-se
a uma mentira. Depois, se ele estivesse fingindo, ela saberia.
Após tantos anos, como Osvaldo estaria? Lembrou-se de seu rosto jovem, descontraído, seu sorriso bonito que cavava duas covinhas em sua face morena. Lembrou-se de como ele era
bonito e de como haviam se amado nos primeiros tempos.
Estava quase em casa quando sentiu que alguém a segurava tentando abraçá-la.
Desvencilhou-se assustada:
— Válter! Você me assustou. O que faz aqui a esta hora?
— Não deveria andar por estas ruas sozinha à noite. Quando quiser sair, posso acompanhá-la.
— Obrigada mas não é preciso. Fui perto e sei cuidar de mim.
— Estou aqui para cuidar de você. Venha, vamos para algum lugar onde possamos conversar.
Tentou abraçá-la, e Clara empurrou-o com força.
— Não se atreva a tocar em mim. Não vou a nenhum lugar com você. Ainda não se convenceu disso?
— Você fala, mas é difícil acreditar. Olhe, tenho sonhado com você em meus braços, como naqueles tempos, trocando beijos, carinhos. Venha, vamos nos amar...
Tentou agarrá-la, mas Clara empurrou-o com tanta força que ele perdeu o equilíbrio. Ela
aproveitou o descontrole dele e correu para casa. Entrou e fechou a porta com chave, respirando fundo.
Marcos apareceu no hall:
— O que foi, mãe? Aconteceu alguma coisa?
— Nada. Um homem parecia estar me seguindo e me assustei.
— É melhor não sair à noite sozinha.
— A casa de Dona Lídia é perto. Não há perigo.
— Quando quiser ir lá, posso acompanhá-la.
— Obrigada, meu filho. Mas não é preciso. Venha, vamos tomar um lanche na cozinha.
Marcos abraçou-a olhando sério, como que desejando perceber o que estava acontecendo.
Clara sorriu procurando tranqüilizá-lo.
— Não se preocupe. Não foi nada.
— Não é o que parece. Está pálida. É aquele sujeito outra vez?
— Não.
— Se ele continuar importunando, darei queixa à polícia. Nunca pensou em fazer isso?
— Não é o caso. Ele é inofensivo. Sabe que nunca vou aceitá-lo.Logo desistirá.
Marcos ficou silencioso por alguns instantes, depois disse:
— Vou ficar atento. Se notar que ele a está seguindo outra vez tomarei providências.
Clara sorriu tentando fingir-se despreocupada.
— O que é isso? Já disse que sei cuidar de mim. Você não pensa se envolver.
— Não vou deixar que ele estrague nossa paz.
Enquanto comiam o lanche, Marcos pensava na promessa que fizera ao pai de ficar atento e pedir-lhe ajuda caso precisasse.
Uma semana depois, Osvaldo entrou em casa apressado. Voltou do sítio para um encontro com os filhos. Queria tomar um banho e ver se tudo estava em ordem para o jantar.
Ele estava empolgado com o sítio. Fizera algumas mudanças, adaptando-o para o trabalho que pretendia fazer. Escolhera uma área fértil onde plantara as ervas que costumava usar.
Havia escrito para Antônio, contando seus planos e pedindo ajuda na compra de algumas mudas que não conseguira encontrar. Mandara dinheiro e estava esperando que elas
chegassem.
Depois que decidiu iniciar esse trabalho, seu sexto sentido ampliou-se. Começou a ver a aura das pessoas, a ouvir seus pensamentos, a ver os espíritos que as rodeavam.
Emocionado, Osvaldo não contava nada a ninguém, procurando compreender o que via, guardando na intimidade do coração seus contatos mais profundos com a espiritualidade.
Ao contato com as energias mais puras dos espíritos de luz, não continha as lágrimas de alegria, mas, ao mesmo tempo, sentia que essas dádivas lhe estavam sendo feitas para que
ele pudesse ser um canal derramando-as sobre as pessoas.
Em um desses momentos, viu Alberto aproximar-se em um halo de luz com tal realismo e
beleza que ele se ajoelhou dizendo entre lágrimas:
— Meu Deus! Permita que eu fique para sempre assim, nessa luz. Alberto sorriu e respondeu:
— Você será nosso canal. Seu trabalho será conviver com as trevas do mundo mantendo essa luz no coração. Não é um trabalho fácil. Vai depender de você, de suas escolhas e atitudes, para conseguir realizá-lo. Momentos haverá em que o passado, as emoções vão
cobrar seu preço no caminho do seu amadurecimento. No entanto, você tem tudo para sair vencedor. O trabalho de alívio do sofrimento humano a que se propôs antes de nascer será
uma ferramenta de apoio na sua jornada. As bênçãos dos que forem aliviados em suas dores o acompanharão, fortalecendo sua fé. Estaremos do seu lado. Confie e espere.
— Qual será o próximo passo? Estou pronto para começar a atender às pessoas?
— Continue se preparando. Quando for a hora, tudo acontecerá naturalmente.
Depois do banho, Osvaldo desceu e José entregou-lhe a correspondência. Havia uma carta de Antônio informando que estava preparando pessoalmente as mudas e que as enviaria
assim que estivessem prontas. Estava contente por vê-lo realizar esse trabalho. Osvaldo sentiu-se feliz com as palavras dele.
Havia um recado do detetive encarregado de obter informações sobre Válter. Ele desejava vê-lo. Iria procurá-lo no dia seguinte.
Os meninos chegaram e Osvaldo abraçou-os com carinho.
— Que história é essa de ficar no sítio? — indagou Marcos. — Está com saudade do campo?
Osvaldo sorriu e respondeu:
— É um lindo lugar. Vocês precisam conhecer. Quando estou lá, esqueço de tudo, não tenho vontade de voltar.
— Espero que não nos deixe por causa disso tornou Carlos.
— Nada disso. Vocês nunca mais se livrarão de mim. Estarei sempre com vocês.
— Ainda bem — disse Marcos. — Sentimos muito sua falta.
— Estou fazendo algumas reformas, por isso tenho me demorado lá. Não será sempre assim.
Depois do jantar agradável, em que Osvaldo quis ouvir tudo sobre o que cada um estava fazendo e pensando, ele perguntou:
— E em casa, tudo em paz?
Marcos trocou um olhar com Carlos, depois disse:
— Nem tanto. Desconfio que aquele sujeito continua importunando mamãe. Ela encobre para não nos preocupar. Mas há alguns dias ela chegou em casa correndo, pálida, e tenho certeza de que foi por causa dele.
Carlos cerrou os punhos dizendo entre dentes:
— Se eu pego aquele sujeito..
Osvaldo interveio:
— Nada disso. Vocês não vão fazer nada. Eu estou tomando providências. Só quero que fiquem atentos, que me contem tudo que souberem. O resto, deixem comigo.
No dia seguinte, Osvaldo recebeu a visita do detetive com o relatório contendo os
antecedentes de Válter bem como seus passos nos últimos dias.
Descobriu que ele continuava trabalhando para a mesma empresa, ganhava bom salário, mas vivia endividado porque gastava em noitadas, com mulheres. Tinha justificada fama de boêmio, porquanto continuava solteiro apesar das muitas mulheres com quem mantivera relacionamento.
Embora fosse muito conhecido nas rodas que freqüentava, não tinha amigos mais íntimos.
Havia a relação de tudo que ele fizera nos últimos dez dias.
Osvaldo ficou sabendo que ele ia quase todas as tardes esperar Clara na saída do trabalho.
— Como pode ver, nem sempre ele a aborda. Quando o faz, ela o repudia, não dando chance de conversar.
Ele fica muito irritado e tenta retê-la. Como você pediu que interferíssemos apenas no caso em que ele se tornasse mais agressivo, nós só os observamos.
— Eles nunca notaram a presença de vocês?
— Nunca. Temos sido atentos mas discretos. Ela não quer nada com ele. Dá para notar que fica muito nervosa ao vê-lo. Se ele continuar insistindo, seria bom tomarmos uma providência mais séria.
— O quê, por exemplo?
— Dar queixa à polícia.
—Eu não poderia fazer isso. Seria intrometer-me na vida dela.
— Ela é quem deveria dar a queixa.
— Clara só tomaria uma atitude dessas se estivesse correndo algum risco.
— Pelo que observei, ela pensa que pode lidar com o problema sozinha. Não acredita que ele possa tornar-se mais agressivo. Mas eu noto que a cada dia ele parece mais irritado.
Conquistá-la tomou-se uma espécie de obsessão. Daí a perder o controle é um passo muito pequeno.
— Concordo. Quero que continue vigiando seus passos e, se for preciso, intervenha.
— Está bem. Eu o manterei informado.
Depois que o detetive se foi, Osvaldo lembrou-se da cena de amor que surpreendera entre Clara e Válter. A expressão apaixonada de Clara havia sido substituída pelo terror quando
os surpreendeu. Naquele dia, teve certeza de que ela amava Válter.
Apesar de sua revolta pela traição, da dor pela rejeição, dos conselhos do irmão e da mãe querendo que ele se vingasse, havia preferido desaparecer, deixar o caminho livre para que
ela fosse feliz com o homem pelo qual havia atirado fora um casamento estável, colocando em jogo a estima e o respeito dos filhos.
Era preciso muito amor para que ela arriscasse tudo. Agora se perguntava onde estava esse sentimento? O caminho continuava livre. Por que ela agora repudiava o homem pelo qual o
havia trocado?
Rita dissera que Clara nunca havia amado Válter. Deixara-se seduzir, envolvera-se, porém arrependera-se em seguida. Depois da separação não se envolvera com ninguém.
Esse pensamento fazia seu coração bater mais forte. Eles haviam vivido bons momentos juntos. Durante os últimos anos, Osvaldo recordava-se deles com saudade, mas ao mesmo
tempo perguntava-se quando e por que ela deixara de amá-lo.
Sempre que esses pensamentos reapareciam, Osvaldo reagia. O fato de Clara não querer Válter não significava que ainda se recordasse com saudade dos momentos que estiveram
casados.
Estava conformado com o fato de Clara não o amar mais. Reconhecia que o amor acontece, independe até da vontade. Houve tempo em que havia feito tudo para banir esse sentimento
do coração, porém ele havia resistido, continuava lá. Aprendera a conviver com ele sem esperar retribuição.
Apesar de não querer admitir, o fato de Clara repelir Válter, de continuar sozinha, confortava-o.
No dia seguinte foi procurar Lídia, levando algumas garrafadas que havia feito. Recebido
com alegria, detalhou seus projetos, finalizando:
— Pretendo voltar para o sítio dentro de dois dias. Gostaria muito de receber sua visita. Se quiser ir, mandarei meu motorista buscá-la.
Está bem. Assim que puder, combinaremos a data.
— Preparei essas garrafadas do jeito que fazíamos no sítio de Antônio. Não sei se deveria, na cidade as pessoas pensam de outra forma. Se não quiser usar, pode jogar fora.
— De forma alguma. Só preciso aprender a utilizá-las. Aqui, como no campo, há pessoas muito pobres, que não podem comprar remédio. Quando tenho um caso desses, os espíritos
tentam ajudar, indicam algumas ervas. Mas fica difícil para mim, porque sempre vivi na cidade. Não tenho nenhum conhecimento.
Osvaldo explicou para que servia cada uma das garrafadas.
— Coloquei um rótulo, não há como se enganar. Gostaria que as experimentasse quando houver um caso desses. Não ignoro que há leis severas com relação a isso, para evitar
abusos. Estou criando um laboratório, no sítio, onde desejo ter profissionais capacitados. Quero fazer tudo dentro da lei.
Lídia sorriu satisfeita.
— Faz bem. A sociedade tem regras que preservam a saúde, e nós precisamos respeitar.
— Os espíritos deram-me essa orientação. Sugeriram também que eu monte um grupo de pesquisa. Dizem que a natureza tem tudo para curar qualquer doença. Afirmam que não há
moléstia incurável. O que há são pessoas resistentes, repetindo os mesmos erros, obtendo os mesmos resultados. Os remédios aliviam e ajudam, mas a chave da cura está em descobrir a atitude causadora, procurar saneá-la. Claro que isso só acontecerá se o paciente
cooperar.
— Está certo. É ele quem deve aprender com essa experiência
— Em nossa pesquisa precisaremos considerar não só os elementos materiais das plantas mas também seu potencial energético. Há casos em que é preciso atingir as camadas mais
profundas e delicadas do corpo astral.
— Trata-se de um trabalho maravilhoso. Se me permitir, gostaria de acompanhar todos esses processos.
— Quando eu tiver tudo organizado, poderemos tratar de alguns casos.
— Faço votos de que seja logo. Tenho alguns pacientes que gostaria de ajudar.
— Nesse caso, vou incluí-los em minhas meditações. Talvez Alberto nos instrua a respeito.
— Que boa idéia! Isso mesmo. Vou anotar os nomes para você.
Osvaldo voltou para casa alegre. Tinha certeza de que estava fazendo a escolha certa.
Conversou com Felisberto, que o orientou quanto às exigências da legislação.
— Você precisa pensar em como manter esse empreendimento. Ele precisará tomar-se rentável para manter sua continuidade. Depois, toda pesquisa é cara. Você precisa do
retorno do seu capital. Do contrário, em pouco tempo não terá como sobreviver.
— O trabalho com os espíritos não pode ser cobrado.
— Concordo. Mas você vai empregar pessoas especializadas não só para as pesquisas mas também para o laboratório. Precisa pensar em uma forma de renda que mantenha as
despesas.
— No sítio, Antônio não precisava nada disso.
— No interior eu entendo. Mas aqui as leis são rigorosas. Além das exigências trabalhistas,
há fiscalização da Saúde, etc. Se deseja fazer uma obra bem-feita, precisa perder o preconceito que tem com o dinheiro.
Osvaldo assustou-se:
— Não sou preconceituoso.
— Tenho notado que não valoriza o dinheiro. Claro que ele não é o valor mais importante,
mas sem ele nenhuma grande obra beneficente se mantém. Até os discípulos de Jesus
fracassaram nesse aspecto. Só quando se tomou religião oficial que o cristianismo se propagou.
— Não está sendo muito rigoroso?
— Não. O dinheiro é um valor necessário. Merece nosso respeito, O problema está no uso que fazem dele.
— Quanto a isso concordo. Muitas pessoas mergulham na avareza, na cobiça, por causa dele.
— Você está invertendo as coisas. São as pessoas desonestas, corruptas, desequilibradas
que abusam não só do dinheiro mas também de todos os recursos que conseguem obter.
Quem consegue usufruir a riqueza de maneira equilibrada, contribuindo para a evolução e o bem-estar do homem, tem mais mérito do que aquele que foge com medo de errar. Porque o
progresso da humanidade é feito com muito dinheiro. As grandes fortunas é que bancam as pesquisas em todas as áreas. Com relação ao dinheiro, em minha profissão tenho visto de
tudo: desonestidade, avareza, má-fé. Mas tenho também presenciado atos de grande desprendimento, de dedicação ao bem-estar do próximo, de amor à vida. Sua tia Ester soube lidar muito bem com o dinheiro.
É verdade. Tia Ester foi admirável. Já percebi que não vai ser fácil fazer o que eu pretendo.
— Terá de ser bem planejado legalmente. Pode contar comigo. Não quis que começasse um projeto sem base. Apesar de ser um trabalho espiritual, neste mundo há que cumprir as leis
sociais. Tenho visto pessoas que têm contato com os espíritos, se entusiasmam e logo querem fundar um grupo, uma obra assistencial. Não se preparam convenientemente, não
se perguntam se estão capacitadas e acabam arranjando problemas ao invés de solucioná-los.
Não sabia que o senhor conhecia tanto esse assunto.
— Creio na reencarnação, tive algumas provas disso. Respeito o espiritismo, que ensina a lidar com a mediunidade e a entender a evolução do homem. O problema são as pessoas.
Elas interpretam a espiritualidade a seu modo, cometendo todos os disparates. É uma pena.
— Apesar disso, há muitas obras assistenciais espíritas socorrendo, consolando,
confortando muita gente.
— Na verdade, quem se converte ao espiritismo se entusiasma, quer fazer caridade, está
sendo sincero. Mas ajudar é uma arte difícil e é preciso conhecimento, estudo, discernimento.
— Tenho pensado muito a respeito. A ajuda só é eficiente quando a pessoa que recebe está receptiva, aberta, com vontade de melhorar. Mestre Antônio nunca fazia nada pela pessoa.
Procurava fazer com que ela se motivasse a fazer por si. Atendia oferecendo remédio,
energias espirituais, mas nunca ia além disso.
— É um homem sábio.
— De fato. Amoroso, alegre, educado, conversava esclarecendo situações, mas a decisão era sempre da pessoa. É assim que pretendo trabalhar.
— Estou vendo que você está preparado. Gostaria de participar. Sinto que está na hora de me aprofundar no trabalho espiritual.
— Fico feliz em poder contar com você. Vou pensar em tudo que conversamos. Gostaria que você também pensasse na melhor maneira legal de iniciarmos nosso projeto.
Depois que Felisberto se foi, Osvaldo ficou pensando naquela conversa. O advogado estava certo: era preciso planejar com cuidado a parte material. Reconhecia que sem uma boa base
ele não poderia desenvolver um trabalho sério e proveitoso, como queriam os espíritos.
Sabia que, por mais amor que tivesse em seu coração, todo trabalho astral era realizado pelos espíritos. A ele, como médium, cabia organizar o atendimento, manter o lugar limpo,
agradável, bonito, formando um ambiente alegre onde os espíritos iluminados tivessem condições físicas de atuar com proveito.
Sabia que todos os problemas humanos decorrem dos conceitos errados, dos vícios de julgamento, da maneira inadequada de observar os fatos. Assim sendo, a cura só se daria
quando as pessoas harmonizassem sua maneira de ver, renovassem seus conceitos, reavaliassem os fatos de maneira mais real e positiva.
Essa era a parte que lhe competia fazer. Enquanto os espíritos cuidavam dos problemas da pessoa no astral, ele, médium, deveria cuidar da conscientização, contribuindo para a
renovação gradativa daquele espírito.
Os remédios, a energização, o apoio, o esclarecimento eram ferramentas que ele precisaria ministrar com lucidez, sob a inspiração dos espíritos. Mas o êxito da cura só se daria quando a pessoa fizesse sua parte.
Diante disso, ele pensou que o importante seria fazer bem a parte que lhe cabia, sem se preocupar com os resultados.
Por causa de uma cliente, Clara saiu do ateliê mais tarde do que de costume. Olhou para o relógio: passava das nove. Estava cansada e com fome. A noite fria e a garoa insistente fizeram-na caminhar de pressa até o estacionamento onde guardava seu carro. Quando
chegou à porta, encontrou Válter à espera. Esboçou um gesto de contrariedade e tentou desviar-se, mas ele a segurou dizendo:
—Você não vai fugir de mim. Estou cansado de correr atrás de você. Hoje vamos decidir tudo de uma vez por todas.
— Não há o que decidir. Eu já disse que não quero nada com você. Por favor, deixe-me em paz. Estou cansada, quero ir para casa.
— Chega de desculpas. Hoje você não me escapa.
Clara sentiu um cheiro forte de bebida e sentiu um arrepio percorrer seu corpo.
— Você bebeu. Pare de me perseguir.
Ele segurou seu braço com força, querendo arrastá-la. Ela resistiu assustada. Conseguiu
desvencilhar-se e entrou no estacionamento procurando alcançar o carro. Ele a alcançou e tentou abraçá-la. Clara, tentando livrar-se, olhou em volta à procura de ajuda.
O estacionamento estava vazio e mal iluminado. Válter abraçou- a forte tentando beijá-la.
— Você é minha! — repetia com voz rouca. — Não vou deixá-la para o idiota do Osvaldo.
Agora venha comigo.
Reunindo suas forças, Clara empurrou-o e ele cambaleou. Aproveitando-se, ela procurou a chave do carro na bolsa mas não a encontrou logo.
— Desta vez você não vai escapar — disse ele com raiva.
Clara recuou nervosa. Válter havia sacado um revólver e apontava-o para ela.

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