A Filha Do Arcanjo

A caminho do inferno

- Deixa eu ver se entendi, quer Lúcifer morto, para você ser o Rei do Inferno? 

- Exato. 

- Ou eu posso matar você dessa vez. - Cruzei os braços. 

- Não é uma boa ideia. - Ele olhou para Mika, que começou a sufocar do nada. Ela caiu de joelhos. 

- Solta ela! - Dei um passo a frente. 

- Temos um acordo? 

Olhei para Mika, ela implorava para que eu dissesse não. Mas, não podia perdê-la. 

-Está bem! - Gritei. E ele a soltou. 

- Ótimo. Então é o seguinte. Eu atraio Lúcifer para fora do inferno e você mata ele. 

- E Noah? 

- Quem se importa, é só um pedaço de carne. 

- Eu me importo!! - Dei mais um passo a frente. 

- Okay. - Revirou os olhos. - Mas vai ter que convencer Lúcifer a tirá-lo de lá. 

- Por que você não tira?

- As celas são seladas com o próprio sangue dele, só ele abre. 

- Por que você não mata ele? 

- Não sou forte o bastante. - Disse o demônio relutante. 

Dei um meio sorriso nada sincero. 

- Eu sei, só gosto de vê-lo admitir isso. 

Pensei nas palavras de Crowley. O sangue, é claro. 

- Novo acordo. Irei com você ao inferno. 

- Catherine, não! Você não pode! - Gritou Mika alarmada. 

- Não posso deixar Noah lá, sofrendo e também não vou arriscar tirar Lúcifer no inferno. E se ele conseguir abrir a porta? Preciso impedi-lo. 

- Você não entende? É isso que ele quer, que você vá lá. 

- A bruxa esta certa. - Olhei surpresa para Crowley. - Mas, ele não está esperando um ataque em casa. - Ponderou. 

Houve um momento de silêncio. Olhei ao meu redor, toda a destruição. Tudo que tinha acontecido, todo o sofrimento. Era tudo minha culpa. E eu terei que concertar. 

- Eu irei com você. 

Crowley deu sorriso satisfeito, mas de repente ao mudou na sua feição, os olhos queimaram e uma espada tinha sido atravessada em seu peito. Ele caiu de joelhos e logo virou cinzas. Não tive qualquer reação, fiquei encarando a cinzas dele ali, e logo vi um par de coturnos e um sobretudo preto. 

- Miguel. 

 - Ninguém vai pro inferno. 

[...]

- Esse lugar tá me matando podemos conversar lá fora?  - Implorou Mika tossindo. Eu acenei para ela sem tirar os olhos de Miguel. 

- Me esperem lá fora. Eu preciso de um tempo. - Pedi educadamente, simulando uma tristeza carregada pelas lembranças que a casa trazia. 

Os dois saíram, me deixando sozinha. 

Fechei os olhos e a energia vibrou nas minhas veias, eu podia sentir o poder tomar conta do meu corpo, abri os olhos brilhantes como o próprio sol e subi as escadas que tinham sobrevivido, enquanto andava pelos corredores tive flashes da infância, eu realmente era feliz, uma felicidade que agora era inalcançável. Meu corpo foi atraído para o antigo quarto da mamãe, e em meio ao teto destruído, os pedaços de madeira caídos sobre o armário perto da cabeceira da cama, abaixo dela algo reluziu em um esmeralda brilhante. Era isso, a medida que me aproximei mais tive certeza. Peguei a joia, era um colar dourado com uma pedra em forma hexagonal, era esmeralda legítima. 

- Catherine! Está tudo bem!!? - Ouvi Mika chamar do lado de fora da casa. 

Enfiei o calor no bolso de dentro do casaco vinho. E desci as pressas. O poder se escondeu novamente.  

Ao sair finalmente pude respirar, a poeira e o fogo estavam me deixando com falta de ar. Miguel estava diferente desde a última vez, suas roupas não eram mais alinhadas e elegantes, tinha certa acidez sobre ele, botas pesadas, olhos tensos e em uma das mãos a lâmina que acabara de matar Crowley. Mika prendeu os cabelos em um coque, estava suada e ofegante, talvez ela odiasse aquele ar empoeirado tanto quanto eu. Eu o observei guardar a lâmina prateada em um compartimento na manga do sobretudo. 

- O que faz aqui Miguel? 

- Eu disse que precisavam de mim. 

- Nós estávamos bem, não precisamos de você. - Afirmei. Mesmo em parte, sendo mentira. 

- Eu estou vendo. - Ele gesticulou para as ruínas atrás de mim. 

- Como nos encontrou? - Mika sempre ficava esquisita perto do arcanjo e comecei a suspeitar que ela tinha uma queda pelo par de asas. 

- Eu nunca as perdi. Estou seguindo vocês desde que saíram de Salém. 

-  Talvez seja peso na consciência. - O olhei com desprezo. 

Miguel se voltou para mim. 

- Eu acabei de matar o Crowley, o braço direito de Lúcifer. Quer prova maior que essa de que estou do seu lado? 

- Pelo que sei Crowley se voltou contra Lúcifer. Ele o queria morto. 

- Crowley não tem um terço de força para isso. - Miguel cruzou os braços e pareceu se divertir com a ideia do pequeno Demônio querer enfrentar o Diabo.

- Ele não ia lutar diretamente. - Mika afirmou olhando para mim. 

- É claro. Você seria o escudo dele. - Miguel se aproximou de mim, me olhando tão profundamente que me intimidou. - Nunca faça acordos com demônios. 

- Eu faria se fosse preciso. - Levantei a cabeça sem desviar o olhar do arcanjo. - Para salvar Noah. 

Miguel se afastou e caminhou até o impala de Mika. 

- Nós iremos recuperar o garoto. Mas antes, precisamos de um plano. 

- Deixa eu adivinhar, você tem um? 

- Você não é a única que tem contas a acertar com Lúcifer. - Miguel abriu a porta traseira do carro e entrou. 

Eu e Mika nos olhamos e também fomos para o carro. 

Enquanto o carro se afastava de Greenwich, eu vi um fragmento de quem eu sou partir mais uma vez, a casa em ruínas deixada para trás. Apesar de tudo ter sido uma farsa, ver o rosto dela foi em algum momento motivo de um relampejo de esperança. Eu realmente quis acreditar que era ela, que ela tinha retornado, que tudo não passasse de um mal entendido. Talvez fosse a influencia de Noah, com todo aquele papo de acreditar e ter...fé. O fato é que, as pessoas se ferem quando se tem esperança, é uma expectativa fantasma. Não é real. 

Olhei para Miguel pelo retrovisor, talvez ele não fosse o vilão. Mas, não podia confiar nele, meu instinto não permitia que eu confiasse em mais ninguém. Era solitário, e doloroso. Mas as decisões seriam tomadas por mim, pelo bem de Noah. 

Seja lá qual for o plano, seja lá para onde estávamos indo no fundo eu sabia, acho que sempre soube que um dia caminharia para o inferno por vontade própria. O fogo faz parte do meu sangue, e se for preciso irei até lá, por ele. Noah está em algum lugar e eu vou encontrá-lo. Não importa o preço que terei que pagar para isso.