Enquanto isso no Inferno

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(Enquanto isso no inferno)

*Nowa*

Neste momento entre as barras de ferro de uma jaula e os gritos e sussurros como companhia, meu corpo implorava por uma morte silenciosa. Como eu poderia estar ali naquele maldito lugar e ainda respirar? Ainda ter a maldição de enxergar e ouvir tudo naquele mar de dor e sofrimento. Não fazia ideia de que horas eram, que dia era ou em que momento da minha vida eu estava. O gosto de sangue na boca já me era familiar, a risada de Lúcifer ao fazer mil cortes no meu corpo lenta e dolorosamente ainda ecoava na minha mente. Estava com sede, faminto e tudo que podia sentir era o calor das chamas no quinto inferno. Aparentemente existiam sete estações. Deitado e gemendo de dor, eu tentei focar em procurar uma saída durante muito tempo eu cacei sendo levado de uma tortura para outra. E me perguntava porque o demônio ainda não tinha me matado de uma vez, nem mesmo tinha me mutilado de forma mais profunda. Não fazia o menor sentido.

Enquanto lutava para me manter acordado e questionando as ações do próprio Diabo. Os portões do quinto inferno se abriram, os passos lentos e graciosos já me eram conhecidos.

- Nada como mais um dia no inferno não é?

Azazel era um anjo, caído é verdade mas era um homem de meia idade extremamente...gentil. Como os lordes da Inglaterra em meados do século XX, em outras circunstâncias gostaria de pinta-lo em um dos meus quadros.

- O que você quer Azazel? - Resmunguei forçando me a se sentar encostado nas barras de metal, o sangue seco manchava meu rosto.

- Trago notícias sabe....lá do mundo dos humanos.

Esperei até que ele continuasse.

- Bom, Catherine está a caminho.

- O que?

- Eu tenho contatos senhor Nowa, e Catherine está se preparando para resgatá-lo.

- É mentira. - Meus olhos marejaram, cerrei os punhos. Aquela garota tinha....ela tinha....

- Acha que não merece ser salvo senhor Nowa? - Azazel se aproximou das barras sorrateiramente. - É um pecador senhor Nowa?

- Todos nós somos não é mesmo?

- Catherine é a filha de Lúcifer. Entende o que isso significa?

Pisquei algumas vezes antes de responder. Minha garganta estava inchada e ardia.

- Os filhos não precedem os pais.

- Não acho que acredite nisso senhor Nowa. Posso ver em seus olhos você a abomina. - Azazel parecia satisfeito com a forma com que eu me encontrava.

- Só há uma coisa que eu abomino nesta vida Azazel. - O olhei com frieza. - Mentiras.

- Ela virá acredite. Mas não espere sair deste lugar vivo. - Azazel se levantou e ajeitou o terno branco. Já estava de saída.

Eu me ergui um pouco e me forcei a falar.

- Quando eu era criança! - Azazel parou e se virou para mim outra vez. - Quando eu tinha doze anos, e morava com meus pais em Saltbech conheci uma garota. O nome dela era Alyssa... Nós nos apaixonamos e eramos jovens demais para entender que porra estávamos fazendo. Ela queria fugir mas...eu fui um covarde...E desisti no último momento. Sabe o que aconteceu depois? Bem...ela se jogou de uma ponte de seis metros, foi de cabeça.

- Se culpa por deixá-la se matar... - Afirmou o anjo caído.

- Me culpo por não ter pulado com ela....

- Não parece o pintor cheio de sonhos que conheci...

- Bem... - Soltei uma risada cortada e arranhada. - Estou no inferno, o que achou que aconteceria?

Azazel pareceu pensar a respeito, apesar de ser quem era, ele não chegava nem perto dos outros demônios. Não tinha frieza em seu olhar, não havia nenhuma sombra em seu rosto. Apenas sua ironia marcante e algo não dito em suas provocações.

- Isso...vai acabar Nowa. - Disse ele em tom mais baixo.

- Acredito que só acaba quando eu parar de respirar.

- Você... - Azazel franziu o cenho intrigado. - Você quer morrer.

Aquilo foi uma afirmação e ele não estava errado. Depois de tudo que vi e ouvi naquele lugar, de relembrar meus pecados. Lúcifer tinha me feito ver Alyssa morrer várias e várias vezes. Depois fez com que Catherine fosse morta por mim várias e várias vezes e por fim me mostrou a própria morte, decepado, esquartejado, queimado vivo. E tudo me pareceu real, eu podia sentir cada dor casa angustia e desespero. Ele destruiu minha mente.

Não disse nada, apenas virei o rosto para encarar o outro lado da cela.

- Sabe Senhor Nowa...a morte pode ser um alívio para alguns e uma fuga para outros. Eu costumo pensar que não podemos fugir dos problemas, nem mesmo morrendo. Eles ainda vão estar lá só que agora, sem ninguém para resolvê-los.

Permaneci em silêncio me concentrando em uma posição que não me causasse tanta dor. Pelo menos a dor física estava um pouco tolerável.



A Filha Do ArcanjoOnde histórias criam vida. Descubra agora