O Coração Do Arcanjo

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Depois do pequeno "incidente" acabei por desmaiar durante alguns longos minutos. Quando acordei já estava no meu quarto e Miguel aguardava paciente sentado na poltrona perto da janela. Me sentei na cama, e senti o corpo dolorido lembrei-me vagamente do seu rosto espantado ao me ver com o colar nas mãos, inconscientemente o cacei nas cobertas. 

- Está procurando isto? - Ele levantou o colar nas mãos. 

- Miguel eu... - Engoli em seco. 

- O que? Ia contar sobre o colar? Ia contar que foi até a sua casa antiga para pegar isto, colocando você e Mika em perigo? Não se dê o trabalho. - Ele estava bravo e percebi que nunca tinha visto um arcanjo enfurecido. 

- Era da minha mãe. Eu precisava dele. 

- Pra que precisa disto? Ao menos sabe o que é? 

- Só sei que era importante para ela. 

- Onde ela o conseguiu? 

- Eu...eu não sei...ela sempre esteve com ele. 

Miguel se levantou abrupto estava tenso e com os punhos semicerrados. 

- Isso. - Ele ergueu o colar para mim. - Isso é o coração de Lúcifer. 

- O que? - Pisquei confusa. 

Ele respirou fundo indo em minha direção. 

- Há muitas eras atrás logo depois da queda, eu o cacei e nós travamos uma longa batalha nos planos celestiais, eu consegui mantê-lo no inferno longe dos humanos porque arranquei isto dele. - Miguel me olhava como se eu acabasse de atear fogo em uma criança. - Mas, o colar que é um receptáculo poderoso se perdeu e eu jamais o encontrei, até...agora. 

- Não me importo, era da minha mãe. Agora é meu. 

- Catherine, se Lúcifer chegar perto disto, terá todo o poder que precisa. É por isso que ele quer você, ele sempre soube que você encontraria o coração dele. 

- Então ele não me quer, ele quer o colar. 

- Exatamente. 

- Que novidade, meu pai também não se importa. - Me levantei calmamente. 

- Ele é o Satã, o que esperava? 

Lancei um olhar desafiador a Miguel que percebeu, atrasado, o quão tinha sido rude. 

- Certo, se arrume e vamos tomar um café. - Disse meio sem jeito, me deixando sozinha. 

Olhei ao redor, Mika ainda deveria estar no quarto de Miguel. Apesar de estranhar a relação bizarra de uma bruxa e um anjo, eu precisava acreditar de que pelo menos alguém estava sendo feliz nessa história. Tudo na minha vida tinha virado de cabeça para baixo, minha mãe era um fantasma do passado, meu pai um ser maligno imortal saído dos contos bíblicos e eu... Bem, não faço ideia do que eu seja, meus poderes não são legais e fantásticos como nos quadrinhos ou séries sobrenaturais. Não há beleza nisso. Só dor, sofrimento e um peso enorme rodeado de escuridão e medo. Caminhei até o espelho e encarei meu rosto, era como ver um rascunho do que um dia eu fui. Se é que fui alguma coisa. Talvez, eu não seja uma heroína, talvez eu seja como pai, a porra de um demônio. 

Depois de um longo e eterno banho quente ao som de "Army of me". Me troquei vestindo preto, calças, blusa de gola alta, botas de cano curto e salto médio, deixei os cabelos molhados sobre os ombros e desci até Térreo do prédio. Miguel estava lá, agora vestindo roupas mais comuns, como calças jeans escuras e uma blusa de manga azul escura. 

- Uau parece até humano. - Comentei. 

- E você parece ter saído de "Anjos da Noite". 

- Alguém anda assistindo a filmes sobrenaturais. - Lancei um sorriso torto a ele que revirou os olhos. 

Saímos para a praça central, onde outrora o falecido Crowley tinha me intimado a ver Lúcifer. Nos sentamos em um dos bancos com os expressos recém comprados. Observei as pessoas andarem para lá e para cá, o sol brilhava no céu mas ainda sim o tempo era frio e a brisa gelada. 

- Onde está Mika? - Perguntei. 

- Ainda está dormindo. 

- A noite deve ter sido longa. - Arqueei as sobrancelhas o que causou certa timidez em Miguel. 

- Talvez... - Ele mirou a praça parecia procurar por suspeitos. - A sua também foi... 

O tom de Miguel fez meu humor desaparecer. Tomei um gole do cappuccino antes de responder. 

- Sabe eu acho que você está escondendo algo de mim. 

Ele nada respondeu. 

- Por que se importa Miguel? Porque está aqui? É pela Mika? Ou por você mesmo e sua vingança contra Lúcifer? Não sei o que ganha com tudo isso. - Dei de ombros. 

- Eu conheci sua mãe Catherine. Há muitos anos atrás. - Ele me olhou de soslaio, não consegui dizer nada. - Ela ainda era uma criança, seu avô estava internado na época, ela implorou para que os anjos o salvassem que não o deixassem morrer, por que se não... - Ele deu um sorriso ao relembrar. - Por que se não ela iria subir em uma nuvem e contar tudo para Deus. Então eu não consegui ignorá-la, e decidir aparecer para Emma. Eu disse que ficaria tudo bem, que o pai dela ficaria bem. 

- Você mentiu... - Sussurrei me lembrando da minha mãe chorando nos braços da vovó quando íamos visitá-la, sempre que lembrava do vovô Arthur ela chorava.  

Miguel balançou a começa concordando. 

- Eu não podia curá-lo, era a hora dele. Não se pode mudar o destino dos humanos. É nossa lei. 

- Essa lei é uma droga. - Bufei. 

- Concordo. - Ele se virou para encarar meus olhos. - Por isso estou aqui. Falhei com Emma e me arrependo, não posso falhar com a filha dela. Não posso, e não vou falhar. 

- Não se martirize, ela não se importava com nada. - Tomei mais um gole do café. 

- Sei que acha que Emma te abandonou, mas deve haver uma boa explicação para o que houve, a mulher que eu conheci jamais faria isso. 

 - Desculpe te decepcionar Miguel, mas as pessoas mudam e geralmente é pra pior. 

Me levantei com as mãos no bolso da jaqueta, se encolhendo contra a brisa fria. Admirei ao meu redor as pessoas viviam alheias a todo aquele caos, toda a escuridão que nós tínhamos que suportar. 

- O colar. O que vamos fazer com ele? 

- Nada, vou mantê-lo comigo. É muito perigoso. 

- Tudo bem... - Suspirei. 

- Nenhuma reclamação, nenhum insulto? 

- Você é uma boa criatura Miiguel, posso ver a luz em você. Está quebrado, mas ainda é bom. E bondade é algo raro neste mundo. E...

Dei alguns passos para trás, sentindo o ar pesar em meus pulmões. 

- Não mereço isso... 

Dei as costas antes que ele dissesse algo, segui de volta ao prédio. 



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