O quinto dos infernos

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Quando me aproximei dos portões antigos da mansão Hill, pude ver o impala estacionado estava meio torto mas a julgar pela falta de habilidade de Miguel, jurei não caçoar do Arcanjo. O Sorento já ameaçava parar de vez, agradeci pela gasolina ter durado o suficiente. Desci do carro e percebi o quão silencioso o lugar estava, o impala estava vazio. Caminhei até o carro, e a cada passo meu coração errava uma batida, tinha sangue pelas portas e nos bancos, era muito sangue, a espada de Miguel estava quebrada entre o cambio e o assento, não havia sinal deles. O metal do teto tinha sido rasgado por alguma coisa com garras enormes. Me afastei ciente do que tinha acontecido, chutei o carro com ódio e o impala derrapou para longe. 

- Droga!! - Gritei com raiva.

Olhei para os portões e respirei fundo. Novamente eu estava sozinha. Voltei até o carro que vim, procurei por roupas limpas, e inteiras, lavei o rosto com garrafas de água que o dono falecido tinha estocado, talvez estivesse achando que fosse um apocalipse zumbi e gostaria de estar preparado. Enquanto fuçava o porta malas, encontrei sua carteira. "Benjamin Walker, advogado de família". 

- Eu sinto muito Ben, você deveria ser um cara legal. - Suspirei enquanto vestia uma camiseta preta regata que supus ser da esposa do Ben, apertei os cadarços do coturno e voltei ao impala, lá estavam todas as armas, espadas, pistolas, granadas, objetos sagrados. Adagas dentro do coturno, espada presa ao coldre na cintura, assim como as duas pistolas carregadas, uma pequena faca banhada no sangue de um cordeiro sagrado presa a minha coxa. Joguei mais água no rosto. Olhei a minha volta, os dois carros ali poderiam despertar curiosidade, e seja lá o que estivesse além dos portões, eu não permitiria machucar mais ninguém.  Forcei meus poderes e os carros explodiram até virarem cinzas, se deterioraram em segundos. 

Me aproximei dos portões, o letreiro se tornou turvo até formar a frases, "quem desce ao inferno, não sairá jamais". Revirei os olhos. Mesmo sabendo que havia uma possibilidade de aquilo ser verdade. Azazel tinha me instruído a tocar os portões com os lábios, e logo ele se abririam. O anjo estava certo. Senti o gosto do ferro na boca, e um estrondo fez o portão ranger. Quando se abriu ainda não vi nada além de uma mansão abandonada e um jardim precário, mas o ar estava pesado, tinha algo ali eu podia sentir. Meu coração começou a bater mais lento, ou estava acelerado demais, não consegui distinguir. Dei um passo a frente, nada aconteceu. Dei mais dois e a noite caiu sobre a minha cabeça, o ar ficou nulo e sufoquei enquanto o ambiente se desmembrava a minha volta, quando tudo cessou, eu estava no topo de uma escadaria íngreme, apesar de ver as paredes soando, as chamas nos lagos de fogo longo alguns degraus abaixo, o calor não era sentido, como se eu fosse imune ao fogo e o ardor. 

Comecei a descida em espiral indo cuidadosamente, sombras passeavam pelos cantos, curiosos com minha chegada. Lembrei-me do que o anjo caído dissera, ignore as almas perdidas, elas não lhe farão mal algum. Segui em frente, me esquivando das luzes das chamas, evitando demônios errantes. A adrenalina fervia sob minha pele, era um labirinto de entras e saídas. Me forcei a lembrar de Azazel e suas instruções. Sete estações do inferno, entraremos pela sexta, suba Catherine, suba. Corri para uma parede menos íngreme, não havia escadas para cima, eu teria que escalar. Apertei as luvas, agora eram mais grossas e firmes. Esperei até que dois cães do inferno passassem para o outro lado e pulei, para começar a escalar, um passo de cada vez, meu corpo dolorido gritava por dentro, mas eu não podia cair, não tinha escolha, meus olhos brilharam dourado, o poder angelical se acendeu em mim, e tomei força para subi até o topo, alguns minutos no inferno e para mim já pareciam horas. Quando finalmente cheguei ao topo, dei de cara com dois demônios menores, criaturinhas sem rosto, distorcidas e grudentas. Puxei a espada em um movimento rápido os desmembrei, uma gosma verde saiu de suas bocas enquanto convulsionavam. Esperei até que morressem de vez. E continuei, ali aparentemente ainda era o sexto inferno. As mesmas sombras perambulavam. Mas como saber, quem fica no quinto inferno? Andei de um lado para o outro observando o lugar, busquei na memória todos os livros de fantasia e terror que tinha lido. Lembrei da escala de Dante, as almas não tão inocentes servem ao seis, cederam ao mal. As almas errantes, pecadores abraçaram o mal servem ao cinco. 

Limpei a espada no bainha, e continuei pelos corredores sombrios e escuros do inferno. Outro demônio saiu das sombras, o peguei pelo pescoço, os dentes de lobo lutando para alcançar meu braço, quebrei seu pescoço e o fiz engolir prata líquida. O corpo se consumiu como ácido. Virei em mais duas subidas íngremes e quase escorreguei em uma delas. Estava perdida eu sabia. O inferno era enorme, e cheio de armadilhas, monstros por todos os cantos, almas gritavam de agonia, sussurros eram ouvidos nas paredes, o mal reinava naquele lugar desprovido de esperança e luz. Depois de algum tempo, já não sabia onde estava, e como sair daquele lugar sufocante. Exausta me sentei entre duas paredes, nas sombras onde não pudesse ser encontrada. Quando mais escalava paredes, subia por pedras escorregadias, mas sentia que seria inútil continuar. Meus olhos se fecharam por um instante. 

- Catherine Swan levante já daí! - A voz familiar fez meu coração se aquecer. Mamãe...

- Mãe? - Esfreguei os olhos, me levantando abruptamente. 

Emma estava usando um vestido cinza de festa, os cabelos presos em uma trança longa, seu rosto estava perfeito e ela estava com uma expresso mista de euforia e autoridade. 

- Olá querida.. - Corri para abraçá-la. E me afastei. 

- Você está aqui, de verdade? - Analisei seu corpo, seu rosto e a abracei mais uma vez. 

- Estou. 

Emma me afastou gentilmente, e investigou meus olhos. 

- Então você despertou. - Ela sorriu, os olhos marejados. - Não é mais minha menininha. Cresceu tão rápido. - Emma entrou em uma crise de choro e eu senti culpa, por tê-la julgado durante todos esses anos. 

- Mamãe me perdoe, eu...eu não tinha ideia. 

- A culpa não é sua, meu amor. - Ela tocou meu rosto com gentileza. 

- Mãe, escute eu vou salvar todos nós. Noah está no quinto inferno, vou buscá-lo, Miguel e Anael estão aqui também, eles podem ajudar você. Pode sair do inferno. 

Emma negou com a cabeça, havia muita dor nela. 

- Não entende querida, eu já me fui. Não tem salvação para mim. 

- Não.. - Solucei, minha garganta doía. - Tem que ter um jeito.. 

- Não tem. - Emma se aproximou de mim, e tocou meu rosto. - Mas Noah ainda tem chance, ele esta vivo. E precisa encontrá-lo. 

- Eu não... - Limpei minhas lágrimas, era a primeira vez que desabava nas ultimas semanas. - Não sei onde estou. 

- Venha, vou levá-la ao quinto inferno. - Minha mãe me abraçou e uma luz fraca brilhou a nossa volta. Quando a luz tremula cessou estávamos na entrada de portas enormes de ferro quente. Ela me soltou. 

- Este é o quinto reino do inferno, Noah está lá dentro em uma das jaulas. Ache-o e saia daqui. 

- Não posso ir mamãe, Lucifer precisa ser detido, ele já conseguiu abrir uma brecha. 

- Não, não pode ficar, não vai detê-lo, você não pode ficar aqui Catherine, é isso que ele quer!! - Emma surtou, os olhos arregalados, o medo insano em suas palavras. - Tem que me prometer que vai sair daqui com o garoto!! 

- Não posso...  - Me afastei dela. 

- Catherine, por favor!! - Abri as portas do quinto inferno. - Eu não posso passar, não é onde estou. Catherine volte!! 

Entrei ainda a observando implorar, minhas lágrimas queimavam meu rosto. 

- Eu te amo, mamãe... 

Os portões se fecharam. O quinto inferno era mais organizado, com paredões cheios de jaulas, penduradas, pontes de um lado para o outro, entre elas, lagos de fogo fervente. Um trono ao final das pontes, chamou minha atenção, só um gigante se assentaria ali. 

- Ora ora, se não é a bastarda de Lúcifer. - A voz grave veio de uma das pontes. Um ser diabólico, com chifres de bode e um tom cinza apodrecido, com nove olhos e uma boca com mais de duzentos dentes de tigre, o corpo feito de couro de rinoceronte, parecia humanoide e tinha umas oito metros de altura. 

- Acredito que seja o manda chuva daqui? - Arqueei a sobrancelha, não permitiria que o príncipe visse meu medo, nem mesmo o reflexo dele. 

- Sou Abbadon o Quinto Príncipe Do Inferno. 

- Que elegante. Eu sou Catherine, a desgraçada que vai te rasgar no meio. 



A Filha Do ArcanjoOnde histórias criam vida. Descubra agora