O terceiro inferno não era como os outros, não tinha barulho, ou fogo subindo pelas paredes, nem gritos medonhos, nem sombras atormentadas. Na verdade, era um lugar escuro, úmido e estranhamente silencioso. Era possível ver as almas caminharem em silêncio pelos milhares de corredores, galhos secos ilustravam um campo aberto com chão coberto de cinzas, e quando se passava por elas, levantavam dando a ilusão de que no lugar nevava. Noah já conseguia caminhar sem apoio, ainda mancando um pouco, mas estava gradativamente melhorando, pelo menos seu corpo estava. Mika por sua vez parecia cada vez mais exausta, e silenciosa. O que vindo da senhorita Hills era algo raríssimo. Vagamos por sabe lá quantas horas, virando em vários corredores, desviando das pobres almas sobrenaturais desgarradas. Eu tinha certeza que nunca mais sairíamos daquele transe mórbido. Até que a bruxa parou, se virando para mim e ao moribundo que um dia fora Noah.
- A qualquer momento, o príncipe do terceiro inferno virá até nós. Por favor, não faça nenhuma burrice Cate. - Ela sussurrou e antes que eu pudesse dizer algo.
Uma figura saiu da parede, se desmembrando das pedras e se transformando em uma criatura em forma humana, apesar disso, cicatrizes cobriam seu rosto e corpo, seus pés eram cascos de cavalo, e seus olhos de serpente dançavam entre nós três. Ele se aproximou calmamente. Puxei a adaga no coldre, meus olhos brilhando poder. Mas Mika pousou a mão sobre meu punho cerrado.
- Não será necessário.
Fiquei tensa, a criatura chegou mais perto.
- Príncipe do terceiro inferno, Belfegor. É um prazer revê-lo. - Mika fez uma mesura a criatura que acenou com a cabeça em agradecimento.
- Nós vamos ao primeiro inferno. - Não pude conter o tom autoritário em minha voz. Belfegor por sua vez não pareceu se incomodar, ele ergueu seu tronco e era alto quase tão alto quanto seu irmão recém-morto, Abbadon.
Belfegor fez um barulho estranho e começou a falar em Latim, direcionado a Mika. Mika retribuiu na mesma língua, enquanto isso Noah respirava pesado parecia estressado com o ambiente. Toquei sua mão relutante e nos afastamos dos dois um pouco.
- Você está bem? - Sussurrei para ele.
Noah respirou fundo antes de encarar meu rosto. Agora só estava pálido e com a boca seca, mas seu corpo já parecia mais saudável.
- Eu só gostaria de ver a luz do sol outra vez... - Declarou ele meio perdido em seus próprios pensamentos.
- Você verá. Estamos perto do primeiro inferno, vou libertar você antes de Lúcifer se quer pensar em fazer alguma coisa ...
Noah soltou uma risada fraca, de pura descrença.
- Ele conseguiu o que queria Cate, agora já é tarde demais....
- O que? Do que está falando? - Meu coração acelerou por algum motivo.
Quando Noah olhou para mim, seus olhos estavam negros como os de um demônio, ele sorriu.
- Os portões já foram quebrados, as correntes caíram! Todos os meus filhos agora assolam a terra. - A voz sepulcral e grave de Lúcifer.
O ar falhou em meus pulmões, me virei abrupta para Mika que estava igualmente espantada, Belfegor se tornou cinzas diante dos nossos olhos, Noah gritou e caiu sobre os joelhos. Corri para ajudá-lo, já não era mais Lúcifer dentro dele. Noah com dificuldade para respirar segurou minhas mãos com força.
- Ele conseguiu. - Seus olhos se encheram de água. - É o fim Catherine.
- O fim só existirá no dia em que o meu coração parar!
Ele se levantou e então me afastei, a fúria angelical consumia cada átomo do meu corpo. Tinha uma sombra rondando meu coração, iria faze-lo pagar, iria fazer sofrer assim como fez com todos nós.
Mika tocou meu ombro preocupada e quando vislumbrou meus olhos negros como os de Lúcifer se afastou.
- Cate....
- Eu.... - Respirei fundo, meus olhos voltaram ao normal. - Lúcifer ainda está no inferno, ele ainda não pode sair.
- Como pode ter tanta certeza?
- Azazel me contou durante nossa batalha no hotel. Ele precisa dos meus poderes, precisa do meu sangue.
- E vai até ele? - Noah me olhou pela primeira vez com sinceridade. Não com repulsa ou raiva.
- Ele me tirou tudo, minha mãe, a Mika, Miguel, Anael e ele tirou você de mim. - Cerrei os punhos, a dor feria minha garganta. - Eu irei vingá-los. - Me aproximei de Mika. - Você sempre disse que acreditava na minha bondade que um dia eu seria uma grande mulher.
Mika suspirou tocando meu rosto com gentileza e apreensão.
- E nunca me arrependi de acreditar meu amor. - Ela ajeitou o corpete e arregaçou as mangas da blusa vinho. - Está bem, vamos logo, o caos não espera a bondade dos homens, mas sim a coragem dos fracos!
- Isso não faz sentido? - Noah arqueou a sobrancelha.
- Quieto! - Mika fez um aceno leve de mão.
- Só me dê um minuto .... - Pedi gentilmente a ela que seguiu para longe para nos esperar.
Eu e Noah nos sentamos em uma pedra qualquer do campo de cinzas. Havia céu mas eram apenas ilusões, nuvens carregadas que nunca choviam. Tudo era em tons de cinza e azul frio. Ficamos em silêncio por um tempo antes que eu começasse a falar...
- Tudo isso, tudo o que você passou nesse lugar é culpa minha. Naquela noite quando nos conhecemos deveria tê-lo deixado em um hospital normal ou chamado a ambulância. Eu fui egoísta e descuidada e olha onde viemos parar. Eu não posso imaginar o que você viveu dentro daquela jaula e fora dela. Mas sinto que sua alma foi quebrada, Lúcifer o partiu ao meio. E por isso, eu preciso te pedir Perdão , mesmo que você não me dê por que Sinceramente não mereço, mas preciso que ouça da minha boca que eu sinto muito.
Noah tinha lágrimas correndo pelo rosto, mas não manisfestava nenhum sinal que estivesse chorando, era um choro doloroso s silencioso.
- Eu odiei você, sabe, nos primeiros dias aqui. Eu queria apagar você da minha cabeça, queria matar você.
Fiquei em silêncio. "Eu também me mataria Noah"
- Mas, depois de tanta dor, tanta agonia percebi que não era você que segurava o chicote, não era você que lambia minhas feridas e abria novas logo depois. Não era você quem me torturava, meu carrasco tinha nome, e rosto. A propósito a face do diabo é a coisa mais perturbadora que um mero ser humano como eu pode ver na vida. - Noah suspirou. - Esse lugar....me fez pensar muito Cate, sobre mim, sobre minhas escolhas, sobre quem eu sou e eu não sou inocente. Talvez até mereço tudo que houve.
- Noah não ....
- Me escute... - Ele pediu paciente. - Quando você surgiu na jaula, pensei que fosse mais um dos truques de Lúcifer, pensei que era impossível você realmente vir até mim, entende o que sacrificou?
Por mais que não quisesse admitir a ideia de estar presa no inferno era assustadora.
- Estou. Fiz o que era preciso.
- Eu não sei o que esperar quando atravessarmos os portões do primeiro inferno, mas seja como for. Não está sozinha. -Noah tocou minha mão e era quente como eu me lembrava. Ele estava se curando.
Me aproximei um pouco mais e o beijei com gentileza, temia que ele se afastasse depois de tudo que viu em mim, de toda minha história, mas na verdade, me puxou para mais perto e retribuindo com paixão. Quando nos afastamos, seus olhos brilharam novamente, a saúde em seu corpo era notável. Eu o estava curando. Noah era meu fio de esperança, a ponte entre a luz e a escuridão dentro de mim. Eu o amava...e apenas isso era suficiente para mim.
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A Filha Do Arcanjo
Teen FictionOi, eu sei o que você deve estar pensando o que diabos essa garota que eu nunca vi na vida quer? Bem, eu quero que me escute. Eu preciso contar minha história...E só você pode saber, será um segredo nosso certo? Por onde eu começo....hmmm....Ah!! J...