Anjos não choram

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Miguel se virou para mim, os olhos alarmados, o corpo tenso sujo de sangue seco parecia insano. Anael lutava contra dois demônios que pareciam górgonas enormes, gritei mais uma vez para correrem para dentro do carro. As asas de Miguel sumiram com a mesma graciosidade que vieram, ele arrastou Anael para longe das criatura e as decapitou em um movimento preciso, manobrando o corpo ferido dela e se desviando das garras do demônio. Entraram finalmente no carro. Engatei a marcha e acelerei para o mais longe possível do hotel, enquanto o motor roncava alto pelas ruas, olhei o retrovisor não estávamos sendo seguidos. E por que não? 

- Cadê o Azazel? - Gritei. 

As ruas queimavam, as pessoas corriam ensaguentadas, ou feridas. O caos tinha se instalado naquele lugar esquecido por Deus. 

Ambos ficaram em silêncio. 

- Respondam!! - Gritei outra vez. 

- Ele ficou. Disse que ia ganhar tempo para nós. - Declarou Anael se recostando no banco de trás. 

Apertei o volante tão forte que temi quebrá-lo. 

- Miguel eu espero que saiba dirigir. 

- Por que? ... - Miguel não teve tempo para perguntar. Eu já estava saindo pela janela do carro. 

O impala fiz um zig zag antes de Miguel assumir o controle em um ato surpreso e confuso. Ele gritou para mim. 

- Não pode voltar lá, vai ser impossível sair!!! 

Saltei na frente no carro e Miguel freou com violência, o impala encostou no meu joelho lentamente. Passei pelos protestos de Miguel e abri o porta malas. Ele desceu vindo até mim. 

- Só pode estar louca! Você vai morrer lá, eles são muitos Catherine!! 

Puxei a sacola de armas, e encontrei uma espécie de granadas de prata sagrada, e duas adagas de ouro puro. Retirei o sobretudo rasgado e podre de sangue, encontrei luvas de couro para me proteger do alto calor das lâminas. 

- Você vai levar Anael para um lugar seguro, próximo ao ponto de partida. Azazel já me explicou o caminho inteiro até os portões do inferno e para além dele. Vá até a quinta avenida, vire quatro quarteirões e procure por um portão simples de metal enferrujado, nele está escrito Mansão Hill. É uma fachada. Me espere lá. 

- Catherine, pode achar que é indestrutível, mas não é! - Miguel me olhou extremamente temeroso. 

Toquei seu rosto, com carinho. 

- Eu estarei lá. 

Comecei a me distanciar. 

- É impossível! - Negou o anjo com a cabeça. 

- Nada é impossível, Arcanjo. 

Parti em disparada de volta ao hotel. Uma parte da estrutura tinha ruído ao chão, apenas o saguão se matinha de pé sustentado por ruínas. Os demônios rodeavam alguém. Era Azazel, agora suas asas abertar era prateadas com laminas ferozes nas pontas, seus olhos negros e profundos, sangue voava para lá e para cá, as vezes dele, as vezes das criaturas, mancando e grunhindo de dor ele ainda lutava. Sabia que não venceria e ainda lutava. Parei na entrada, com as granadas engatilhas. 

- E ai seus filhos da puta! - A atenção dos monstros agora era minha. - Vem me pegar. - Ameaçei. 

Quando eles correram joguei as granadas, suas carnes se explodiram como festim. Caminhei pelas poças de sangue até Azazel que caiu no chão com a explosão. 

- Azazel, vamos. Temos que sair daqui. 

O anjo caído cuspiu sangue.

  - Não...

- Como não? 

Quando ele ia falar, um dos demônio sobreviventes veio, ele arregalou os olhos, mas eu já tinha sentido a presença, saquei a agada da bota e furei sua garganta atravessando o cranio. A criatura humanoide caiu como lesma podre no chão. 

- Eu estou cansado. - Azazel ardia em febre, seus olhos de volta ao violeta habitual estavam perdidos no ar. 

- Não, não, não. Você não pode morrer agora. - Resmunguei ajeitando sua cabeça no meu colo. 

Seus olhos marejaram, ele me olhava como se quisesse gravar a ultima coisa que veria nesse mundo. 

- Eu preciso. Eu sou ruim Cate, eu não a salvei, eu a deixei para trás, minha menininha. - Choramingou ele, em meio ao sangue que escorria de seus olhos. 

Tremulo, ele guiou minha mão até sua testa, quando o toquei uma energia transitou entre nós e meus olhos ficaram completamente brancos. Em minha mente, flashes de uma garotinha de cabelos dourados, de mais ou menos seis anos. Ela brincava no parque com Azazel que aparecia para garotinha como um garoto da mesma idade. O tempo correu e vi Azazel ser convocado para um tribunal celeste, alguma coisa estava acontecendo, mas eu não podia ouvir, estava tudo meio turvo, novamente a cena mudou, agora Azazel estava de pé em frente ao túmulo. "Lucy Morgan". Eu li. A garotinha. Azazel sumiu como fumaça do ambiente, quando dei um passo em sua direção, pisei em um, jornal.  "Criança de 6 anos é estuprada e esquartejada por dois homens". Azazel gritou, e voltei do transe, demônios tinham surgido, pelo menos uns quarenta, na porta de entrada. 

Meu corpo se encheu de poder, o ódio por Luci, por mim, e por Azazel cresceu. Nenhum de nós merecia aquela vida. Nenhum de nós era inocente, mas também não éramos monstros. Quando deitei o anjo no chão, ele segurou meu pulso com ansiedade nos olhos. 

- Decida quem você quer ser na história... - Apenas assenti. 

Me virei para a horda, e deixei que o poder do arcanjo consumisse cada átomo do meu corpo. Corri na direção deles, e lutei, chutando, arrancando seus membros. Deslizei no sangue, para rasgar a barriga de um fuji. Alguns demônios me seguraram para tentar me desmembrar. Mas meus olhos brilharam como a própria chama do inferno, os vi queimar de dentro para fora, saquei as duas adagas de ouro e estripei mas dois os últimos demônios dali. Estava exausta, suja e triste. Mas não era hora de parar, me virei para ver Azazel e seus olhos tinha perdido a cor. Estava morto.

Era estranha a sensação, talvez eu estivesse acostumada com a morte.

Segui de volta para as ruas, agora só tinha sobrado, destroços. Fogo e pessoas chorando pelos cantos, o medo era palpável naquele ambiente. Me apressei para encontrar outro carro. Obviamente roubei um que por sinal estava com a chave. Certamente o dono foi atacado já que havia sangue por toda a lateral do carro. Não fazia meu estilo, um Sorento azul marinho semi novo, mas serviria para minha pressa. Enquanto acelerava pelas ruas de Nova York, sentia a garganta seca, usar os poderes sempre me deixava tonta e fraca, meu corpo queria apagar mas não podia, não agora. Respirei fundo e esfreguei os olhos. A noite tinha chegado ao seu ponto mais alto eram três da manhã e ainda havia muito o que fazer. Olhei o retrovisor, vi meus olhos refletirem dourado, a velha Catherine não existia mais mesmo que eu quisesse voltar, já era tarde. Terei que aprender a conviver com meu legado, enquanto caminhava a uma decida incerta direto para o inferno.

A Filha Do ArcanjoOnde histórias criam vida. Descubra agora