Eu sou a fúria!

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O tempo era abstrato naquele lugar, não se sabia se eram duas da tarde. ou se já tinha passado duas semanas. Tudo era estranho e calmo demais na floresta do limbo. As flores nunca morriam, não se via galhos secos quebrados, a natureza era intocável de tão perfeito e harmoniosa. Eu por outro lado estava destruída, os braços com fendas enfaixadas graças as feras que mais tarde descobri serem cães do inferno, fugir daquelas coisas era impossível, ou quase. Anael tinha me abandonado naquele lugar solitário, tinha dito que só voltaria quando eu matasse as criaturas mas com uma condição, usando apenas meus poderes. Os quais tinham arrumado as malas e me abandonado. Enquanto pulava de uma árvore para outra fugindo do campo de visão dos cães que antes eram dois, agora tinham formado uma pequena matilha de oito. Percebi que muito possivelmente nunca mais voltaria ao mundo real, que Anael tinha me enganado e que estaria presa aqui para sempre. Talvez assim seja melhor, pelo que sei, todos que se aproximaram de mim, se feriram ou morreram. Encontrei um galho forte o suficiente para aguentar meu peso, e ajeitei por ali, as roupas fediam, meu cabelo grudava no pescoço, minhas mãos com pequenos cortes mal cicatrizados. Era estranho como me sentia fraca, mais humana do que nunca me senti antes, descansei meus olhos e permiti que meu corpo relaxasse. Eu precisava dormir. 

"Lá estava ele com seu terno branco, suas asas graciosas e sua perfeição inegável, seu sorriso era como as próprias estrelas, ele estava com os braços estendidos como se me puxasse para um abraço mortal, eu ouvi o pulsar, o pulsar do seu coração, olhei minhas mãos e estavam pingando de sangue envolto em um coração humano, ele batia rápido parecia ansioso. A figura alada me olhou com cautela e sussurrou: - Precisa quebrá-lo para se encontrar" 

Em súbito arrepio acordei com os rosnados abaixo da árvore que tinha escolhido. O sonho ainda ecoava como se ainda tivesse ali sendo observada por Lúcifer, mas agora só era o limbo, eu e os malditos cães infernais. 

- Droga!! 

Me preparei para correr outra vez, o breve sono tinha sido suficiente para aguentar mais um pouco. Pulei para árvore seguinte e saltei para uma ladeira logo a frente, deslizei por ela e já podia ouvir o ranger dos dentes deles, comecei a correr, desviando de galhos, pedras e depressões pelo caminho. Quando mais eu corria mais sentia meu coração pulsar cada vez mais rápido, ansioso para sair daquele maldito lugar, a voz de Lúcifer ecoava na minha mente, o corpo de Mika queimando pairou sobre meus devaneios, eu queria gritar, queria chorar, queria parar de correr e ser massacrada por aquelas criaturas, todo o peso de ser quem eu sou pesou de forma extraordinária, distraída não percebi que um penhasco gigantes se abrira na minha frente, e tropecei sobre meus calcanhares quase caindo para morte certa. Os cães vieram logo atrás parando para saborear a vitória, pude ver em seus olhos vermelho rubi que podiam sentir o cheiro da minha carne. 

Fechei os olhos, e fiquei imóvel. Como se estivesse desistindo. E eu estava... Demorou mais do que eu imaginei para se aproximarem, meio incertos, meio famintos. A voz se repetia "Quebre, quebre logo" "Quebre-o e Quebrará suas correntes". Senti novamente o coração pulsando nas minhas mãos, e dessa  vez eu o esmaguei entre meus dedos, e uma dor correu cada átomo do meu corpo, cada célula gritava de dor e agonia, eu gritei tão alto que os pássaros fugiram, os cervos se esconderam e os cães grunhiram. Eu podia sentir, finalmente estava sentindo, como era grandioso e doloroso o sangue dos anjos, correu meu corpo, eu sucumbi a dor, que parou de ser terrível e passou a ser...prazerosa. Caminhei ainda de olhos fechados até as criaturas e levantei minhas mãos como um maestro guia seus músicos, cada pedaço de cada criatura se partiu como fantoches, foram desmembrados e logo depois, sem fosforo, ou madeira, ateei fogo em todos, em uma explosão de poder, cai de joelhos e junto comigo, as cinzas dos meus inimigos. Finalmente tinha acabado, depois de semanas, eu conseguira derrotá-los, meu corpo queimava, e doía, nas minhas costas fendas enormes se abriram e sangraram. Agarrei a terra como se aquilo foi a única coisa real a qual eu poderia me apegar. Depois de longas horas ali ajoelhada como uma punição, me levantei e caminhei descalça até o riacho, mergulhei me banhando a luz da lua cheia, o ar puro do limbo, o silêncio absorto, começara a me incomodar, meus cabelos estavam grandes demais, então achei um galho, o fiz de cerra e cortei meus cabelos, bem curtos na nuca e meio repicados, depois eu procuraria alguém para acertar o corte, mas isso era o menos. Não vesti nada, minhas roupas estavam podres, apenas me sentei a beira do rio e aguardei pela visita de Anael. Se é que ela fosse aparecer. 

A noite passou como um borrão e eu não sai do lugar, nem consegui dormir, estava vazia de alguma forma o que tinha ocorrido me custou alguma coisa, só não sabia o que exatamente. Passei a noite encarando agua, os meus cortes se curando diante dos meus olhos, as fendas nas minhas costas se fechando lenta e dolorosamente, uma dor aguda que eu podia suportar em silêncio. Quando o céu se transmutou para o calor da alvorada, em tons alaranjados, o aroma de gesso polido tomou o lugar. Pude sentir sua presença logo que chegou. 

- Anael... 

- Vejo que cumpriu a tarefa. Confesso que demorou menos do que eu imaginei. Outros Nephilins tentaram e passaram anos fugindo dos cães até que morressem ou desistissem. 

- Uau... - Eu ainda encarava a água. 

- Você fez o que precisava ser feito Catherine, agora está pronta para Lúcifer. Vamos embora. 

Me levantei sem falar uma única palavra. Anael me deu um vestido branco limpo apenas para que eu não andasse sem nada no mundo dos humanos. A volta foi menos violenta, Anael tocou minha testa e eu desmaiei. Acordei no meio de Nova York, no central Park olhei os humanos ao redor vivendo suas vidas felizes, com famílias, crianças, e animais, era uma vida boa para eles. Anael parou do meu lado, também estava com roupas mais "comuns". 

- É isso que se perderá se nós falharmos Catherine. Você está pronta para isso? 

Respirei fundo, reencontrando minha voz. 

- Vamos matar o diabo esta noite. 

 

A Filha Do ArcanjoOnde histórias criam vida. Descubra agora